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SOBRE A VINDA DO PAPA A PORTUGAL




A realização das Jornadas Mundiais da Juventude em Portugal e a vinda do Papa movimentaram mais de um milhão de jovens, segundo os números oficiais divulgados na comunicação social. Aliás, ainda a jornada não tinha começado e já as instituições políticas e religiosas falavam nesse tal milhão. Não podemos ignorar que a comunicação social, pelo menos pelo que vimos em Portugal, desempenhou um papel de primeira ordem na mobilização dos jovens e na propaganda do evento.


O “massacre” televisivo só encontra paralelo na operação montada em torno da guerra na Ucrânia.


Ouve-se muitos portugueses a queixarem-se de que o dinheiro despendido pelo fundos públicos neste evento foi negado para a resolução de problemas de muitos milhares de trabalhadores e suas famílias em dificuldades. Não se pode estar mais de acordo com eles.


A posição do Estado


Foi o presidente Marcelo que tornou pública a proposta da realização da Jornada em Portugal há alguns anos atrás. Que isso obedeceu a intuitos políticos da sua parte e da do Vaticano não duvidamos.


A organização da Jornada envolveu custos que não conhecemos, mas seguramente terão ido além dos 50 milhões de que se fala, despesas repartidas entre o governo e a autarquia de Lisboa. Quanto gastou a Igreja, até agora, não se sabe, mas sabemos nós que o Vaticano é um Estado muito rico.


No que toca a questões de segunda ordem, podemos falar da atitude provinciana e bacoca da comunicação social, apoiada pelo pensamento dominante, e do Presidente da República, que quiseram mostrar ao mundo a capacidade de organização de Portugal – somos pequeninos, mas bons. Mal surgia um reparo e lá estavam o MAI ou as Forças Armadas a garantir segurança absoluta na terra, no ar e no mar.


Como de costume, o Presidente não perdeu pitada de aparecer ao lado do Papa e desfez-se em mesuras, impróprias do representante do Estado português, no cumprimento ao Papa à sua chegada.

Aliás, os portugueses, com o seu sarcástico sentido de humor, se encarregaram de caricaturar o momento nas redes sociais. O Presidente da Câmara de Lisboa também não perdeu nenhuma oportunidade. O governo deixou o palco a Marcelo e assistiu ao espetáculo num discreto e cauteloso camarote reservado. Evidentemente que o governo não só foi responsável por mais de 30 milhões de euros de despesas, como por ter envolvido os vários meios do Estado como as forças e serviços de segurança, das Forças Armadas, da Proteção Civil, da Saúde e muitos mais. Não se quis expor para o caso de algo ter corrido mal


A questão de fundo é que o Estado se envolveu num projeto de propaganda sem precedentes da religião católica, sendo um Estado laico por imposição constitucional, e nele gastou dinheiro dos impostos do povo, dinheiro que recusa para resolver situações prementes dos trabalhadores ou dos cidadãos. Alguém se lembra a promessa de Marcelo, no início do seu 1º mandato, de que iria acabar com a situação dos sem-abrigo em Lisboa? Já vai a meio do 2º mandato e número dos sem-abrigo aumentou vertiginosamente com nacionais e imigrantes. E o sr. Moedas, que foi atacado publicamente por ter corrido com os sem-abrigo para não darem mau aspeto à cidade, veio defender-se dizendo que os tinha tirado, mas só para fazer limpeza nas ruas.


Muitos portugueses se sentem indignados e revoltados, quer com os privilégios concedidos à Igreja Católica Apostólica Romana que não se concedem proporcionalmente a outras religiões e com o esbanjamento de dinheiro público para a realização do evento. Mas a indignação maior decorre da conversa estafada de não haver dinheiro para aquilo que os trabalhadores e o povo precisam e fazer-se este tipo de gastos injustificados e injustos para os quais o governo abre os cordões à bolsa. Nas palavras do sr. Moedas, do presidente da Câmara de Loures, do Primeiro Ministro e do Presidente da República, o arranjo dos terrenos da zona oriental de Lisboa e parte de Loures é um investimento que fica para as duas cidades. É verdade. Mas o parque não seria construído para as necessidades de lazer dos trabalhadores de Loures e Lisboa se não viesse o Papa. E o palco, que custou dois milhões de euros, vai lá ficar para a realização de espetáculos que vão encher os bolsos dos srs. Álvaro Covões, Luís Montez e outros empresários da indústria do entretenimento.


O sr. Presidente afirmou que este evento promove a imagem de Portugal no mundo e que promove o turismo. O pior é que as receitas do turismo vão para os bolsos dos respetivos empresários e não vão para os bolsos dos trabalhadores da hotelaria e todos os outros. O turismo em Portugal só é bom para o capital, não para os trabalhadores.


Os gastos realizados


Foi com o beneplácito legal do governo que se formou a Fundação da JMJ e por lá funciona a plataforma giratória dos fundos envolvidos. Nunca saberemos a sua verdadeira magnitude, mas, no entanto, sabemos que as fundações são instituições que gozam de grandes privilégios, designadamente fiscais. Mais uma responsabilidade do governo. Por ali entrou o dinheiro do Vaticano para subsidiar deslocações, refeições, voluntários – que também almoçam e jantam, etc.


Pôde ver-se jovens a comprar refeições com vouchers que os comerciantes vão resgatar à Fundação JMJ. Estamos em crer que muitas deslocações de todo o mundo foram financiadas pelo Vaticano & patrocinadores e respetivos Estados, porque muito poucos jovens teriam disponibilidades materiais para o fazer.


Daqui, seguramente, pouco mais se saberá.


Ainda quanto a financiamentos pergunta-se: os tais 50 milhões foram apenas destinados a infraestruturas permanentes como o parque e o palco principal ou incluem o pagamento dos meios e das forças de segurança (pelo menos alguns queixaram-se de que as chefias os tinham mobilizado e dito que não havia dinheiro para lhes pagar)? O pagamento dos serviços dos bombeiros e do INEM e respetivo pessoal e meios vultuosos como uma rede de cuidados primários e hospitais de campanha mobilizados para o terreno? A água, luz e pessoal que asseguraram o funcionamento dos pavilhões e ginásios das escolas e quartéis de bombeiros fora das horas de trabalho? A propaganda e sinalização que alguns municípios fizeram, designadamente os ecrãs gigantes no Marquês de Pombal? As iniciativas alusivas promovidas pelas autarquias em muitos pontos do país? O pagamento da relva do Parque Eduardo VII – serão centenas de milhares de euros para a recuperar - ? Os gastos da televisão pública e as medidas especiais para cobertura do evento?

A adaptação e o funcionamento dos helicópteros das Forças Armadas que transportam o Papa e a escolta aérea?


Há ainda quem fale dos estádios de futebol do Mundial de 2002 para justificar o dinheiro que se gastou na vinda do Papa. Estes dois episódios não se podem contrapor. Eles são ambos gastos supérfluos realizados com dinheiros públicos para propaganda de governos e enriquecimento de meia dúzia de construtores civis, sem respeito pelo povo e pelos seus sacrifícios.


Passemos a questões de substância.


A relação entre os trabalhadores e suas organizações políticas e sindicais com a Igreja


A visita do Papa suscitou algumas discussões em torno do tema em epígrafe e logo veio à tona a política dos comunistas em relação aos católicos, questão bem diferente da posição dos comunistas em relação à Igreja e à religião.


Antes de prosseguir, fazemos a transcrição de um texto de Lenine citado num artigo que mencionaremos abaixo e que explica a posição dos comunistas em relação aos católicos ou a qualquer outra religião:

«Seria um absurdo pensar que, numa sociedade baseada na opressão e embrutecimento infindáveis das massas operárias, se pode, puramente por meio da propaganda, dissipar os preconceitos religiosos. Seria estreiteza burguesa esquecer que o jugo da religião sobre a humanidade é apenas produto e reflexo do jugo económico que existe dentro da sociedade» [1]


As massas laboriosas estão eivadas de sentimentos religiosos e pequeno-burgueses. Mas a luta pela emancipação da classe tem de ser feita pela própria classe, classe que mergulha as raízes na sociedade burguesa. É esta massa que fará a revolução dirigida pelos comunistas. É esta massa que tem de ser ganha e educada pelos princípios do marxismo-leninismo, não livresco, mas pela sua luta económica e política. Só assim as massas podem compreender o marxismo-leninismo e reivindicar o socialismo. A importância de atrair as massas com crenças religiosas à luta é explicada por Lenine:


« A unidade desta luta realmente revolucionária da classe oprimida pela criação do paraíso na terra é mais importante para nós do que a unidade de opiniões dos proletários sobre o paraíso no céu.» [2]


Documentos programáticos e outros de igual importância, balizam a posição dos comunistas portugueses em relação aos católicos. De um livrinho publicado logo em 1975, pelas edições «Avante!», contendo vários textos sobre o tema, vamos referir-nos apenas a dois textos, respetivamente de Álvaro Cunhal e Otávio Pato.


Aí está plasmada com meridiana clareza a posição dos comunistas em relação aos católicos. O 1º texto de Álvaro Cunhal, remonta a 1943 e constitui o seu informe político ao 1º Congresso do PCP.


Desses textos resulta claro que os comunistas têm a «Mão estendida aos católicos» e quase não seria necessário dizer mais alguma coisa, se não fosse obrigatório que se desenvolvesse o tema.


Os comunistas reconhecem a grande influência da Igreja católica sobre o povo português e para eles, comunistas, a divisão de classes na sociedade portuguesa não passa pela religião, qualquer que ela seja. A divisão de classes estava, como sempre esteve, entre os explorados e exploradores.

Latifundiários e capitalistas havia que tinham capelas nas suas mansões onde realizavam as suas comemorações litúrgicas. E havia trabalhadores católicos que iam presos por terem feito uma greve ou se tinham envolvido em atividades políticas para defender a sua classe.


Os comunistas combatiam intensamente o sectarismo ou preconceito que se manifestasse em relação aos católicos. A unidade de classe incluía os trabalhadores católicos e a unidade política incluía os católicos progressistas. Muitos e muitos, incluindo sacerdotes, estiveram com os comunistas no seu combate antifascista. É bom relembrar, designadamente, o papel

que desempenharam os católicos da Capela do Rato. Vários camaradas se tornaram membros do Partido a partir desses núcleos progressistas católicos. Muitos católicos, entre eles intelectuais, estiveram presos nas masmorras da PIDE.


Em todos os países socialistas, e em primeiro lugar na URSS, foi assegurada a liberdade de consciência e de culto, considerando que a fé é uma questão privada. Em todos os seus documentos programáticos dos comunistas se garante a liberdade de consciência e de culto no futuro socialista de Portugal.


Em Braga, em 1974, Álvaro Cunhal dizia: «Comunistas e católicos participam no mesmo esforço criador ao lado de todas as forças democráticas e do Movimento das Forças Armadas». [3]. Mas os comunistas combateram e denunciaram também a ação terrorista direta de hierarcas católicos e todo o seu apoio aos bombistas e o seu ódio anticomunista, manipulando os pequenos camponeses e até o operariado do norte do país contra os comunistas e contra o 25 de abril.


Contudo, uma análise de classe tem de fazer referência ao outro polo da contradição, fazer uma destrinça entre os proletários católicos e a instituição Igreja católica e a sua hierarquia.


No mesmo livro, num texto de 1958 de Otávio Pato, publicado em «O Militante» pode ler-se:

«O Vaticano, centro da Igreja Católica é, antes de tudo, uma das maiores potências financeiras e o papa, tal como as altas esferas eclesiásticas de cada país, estão estreitamente ligados aos meios dirigentes reacionários do mundo capitalista […][4]


É isto que explica as razões por que o Vaticano e as altas esferas da Igreja se colocam sempre ao lado das classes capitalistas e reacionárias. Porque apoiaram Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália, e, mais tarde se esforçaram por salvar a monarquia italiana; porque apoiaram a agressão fascista e terrorista que colocou Franco no poder em Espanha e auxiliaram Pétain a tomar conta do poder em França; porque encabeçam cruzadas contra a União Soviética e atividades de sapa contra os países do socialismo; porque apoiaram o golpe fascista de 28 de maio que levou Salazar ao poder. »


Do que se fala aqui é da unidade das massas trabalhadoras entre as quais existem muitos católicos, praticantes e não praticantes, e de católicos progressistas com intervenção política e não da unidade dos comunistas com a Igreja, coisa aberrante quando se trata da luta de classes. É confundir o «género humano com o Manuel Germano», para não dizer mais.


Diz ainda Lenine sobre o assunto:


«Em relação ao partido do proletariado socialista a religião não é um assunto privado. O nosso partido é uma associação de combatentes conscientes e de vanguarda pela libertação da classe operária. Essa associação não pode e não deve ter uma atitude indiferente em relação à inconsciência, à ignorância ou ao obscurantismo sob a forma de crenças religiosas. Reivindicamos a completa separação da igreja e do Estado para lutar contra o nevoeiro religioso com armas puramente ideológicas e só ideológicas, com a nossa imprensa, com a nossa palavra. Mas nós fundámos a nossa associação, o POSDR, entre outras coisas precisamente para essa luta contra qualquer entontecimento religioso dos operários. E para nós a luta ideológica não é um assunto privado mas um assunto de todo o partido, de todo o proletariado.»


«O proletariado revolucionário conseguirá que a religião se torne realmente um assunto privado para o Estado. E neste regime político, depurado do bolor medieval, o proletariado travará uma luta ampla e aberta pela eliminação da escravidão económica, verdadeira fonte do entontecimento religioso da humanidade.» [5]

Daqui se infere qual o papel do Partido proletário: trabalha para a unidade da classe mas não pode ser indiferente em relação ao obscurantismo provocado entre elas pela religião.


Aos comunistas não pode passar despercebida a montagem que tem estado em curso nos últimos dias com a visita do Papa. As mobilizações massivas de pessoas e jovens mostra o quanto as massas estão intoxicadas com a religião católica neste caso, e isto tem de ser levado em conta pelos comunistas e o seu partido. Estas mobilizações não servem para para uma tomada de consciência pelos jovens acerca dos grandes problemas do mundo e as suas causas, mas pelo contrário, contribui para a sua alienação.


Repare-se no vazio das palavras do Papa, no vazio das declarações dos jovens que passam na televisão: “alegria”, contacto com outras culturas, conhecer outras pessoas, aprofundamento da fé, Deus conhece-nos pelo nome replicando as palavras do Papa, “não tenhais medo” (de quê?) etc.etc.


Trata-se de um gigantesco espetáculo montado para fazer propaganda da religião, que dificulta e obstaculiza consciencialização dos problemas dos jovens e da sua causa.


O Papa terá tido claros objetivos políticos ao promover estas jornadas e de certeza que os conseguiu. Um deles possivelmente foi branquear e obter o perdão para os crimes da Igreja sobre crianças e jovens indefesos, tentando relançar a atratividade do catolicismo entre os jovens que estavam a abandonar a prática religiosa católica, face ao atrás referido e à falta de resposta pela religião dos seus grandes problemas que são, nos países capitalistas desenvolvidos, o desemprego, a precariedade, a falta de habitação, e nos países explorados, a guerra, a fome, o desemprego, a impossibilidade de aceder à educação e à saúde, etc., etc. As jornadas foram essencialmente um culto à personalidade do Papa, para captar para a religião a energia, a generosidade, a alegria, o espírito de sacrifício da juventude, oferecendo soluções individualistas e utópicas.


Ora, qual é a posição atual dos comunistas portugueses sobre a visita do Papa e qual é a sua relação com a Igreja?


Não é a luta pela construção da unidade entre os jovens que lutam pelos seus justos interesses com os jovens católicos nessa mesma batalha. Não é procurar mobilizar os trabalhadores católicos atuando para a unidade do proletariado, não é chamando a atenção dos jovens e dos trabalhadores

católicos para a grande contradição entre a doutrina da Igreja e a sua prática.


Os comunistas e o seu máximo representante hoje visitam os bispos, visitam a Fundação da JMJ e descerram lápides que testemunham a sua presença, misturam-se com o Vaticano, assumem como se fossem suas as responsabilidades “nacionais” para o êxito do evento e a sua “importância para o país”, criticam a comunicação social por ocultar palavras “de esquerda” do Papa.


O sr. Presidente da República, que almeja a “unidade nacional” com base na sua ação e no seu protagonismo, declarou, com exuberante alegria que «A JCP saudou» o evento.


Ora, com isto, os dirigentes comunistas estão a apagar da história o papel reacionário e contrarevolucionário desempenhado pela instituição Igreja no nosso país e em todo o mundo. Que cada um adjetive esta atitude como lhe parecer. Estamos a dar elementos para refletir profundamente sobre o caminho que levamos.


Há militantes que não criticam este posicionamento dos dirigentes comunistas com o argumento de que o PCP não se pode isolar das massas. É claro que não pode. Mas também não deve ir atrás das massas manipuladas pela religião, adulando-as, para mostrar como os comunistas se inserem de modo bem comportado na sociedade capitalista. Como demonstrámos ao longo deste texto, também não se trata de ir para a rua gritar que “a religião é o ópio do povo”.


Porém, a burguesia não se deixa levar por estas, chamemos-lhes, infantilidades políticas. Quando e se precisar, elimina de um golpe o partido comunista e os sindicatos, independentemente de eles se portarem bem ou mal. No entretanto, a burguesia vai-se servindo deles para controlar o descontentamento das massas. A pequena burguesia, se não cair para o lado do proletariado quando este tiver a força suficiente, alia-se ao lado mais forte – a burguesia, independentemente da posição

pequeno-burguesa do partido do proletariado e do rebaixamento dos interesses do proletariado em função de procurar “atrair” a pequena-burguesia.


Assim, os dirigentes comunistas afastam-se cada vez mais das massas trabalhadoras; não ganham o apoio da pequena-burguesia e muito menos da burguesia nacional e perdem o apoio daqueles que engrandeceriam o partido: o proletariado; não se põem à frente das massas católicas e não católicas, vão atrás delas assumindo como boas as posições da hierarquia católica e branqueando o seu papel e os seus crimes.


Que cada comunista tire as suas conclusões.



[2] id., ibidem

[3] Comunistas e católicos, ed. «Avante!», Lisboa, 1974

[4] id., ibidem

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