
O 25 de abril e as comemorações do seu cinquentenário
As manifestações do 25 de abril comemorativas do seu cinquentenário, na sua componente de participação de massas foram, sem dúvida, grandiosas e manifestam o apego do nosso povo à liberdade, o repúdio dos 48 anos do regime fascista e a rejeição das ideias e organizações fascistas do presente. Porém, em termos de ideologia, interesses e composição de classe aquela multidão estava marcada por contradições fundas, tal como em 1974: a maior parte, proletariado e massas exploradas, veio para a rua apoiar o MFA, incitá-lo a que fosse mais adiante, não se ficasse pelo derrubamento do regime fascista e pelo fim da guerra colonial, mas cumprisse as reivindicações que os trabalhadores e o povo há muito ansiavam. À outra parte, bastava-lhe o fim da ditadura e a democracia burguesa.
Deposto o regime, a luta de classes entre a burguesia e o proletariado e as camadas exploradas começou logo a manifestar-se. De um lado estava a classe operária e as camadas exploradas, que, em aliança com o MFA, pretendiam cumprir todos os objetivos de uma revolução democrática levando-a o mais longe possível na direção do socialismo, e do outro estavam os inimigos que queriam bloquear o processo revolucionário. Entre eles, a grande burguesia e os seus partidos, o aparelho religioso católico, militares reacionários spinolistas e o PS. Mário Soares teve como primeira preocupação travar o avanço da revolução antes que esta pusesse em causa o sistema capitalista e, dois dias depois de 25 de abril, faz um périplo pelas capitais europeias angariando solidariedade política e fundos que interrompessem o caminho da revolução. Tais ajudas vieram-lhe da social-democracia europeia, designadamente da RFA e dos EUA, que enviaram para Portugal Frank Carlucci, da CIA, com experiência na contrarrevolução no Chile, consumada havia pouco menos de um ano antes.
Em 74, tal como 50 anos depois, o povo que desceu à rua. O povo não é uniforme do ponto de vista de classe: integra os assalariados (proletariado), a pequena-burguesia e até elementos dos estratos superiores dessa pequena-burguesia perto da média burguesia com interesses na continuação do modo de produção capitalista e na exploração dos trabalhadores. Nas massas humanas que participaram nas manifestações, que tiveram a máxima expressão na Av. da Liberdade, e onde estiveram altos dirigentes do PSD e do PS, existem profundas diferenças nos interesses de classe e até se ouviu gritar «comunismo nunca mais». Naquelas manifestações festejaram-se 50 de “democracia”. Qual democracia? A democracia burguesa tal como hoje a temos. E se para uns isso basta e combaterão tudo o que for para além dela, para outros é necessária outra democracia, a democracia proletária, a democracia que alguns sonharam no 25 de abril de 74, a democracia da maioria dos explorados contra a democracia da minoria de exploradores. Se essa consciência existe: não, mas não se pode levianamente passar por cima destas contradições sem as ver e sem alertar o proletariado de que não pode haver unidade entre trabalhadores e exporadores, como se pretendeu que, no plano ideológico, estes dias representassem.
Sem falarmos das causas do que aconteceu, em 25 de novembro de 1975, dá-se uma rutura entre as forças que queriam caminhar em direção ao socialismo que a revolução apontava e as forças que tinham apoiado o derrube do fascismo mas não podiam apoiar o fim da exploração capitalista. Essas forças contrarrevolucionárias venceram e iniciou-se o desmantelamento das conquistas de abril. A partir daí, o proletariado continuou submetido ao capital e a burguesia recuperou o seu poder político primeiro e, depois, económico e o país perdeu a sua soberania. Esta é a realidade que não se pode esquecer ou mistificar.
Essas contradições não se resolveram e existem hoje tal como se apresentavam em 1974 – a contradição entre o trabalho e o capital, nunca resolvida. A unidade anti-fascista levou ao derrubamento da ditadura mas, na fase revolucionária que se seguiu ao levantamento militar, as forças dividiram-se inevitavelmente e deu-se o golpe do 25 de novembro É verdade que, mesmo após o golpe contrarrevolucionário, a força da revolução ainda se fez sentir, permitindo a publicação da CRP e a realização de mais algumas nacionalizações, mas a dinâmica do processo já se tinha invertido e caminharia mais ou menos gradualmente para a situação em que hoje nos encontramos, isto é, em plena vigência de uma democracia burguesa, por outras palavras, a ditadura da burguesia sobre o proletariado.
A democracia e a liberdade do 25 de abril
O processo revolucionário resultante da entrada em cena das massas populares apoiando o MFA e obrigando-o a ir muito para além do derrubamento do regime fascista e da reposição da liberdade, implicou grandes conquistas democráticas que tiveram uma base económica de sustentação.
A democracia, com o conteúdo que teve até 25 de novembro de 1975, assentava economicamente
na nacionalização dos principais meios de produção e da banca, no controlo operário, na Reforma Agrária, e a liberdade continha a liberdade de associação partidária e sindical, a livre expressão da opinião, o direito à greve, o direito universal gratuito à saúde, o direito à educação também gratuita e universal, o direito a férias, o direito ao salário mínimo nacional, o direito à segurança social, para referir os pilares mais importantes.
A desfiguração da Constituição e o seu conteúdo atual
Segundo uma edição feita pela editorial «Avante» sobre a CRP, em 2006, pode ler-se abreviadamente que as sucessivas revisões constitucionais permitiram:
• a extinção do Conselho da Revolução
• a eliminação do objetivo de assegurar a transição para o socialismo
• a eliminação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações
• a eliminação da referência à Reforma Agrária
• a eliminação da socialização dos meios de produção
• a eliminação do exclusivo de emissão de moeda do Banco de Portugal
• a extinção dos Conselhos de informação dos órgãos de comunicação social do Estado
• a diminuição das competências presidenciais em matéria das Forças Armadas (escolha de chefias)
• a inviabilização da criação das Regiões Administrativas
• a transferência de poderes para as instituições da UE, na política externa de segurança e defesa, a aceitação a jurisdição do Tribunal Penal Internacional e o primado das leis europeias sobre a CRP.
• a subordinação da legislação portuguesa e da própria constituição à legislação europeia
• a introdução do caráter tendencial da gratuitidade do SNS
• a redução do número de deputados
• a possibilidade de introdução dos círculos uninominais
• a substituição das organizações populares de base territorial por comissões de moradores.
Segundo a mesma publicação, considera-se positiva a manutenção no texto constitucional de aspetos como, muito resumidamente e apenas em alguns exemplos: a garantia da segurança no emprego, a liberdade de contratação coletiva, o direito à greve, o direito a uma habitação adequada, a subordinação do poder económico ao poder político (o que é isto? Segundo o materialismo dialético, o poder político reside na classe economicamente dominante...), justa repartição do rendimento e da riqueza (?)… etc. De facto, tem importância que estes direitos estejam no papel, é necessário defendê-los e exigir o seu cumprimento. Mas onde é que está o seu cumprimento? São precisamente os pontos que estão a ser cada vez mais esvaziados de conteúdo e mais atacados não só em Portugal, mas por todo o mundo no frenesim dos ataques do capital em nome da “crise” e independentemente das Constituições.
A experiência histórica e o marxismo-leninismo ensinam que o direito emana dos interesses das classes dominantes numa dada sociedade. A CRP de 76 correspondeu a um dado estado da luta de classes e a uma relação de forças que hoje não existe, e as revisões adaptaram a CRP às novas relações de forças marcadas pelo avanço da contrarrevolução e o crescente domínio político do capital. No caso da CRP portuguesa, no que resta de referência a direitos alcançados com o 25 de abril, é a correlação de forças na luta de classes que determina o seu cumprimento ou incumprimento. Na defesa desses direitos, não basta reivindicar o cumprimento da Constituição nos parlamentos e nos discursos. É a luta de classes, agudizada e organizada, que tem de impor pela força o seu cumprimento, esteja ou não na Constituição.
As comemorações do 50º aniversário do 25 de abril à luz dos interesses do capital
A ideologia burguesa aproveitou muito bem as comemorações para fazer passar as suas mensagens.
À partida, retirar a luta de classes e a natureza de classe da “democracia” em vigor, criando uma atmosfera artificial de paz e concórdia nacionais entre trabalho e capital sob o chapéu de uma suposta liberdade e democracia iguais para todos, como se a democracia de abril 74 tivesse alguma coisa a ver com a “democracia” de 2024. Tal como a propósito de outras inumeráveis situações, o conceito de “democracia” foi usado até à náusea para apresentar a democracia burguesa como único regime político possível e o melhor de todos, e que essa “democracia” é que corresponde ao verdadeiro espírito de abril. Na luta ideológica continua a discussão sobre o qual o “verdadeiro espírito do 25 de abril”
O papel da luta da classe operária e do povo português, dirigidos pelo PCP de então na resistência à ditadura, e o contributo único que essa politização das massas, durante 48 anos, para a eclosão vitoriosa da revolução foram apagados. Em seu lugar, na comunicação social, apareceram os militares do grupo dos 9 e gente ligada ao PS como protagonistas. Até Spínola foi ressuscitado.
O PREC foi uma vez mais diabolizado como um desvio “totalitário” do qual o país foi salvo com o 25 de novembro. Não houve, nem podia haver, diga-se, uma palavra sobre o papel do General Vasco Gonçalves que foi o melhor primeiro ministro que alguma vez Portugal teve, sobre a sua fidelidade aos ideais democráticos, no sentido de democracia para o povo, nem sobre outros destacados militares que tiveram um papel preponderante no MFA. Ninguém falou sobre o que foi verdadeiramente importante no 25 de abril: as nacionalizações, a Reforma Agrária, o controlo operário. O 11 de março foi considerado como um golpe de esquerda, quando foi precisamente o inverso. Ninguém levantou a voz a marcar uma posição de classe sobre a revolução de abril.
As perigosas maquinações terroristas contra o PCP da altura, os sindicatos e o rumo revolucionário do 25 de abril foram silenciadas.
As comemorações do 25 de abril foram aproveitadas paras criar um ambiente propício às “comemorações” do 25 de novembro no próximo ano que, num inqualificável processo de revisão da história, a burguesia diz ter vindo defender o verdadeiro espírito de abril e travar um golpe do Partido Comunista que estaria em preparação, quando efetivamente foi o golpe contrarrevolucionário que inverteu a marcha do país que caminhava para o aprofundamento das conquistas democráticas para os trabalhadores e o povo e, eventualmente para o socialismo se para tanto houvesse forças.
Aguardamos para ver se para o ano, perante comemorações do 25 de novembro, alguém tem a coragem e a honestidade políticas de assumir a defesa do PREC e denunciar as mentiras reinantes e as mistificações sobre esta questão, ou se alguém fica calado num cantinho à espera que a onda passe.

A vitória tangencial do PSD nas eleições legislativas
Sem entrarmos em grandes pormenores, a política do atual governo é a mesma do anterior: manter os cortes dos direitos sociais aos trabalhadores, atribuir benesses ao grande capital.
Pelo andamento da carruagem já se percebeu que o governo se prepara para não satisfazer as reivindicações dos professores, dos trabalhadores da saúde, das forças de segurança, das forças armadas, dos oficiais de justiça e de modo geral de toda a administração pública, isto é, todas as promessas que tinha feito na campanha eleitoral.
Iniciou-se um ciclo político em que PS e PSD se acusam mútua e ridiculamente de várias coisas. Assiste-se ao espetáculo degradante da troca de acusações, das mudanças de lugares dos boys e girls com o sr. Presidente da República a aplaudir a pantomina em nome do “funcionamento da democracia”.

A “política” é a politiquice baixa, os jogos florais parlamentares, em que o PSD leva à AR iniciativas do programa eleitoral do PS para o tentar comprometer sonhando com a realização de novas eleições com que se livrem da maioria relativa responsabilizando o PS, já que, no quadro presente, se sujeitam a ter leis aprovadas contra o seu programa de governação.
Estalou agora nova guerrilha para determinar quem é que melhor engana o povo: se o PS com a abolição das portagens nas ex-SCUT, se a AD com o aumento do complemento solidário para idosos, ou a gratuitidade de medicamentos para pensionistas no último grau da miséria.
Mas o estado das “contas públicas” é a questão central dessa disputa. Puro fogo de artifício político-parlamentar, diga-se, porque se há matéria em que PS e PSD são convergentes é precisamente nessa matéria.
O que é “bom estado das contas públicas” para o PS e o PSD? É o Estado reduzir despesas com os direitos sociais e com investimento público. Porquê? Porque, mesmo que quisessem, estariam impedidos pela UE de o fazer, com os argumentos estafados da incerteza quanto à situação da guerra na Ucrânia, da guerra em Gaza e da provável situação de crise daí decorrente. “Crise” é o nome dado ao gasto de milhares de milhões de euros nas despesas militares, em benefícios dos grandes monopólios, nas garantias de que os lucros bancários vão continuar a ser obscenos.
Perante essa “crise” há que amealhar para fazer face ao futuro (isto ressoa-nos a qualquer coisa que se ouviu da boca de um tal Salazar). Leia-se: é preciso ter os bancos bem recheados de capital para continuar o ciclo económico do capitalismo cada vez mais concentrado, apodrecido, cada vez mais especulativo, cada vez mais assassino.
E eis que, em coro bem afinado, o FMI, o BCE, a UE, o Banco de Portugal, o Conselho de Finanças Públicas, o Primeiro ministro atual e o seu antecessor, o Secretário-Geral do PS, o Presidente da República aparecem a dizer: atenção às contas públicas, ao défice orçamental (uma vezes é o défice, outras o superavit, esta questão ainda está bem resolvida entre o PS e o PSD) não se pode dar tudo a todos, o OE não permite isto e aquilo, não há dinheiro que chegue para tanta reivindicação, enfim, adiante. E nesta ladainha fazem coro o PS e o PSD e outros parceiros menores. «Entre as medidas que podem vir a ter mais peso na despesa, se vierem a ser aprovadas, estão cinco: recuperação do tempo de serviço dos professores, subsídios de risco a todos os profissionais dos serviços de segurança, complemento solidário para idosos, e cortes no IRC e no IRS»1, alertou a presidente do Conselho de Finanças Públicas.
Como sempre, os trabalhadores vão ter pela frente longas lutas pelos seus direitos e pela melhoria das suas condições de vida cada vez mais degradadas.
Mesmo com a CRP a “garantir” uma “justa repartição do rendimento e da riqueza”, os lucros assombrosos dos bancos, das empresas de energia e telecomunicações, da grande distribuição, dos grandes grupos do imobiliário e do turismo não param de crescer, enquanto os salários e o “direito ao trabalho...” e o “direito à segurança no trabalho”, o “direito à contratação coletiva” que estão na Constituição, são uma miragem.
As sucessões entre o PS e PSD, ou AD no poder, todas as alianças parlamentares e governativas imaginárias, entre elas a “geringonça”, trouxeram bastantes lições para a luta dos trabalhadores: sozinhos ou acompanhados uns dos outros, nada se consegue sem luta, o parlamentarismo é uma fraude. A luta pelas reivindicações económicas tem de se politizar para além delas e derrubar o capitalismo
As eleições europeias

No próximo dia 9 de junho realizar-se-ão estas eleições. Para que vai servir o voto dos trabalhadores e o que irá a respetiva campanha esclarecer?
O Parlamento Europeu é uma instituição de fachada para dar aos povos a ideia de que aquelas instituições são democráticas. O Conselho Europeu e a Comissão Europeia, que não são eleitos, e por detrás deles os maiores monopólios europeus, são as entidades que efetivamente mandam, havendo países que mandam mais do que outros, isto é, os países na base da pirâmide imperialista são os que têm de se submeter à vontade dos mais poderosos.
Se estamos recordados, Mário Soares tratou de fazer Portugal entrar para CEE com a intenção de arranjar mecanismos que amarrassem o país ao capitalismo e minimizar o risco de a luta pôr em causa a existência do capitalismo ou dificultar-lhe a vida.
A partir daí, a pouca independência de Portugal ficou ainda mais limitada. O país ficou amarrado a tratados que não eram do seu interesse, ficou amarrado à moeda única, perdeu a sua autonomia na política monetária e de elaborar autonomamente os seus Orçamentos de Estado, ficou amarrado aos acordos de Schengen. A indústria, a agricultura e as pescas forma destruídas para que outros aqui viessem vender as suas mercadorias e hoje, 72% dos trabalhadores pertencem ao setor terciário – comércio e serviços. Portugal é contribuinte líquido da UE, recebe de volta uns milhares de milhões para “projetos” que a UE autoriza e determina.
A tendência da evolução dos acontecimentos vai no sentido de nivelar por baixo os direitos dos trabalhadores europeus, de políticas restritivas de entrada de imigrantes, de reforçar as amarras à política externa europeia marcada pelos conflitos entre os vários polos imperialistas, mais guerra e despesas de guerra, a tentativa de formação de um exército único europeu, e a união bancária (os bancos ficarão ainda mais concentrados e teriam uma intervenção monopolista ainda mais coordenada).
A campanha eleitoral seria uma excelente oportunidade de denunciar junto dos trabalhadores e do povo o que é a UE, de que não é possível no capitalismo uma Europa na base da igualdade e dos interesses mútuos dos países que a integram, porque no capitalismo existe uma lei absoluta do desenvolvimento desigual – para uns terem mais, é preciso que outros tenham menos. Seria ainda um momento completamente oportuno para denunciar que os trabalhadores e os povos nada têm a esperar desta organização monopolista e imperialista, e de colocar na ordem do dia a exigência da saída do país da UE no quadro da luta contra o capitalismo e pelo socialismo, em conjunto com os povos dos outros países da Europa e do mundo, na base do internacionalismo proletário.
Portugal fora da UE!
Portugal fora da NATO!
1 CFP pede "prudência" e "cautela" ao Governo de Luís Montenegro quando chegar a hora de gastar dinheiro (sapo.pt)
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