Uma grandiosa greve geral
- quefazerquefazer
- há 4 dias
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O Pacote Laboral Não Passará!

1. Balanço da greve
A greve geral de 11de dezembro de 2025 foi uma grandiosa jornada de luta da classe operária (a classe operária não se restringe aos trabalhadores na indústria) e dos trabalhadores portugueses. Muita gente ficou surpreendida com os níveis de adesão e com a dimensão das manifestações que ocorreram nesse mesmo dia. Como não podia deixar de ser, os funcionários do patronato e da burguesia em geral que se conluiam numa instituição que dá pelo nome de Governo da República, desvalorizaram ridiculamente e a contrassenso a elevada adesão dos trabalhadores, o que só mostrou o seu desespero.
Sem sombra de dúvida, pode afirmar-se que esta greve geral foi a primeira grande derrota política deste segundo governo de Montenegro, isto é, do PSD e do CDS e dos seus aliados e apoiantes. E esta derrota não foi infligida pelos partidos adversários, mas pela classe dos que produzem a riqueza que perentoriamente disseram NÃO ao pacote laboral.
O governo da burguesia e a propriamente dita também tudo fizeram para desmobilizar a greve. Luís Montenegro acenou com um mirífico salário mínimo de 1 500 euros e um salário médio de 4 000, à espera de convencer papalvos: agora até dá três dias de tolerância de ponto aos funcionários públicos. Até os banqueiros, que costumam não se meter ao barulho nos conflitos de classe da restante burguesia nacional de segunda categoria, desta vez reagiram considerando-a injustificada e infundada e o seu tom era de preocupação.
Empresas houve, do que se sabe, e muito só se saberá em cada local de trabalho, que pagaram refeições, serviços Uber, estacionamentos, aluguer de transportes coletivos e ofereceram dias de férias extra a quem quisesse ir trabalhar.
Milhares de trabalhadores precários não puderam fazer greve com receio de perder o posto de trabalho o que mostra que a precaridade generalizada, em última instância, pode pôr termo ao direito à greve e à defesa dos interesses de quem trabalha. Esta é a “liberdade” que reina nos locais de trabalho.
Apesar de estas medidas já constarem no programa do governo, assim que elas foram apresentadas sob a forma de pacote laboral pela mão da insuportável e insignificante srª maria do rosário da palma que julga ser a possuidora do chicote que dobra a espinha aos escravos, e do Primeiro-Ministro responsável primeiro das medidas assassinas, o mundo do trabalho cedo percebeu o seu alcance e o perigo nelas contido.
Os dados da CGTP-IN sobre as adesões à greve geral mostram a participação em massa dos trabalhadores de todos os setores da administração pública, há muito tempo em conflito com o “patrão” e cansados de não obterem resposta às suas justas reivindicações: as escolas com os professores e os assistentes operacionais , os hospitais com os médicos, os enfermeiros, os assistentes operacionais, os assistentes administrativos, os técnicos de diagnóstico, os centros de saúde, as câmaras municipais e a limpeza urbana. O setor dos transportes, empresas públicas e privadas, – ferroviários ligeiros e pesados, rodoviários, aviação e aeroportos, fluviais - teve um alto nível de adesão e contribuiu especialmente para o impacto da jornada de luta. No setor privado registam-se adesões notáveis nos setores da vigilância, limpeza e cantinas, que têm os seus trabalhadores espalhadas por muitos locais de trabalho. Também empresas industriais do setor alimentar, do setor automóvel como o parque industrial da Autoeuropa, empresas de cablagem, etc. e os correios tiveram adesões assinaláveis. Registaram-se algumas boas adesões em lojas de centros comerciais e tantas outras.
Muitos trabalhadores pela primeira vez na vida fizeram greve, quer por ser a sua primeira experiência num episódio da luta de classes, mas também outros mais velhos o declararam.
2. As manifestações
As grandes manifestações no Porto e Lisboa ocorridas no final do dia da greve, foram outras tantas confirmações do repúdio pelas medidas do pacote laboral. Para quem costuma participar em manifestações sindicais, pôde ver que estas apresentaram um sinal particular: os participantes eram esmagadoramente jovens. Não pode haver maior desmentido das teses governamentais de que os jovens, hoje, não querem “empregos para a vida”. Os jovens querem, em primeiro lugar, um emprego – 18,2% dos desempregados são jovens (a média europeia é de 15,2%) – e querem a estabilidade. Não querem passar a vida angustiados sem saber se no dia seguinte ou no mês seguinte têm trabalho, precisam de contratos de trabalho que lhes permitam comprar uma casa se não tiverem dinheiro para alugar uma, querem constituir família e ter a certeza de que os filhos não vão passar necessidades, querem sair da dependência dos pais e fazer a sua vida autonomamente.
Os jovens querem fazer descontos para a segurança social para não terem de recorrer à caridade quando, reformados, tiverem uma pensão miserável, coisa que vai acontecer aos precários em geral.
Os cartazes e faixas exibidos manifestavam uma consciência profunda de que o seu futuro estava em jogo e a vontade de lutar contra as medidas que os querem fazer escravos no século XXI.
Mas podemos ir mais longe e dizer que aqueles jovens já tinham tomado consciência de que só a luta e a unidade podem defendê-los. Muitos jovens precários tiveram a coragem de fazer greve com plena noção de que não tinham nada mais a perder e só a luta os pode fazer ganhar, que é o que dá o impulso aos explorados para se libertarem da exploração e construir uma verdadeira democracia para os trabalhadores. Nesse sentido, a greve geral foi uma grande experiência que certamente não esquecerão no decurso das suas vidas e nas muitas batalhas de classe que vão ter de travar.
Houve também quem, de outras gerações, tivesse participado preocupado com o futuro dos filhos e outros que, consideravam ter tido uma vida relativamente privilegiada por terem recebido as conquistas das gerações que tinham trabalhado para elas, considerasse que tinha chegado a vez de, pela sua parte, retribuir pelo futuro aquilo que tinham recebido. Tudo isto diz muito do sentimento de largas massas de trabalhadores e a confiança que devemos ter de que a luta vai continuar até que o pacote laboral e outros pacotes laborais sejam varridos do horizonte.
Por fim, refira-se a presença de faixas da Comissão de Trabalhadores da RTP e de jovens arquitetos, por exemplo, que mostram a disposição de camadas da intelectualidade proletarizada, mais e menos jovem, de virem à luta também. Os jornalistas da agência Lusa aderiram à greve e jovens advogados precários, certamente explorados nos grandes escritórios de causídicos da alta burguesia, protestaram posteriormente contra um artigo do bastonário da Ordem, ferido pela greve geral nos seus interesses e, tomando as dores dos seus patrões, reclamava o seu “direito a trabalhar”.
3. O papel do pacote laboral na política do governo ao serviço do capital
O pacote laboral é a carta reivindicativa do patronato que o governo assumiu, tendo em conta os tempos futuros. Ninguém se iluda com o disparate do Primeiro-Ministro que leu no jornal que forra o caixote do lixo que Portugal era a “economia do ano” e com isso se envaideceu, mostrando o seu provincianismo e a sua subalternidade (e a subalternidade do nosso país) no concerto dos poderes imperialistas. Os tempos que aí vêm vão ser duros. A burguesia nacional, excetuando talvez as suas camadas mais altas, vai ser ainda mais sufocada pela guerra entre os capitais formidáveis dos monopólios em confronto pela redivisão do mundo e tenta sobreviver. Isto não faz da burguesia nacional uma amiga dos trabalhadores, porque vai ser à conta deles que ela vai tentar ficar com a cabeça fora da água para respirar e continuar a fazer os seus lucros.
A prever uma situação de grande instabilidade, para aumentar a “competitividade das empresas” como eles dizem, o pacote laboral obedece às linhas fundamentais dos interesses da burguesia de todos os escalões: facilitar os despedimentos, aumentar a precaridade dos vínculos laborais, aumentar e desregular os horários de trabalho, impedir a atividade sindical e esconjurar o seu maior pesadelo: o direito à greve.
Estas medidas apresentam grande coerência entre si. Pôr na rua os trabalhadores de que não precisa, contratá-los só quando precisa - se precisar -, aumentar o tempo diário em que os mantém ao seu serviço e impedi-los de se organizarem para resistir, são medidas que convergem, por várias vias, para o abaixamento dos custos com a mão-de-obra, do ponto de vista do patronato e na diminuição dos salários, do ponto de vista de quem trabalha.
E já nem abordamos aqui o abaixamento real dos salários resultante da inflação, dos aumentos dos bens de primeira necessidade e da redução dos serviços públicos como a saúde e a educação. Sublinhe-se que o aumento dos preços não resulta só da inflação, mas de estratégias dos monopólios – da energia, da distribuição alimentar, da banca, do imobiliário, do parasitismo dos senhorios, etc. - e das medidas políticas que os apoiam.
Com o 25 de abril os trabalhadores conquistaram os direitos que lhes tinham sido negados durante 48 anos de fascismo. Eram os direitos mais avançados no contexto da própria Europa capitalista. Com o início da contrarrevolução esses direitos vieram, um a um, a ser limitados ou abolidos num processo contínuo desde 25 de novembro de 1975. A presente ofensiva é um grande salto em frente e pretende vir a colocar a legislação do trabalho no patamar mais retrógrado de sempre em Portugal desde o 25 de abril.
Para além das questões específicas deste pacote, os trabalhadores não podem esquecer-se de duas leis fundamentais contra os trabalhadores que vêm do tempo da troika. Referimo-nos à lei da caducidade da contratação coletiva e à abolição do princípio do tratamento mais favorável. Durante os tempos da “geringonça” estas duas gravíssimas leis estiveram escandalosamente esquecidas na agenda do movimento sindical e dos partidos que tinham obrigação de reagir politicamente contra elas. É hora de serem agregadas ao conjunto dos objetivos de luta contra toda a legislação reacionária que o governo se prepara para levar por diante.
Por fim, está ainda em causa a segurança social universal que, com todas as suas injustiças para os reformados, os desempregados e outros grupos de cidadãos que necessitam de apoios especiais, tem estado em vigor até agora e que o governo vai tentar privatizar. Tal intenção, constava também já do programa do governo, mas não foi de imediato denunciada. O que está na agenda política do capital e foi agora anunciado pela Comissão Europeia é pôr esses fundos na especulação financeira, em fundos de risco, para reunir os montantes inimagináveis que vão ser colocados na militarização da economia europeia. Os descontos de gerações de trabalhadores correm o risco de desaparecer na voragem da especulação financeira. Este é outro ponto que tem de vir para cima da mesa sem falta.
4. A “competitividade das empresas”, o aumento do tempo de trabalho e a precaridade
O patronato e o governo da burguesia têm tentando enganar os trabalhadores afirmando que este ataque sem precedentes aos direitos trará mais competitividade às empresas e, consequentemente, os salários aumentarão. Isto é, retira direitos a bem dos trabalhadores. A experiência de quem trabalha e luta é já suficiente para perceber que se trata da mentira mais sem vergonha.
Vejamos a fundamentação da falsidade à luz da experiência do movimento operário desde os primórdios do século XIX e da teoria fundada por Marx e Engels na sua base.
Na relação assalariada, isto é, quando um trabalhador vende a sua força de trabalho a um patrão, o trabalhador é sempre roubado e o fruto desse roubo constitui o lucro do patrão. Isto é, há sempre determinado tempo de trabalho que não é pago e cujo valor é apropriado pelo patrão. A esse valor chama-se mais-valia, mas não se pode ser explicar aqui mais desenvolvidamente.
Esse roubo de tempo de trabalho pode efetuar-se de duas maneiras: aumentando o tempo de trabalho ou aumentando a sua produtividade. O aumento da produtividade não depende do trabalhador mas do patrão, pois consiste na introdução de técnicas mais avançadas o que só o patrão pode fazer, uma vez que o capital lhe pertence e não ao trabalhador.
O aumento do tempo de trabalho não aumenta a produtividade (produtividade é a quantidade de mercadorias produzida numa unidade de tempo), mas apenas a quantidade de mercadorias produzidas. É a escapatória de uma parte da burguesia atrasada que não tem capital suficiente para introduzir novas tecnologias e precisa de competir com os outros capitalistas no mercado. É a forma mais primária e antiquada de aumentar a quantidade de mercadorias produzidas. É essa a razão das medidas que visam o aumento do horário de trabalho. A concorrência com as outras empresas do mesmo ramo é feita com o aumento do tempo de trabalho.
Outra parte da burguesia tem capital para introduzir novas tecnologias mais produtivas. Vai então precisar de menos trabalhadores e vai querer despedir o mais facilmente possível, com o mínimo de despesas.
Todas elas beneficiam com alongamento da jornada de trabalho e a precaridade do vínculo de trabalho, mesmo aquelas tecnologicamente mais desenvolvidas: é mais fácil despedir um contratado a prazo, é melhor dispor de maior quantidade de trabalho.
É claro para toda a gente que é uma rotunda mentira dizer que as medidas do pacote laboral permitem a melhoria dos salários, elas têm exatamente o efeito contrário.
5. A importância da organização sindical e do direito à greve
Muitos sindicalistas e políticos, a comunicação social, a ideologia dominante, têm feito passar a ideia de que ‘exploração’ é apenas o trabalho com salários abaixo do mínimo de subsistência prestado em condições de escravatura e com condições de vida degradantes, como acontece com os imigrantes nos campos agrícolas. Onde quer que haja uma pessoa que vende a sua força de trabalho a troco de um salário, mesmo que seja alto, há exploração: uma parte do tempo do seu trabalho não lhe é paga. É isto o capitalismo: exploração em toda e qualquer relação de compra e venda de força-de-trabalho. Bom seria que o movimento sindical de classe e os partidos que se dizem de classe, explicassem isto aos trabalhadores, cumprindo as normas dos respetivos estatutos. Dizem os estatutos da CGTP-IN que esta se define como uma organização de classe porque combate a “exploração económica do sistema capitalista, na perspetiva histórica da edificação de uma sociedade sem classes”, mas poucas ou nenhumas vezes estes princípios fazem parte do discurso sindical.
Pois a luta de classes, em cujas variadíssimas formas se insere a greve, desde aquela que reivindica “simples” aumentos salariais, passando pela greve política até à greve insurrecional, conduz, em última instância, os trabalhadores à luta contra a exploração capitalista e pela edificação de uma sociedade sem classes.
No sistema capitalista a greve é a mais importante arma dos trabalhadores. É o momento em que dizem ao patrão «não lhe vendo a minha força de trabalho». Sem trabalho assalariado o capital não vive. Com greves, o capital soma prejuízos. Declarar greve é pior para o patrão do que mostrar o crucifixo ao vampiro. Nos primórdios da existência da classe operária, mesmo ainda sem sindicatos organizados, esta arma foi a primeira que encontraram. A concentração de trabalhadores em grandes fábricas veio dar-lhes o poder da organização e a compreensão da necessidade absoluta de unidade.
Em junho de 1848 estala em França uma revolução operária prontamente esmagada pelo exército burguês. As lutas travaram-se em Paris atrás das inúmeras barricadas erguidas pelos operários na cidade que urbanisticamente ainda estava marcada pelas estruturas medievais com ruelas estreitas e insalubres. Em 1852, sob o Império de Napoleão III, o barão Haussman inicia um vasto projeto de modernização da cidade, dotando-a das avenidas amplas que hoje existem. Uma dos principais razões dessa modernização e do tipo de urbanismo escolhido, foi precisamente criar condições para dificultar a construção de barricadas e facilitar os movimentos repressivos das tropas.
No século XX e no século XXI a burguesia compreendeu o perigo das grandes fábricas onde o proletariado se organizava e evoluía politicamente. Para além de procurar na Ásia, no norte de África e lugares mais atrasados da Europa mão-de-obra mais barata, a desindustrialização dos países capitalistas ocidentais dá-se também para acabar com esses antros de comunismo que eram as grandes fábricas, tal como as largas avenidas parisienses substituíram as ruelas medievais. Só para ilustrar com alguns exemplos nacionais de desindustrialização, podemos relembrar o encerramento da Sorefame, da Mague, da Quimigal, da Lisnave que não foram transferidas, apenas pura e simplesmente encerradas, como ordenou o grande capital europeu.
Há já muitos anos que os institutos de engenharia social da burguesia começaram a matutar nas maneiras de contornar o perigo que para ela constituem os grandes locais de trabalho com muitos trabalhadores que, pela sua natureza, não é possível transferir para a Ásia. Todas as opções de gestão se conformam à tática eterna, válida para todos os campos, todas as épocas e situações, da fragmentação ou do dividir para reinar.
Como se sabe, com o 25 de abril foram nacionalizados os principais meios de produção em Portugal. Na contrarrevolução política os trabalhadores do setor de transportes fizeram muitas greves para se defenderem da ofensiva que sobre eles se abateu. O país todo paralisava. Remédio: reprivatização das empresas, cisão de partes das empresas e entrega de serviços a outras empresas exteriores. A antiga e nacionalizada Rodoviária Nacional foi dividida em dezenas de empresas privadas. À CP o mesmo aconteceu. Na TAP, foi separado e entregue a privados o serviço de manuseamento de bagagens (handling) e as lojas francas do aeroporto. As oficinas da Carris foram encerradas e entregou-se a manutenção das viaturas a privados. Etc.
Em simultâneo, o capital investiu na criação de sindicatos paralelos pela mão da UGT, em sindicatos de empresa ou de grupos profissionais (sindicato dos maquinistas, sindicato dos motoristas... também um “etc.” muito grande ), quando um dos grandes trunfos para o êxito da CGTP como central de classe dos trabalhadores portugueses, e pode dizer-se grande conquista do 25 de abril, foi a verticalização sindical. Em cada empresa havia um único sindicato que representava todos os trabalhadores, do auxiliar ao mais especializado, do serralheiro ao empregado de escritório. Obviamente só os interesses de classe, logo, comuns a todos, prevaleciam, independentemente da opção partidária ou ideológica de cada um. Isto era um poderoso fator de unidade, mas a burguesia e o divisionismo trataram de o destruir na maior parte dos casos.
Anteriormente, quando existiam ainda muitos direitos hoje perdidos, os trabalhadores tinham um contrato de trabalho coletivo, faziam greve como um todo, trabalhavam com o vínculo permanente a uma única empresa. Compare-se por exemplo as condições em que se realizou a greve geral de 1982 com aquelas em que se realizou esta última. Estes factos são mais uma demonstração do seu êxito e significado. As dificuldades com que se deparam os trabalhadores do setor privado para fazerem a última greve geral foram muito maiores, desde logo os trabalhadores precários. Em 82 houve a dificuldade adicional de combater os fura-greves e os jagunços da UGT que atuaram como tropa de choque do governo de Cavaco Silva, alguns empunhando armas, outros trucidando membros dos piquetes de greve atirando contra eles comboios e autocarros.
O outsourcing é hoje prática corrente nas grandes empresas. Pasme-se que os maquinistas do metro do Porto são funcionários de uma empresa privada ligada ao grupo Barraqueiro e o serviço do SNS 24 é da responsabilidade da Altice! Os trabalhadores de empresas como a EDP ou a referida Altice, de bancos ou outras com atendimento telefónico, têm vínculo com a Teleperformance ou a Randstaad ou qualquer outro grande intermediário no mercado de trabalho; a limpeza e vigilância é adjudicada a empresas do ramo, independentemente de trabalharem para um hospital ou um supermercado.
Sublinhe-se uma vez mais que a precarização e este tipo de organização do trabalho e de vínculos laborais têm sobretudo o objetivo de dificultar a organização, a unidade e a tomada de consciência de classe dos trabalhadores.
Só por curiosidade, vejamos algumas informações encontradas pelo chatGPT: em 2024 existiam 240 empresas autorizadas de trabalho temporário. Em 2023 cederam 106 155 trabalhadores. Em 2024 faturaram 1,975 mil milhões de euros e o crescimento entre 2022 e 2023 foi de +8,3%.
Uma última palavra para nos referirmos à parte ideológica da intervenção do patronato. A principal linha ideológica dessa intervenção da burguesia para impedir a formação da consciência de classe é inculcar a ideia de que não há antagonismo entre trabalho e capital, ou, simplesmente, antagonismo entre patrão e trabalhador, que os seus interesses se unem no êxito da empresa, que a empresa é um terreno comum. Há muitas técnicas de gestão de pessoal para procurar alcançar este objetivo. Talvez a ideia mais chocante e a que mais sintetiza o que atrás foi dito sobre esta vertente ideológica da luta de classes seja a substituição do nome de trabalhador por ‘colaborador’. De qualquer modo, estes factos só revelam que o maior medo do patronato é a organização, a unidade e a consciência de classe dos trabalhadores.
6. O oportunismo pós-greve geral
Uma das manifestações da gravidade do que está em jogo com o pacote laboral mas, sobretudo, do descontentamento e preocupação existentes entre as massas de trabalhadores foi, desde logo, a posição do PS e o facto de a UGT ter declarado também greve geral. É óbvio que quiseram fazer-se passar por amigos dos trabalhadores e nem refletiram muito sobre o assunto, estando à porta as eleições presidenciais. Impossível que foi voltar atrás com a marcação da greve, logo governo, PS e UGT remeteram a resolução do problema para depois, no quadro da “Concertação Social”.
Nos dias imediatos à realização da greve, o secretário-geral do PS tornou-se muito mais assertivo na condenação das intenções do governo e chegou-se até ao ponto de o Chega dizer que votaria contra o pacote na assembleia da República e que era a direita quem, afinal, defendia os direitos dos trabalhadores.
A srª maria do rosário logo se apressou a marcar reunião com a UGT com a fundada esperança de poder vir a entender-se com ela.
Com eleições à porta, nenhum partido da burguesia se atreve a dizer que atitude vai tomar em relação ao pacote laboral, que tatiticismo usará e que jogo de cintura fará para não descontentar o patronato e não correr o risco de perder a face perante os trabalhadores e, com isso, votos.
7. Os perigos que se colocam
A greve geral foi um primeiro passo nesta luta muito dura. O governo vai iniciar negociações com a UGT, ao que parece, no âmbito da “concertação social” em volta de cuja mesa os patrões também se sentam.
A “concertação social” é uma mistificação e uma mentira que visam convencer as massas de que é possível existir um “equilíbrio” entre patrões e trabalhadores. Não é possível “conciliar” os interesses do patronato e dos trabalhadores, já que os lucros são inversamente proporcionais aos salários. Existe uma contradição insuperável entre trabalho e capital, que não se resolve de nenhum modo a não ser pela destruição do modo de produção capitalista. Face à crise que se aproxima (despesas da “guerra contra os russos”, atrasos no avanço tecnológico particularmente em Portugal em que os capitais são demasiado pequenos em comparação com os monopólios estrangeiros), a burguesia necessita de concentrar e avolumar capitais e é aos salários (nenhum valor se cria de outro modo) que os vai buscar.
Na mesa da “concertação” os sindicatos não têm poder, porque as questões dos salários e direitos, das relações entre patronato e trabalhadores, não se resolvem com conversa e argumentos, resolvem-se pela força. Os sindicatos só têm poder nas mesas de negociação se tiverem a força da luta dos trabalhadores por trás. Toda a gente sabe isso, quando só as greves levam o patronato a fazer algumas concessões.
Nessa mesa em que supostamente três partes se sentam, sem a força da luta, a relação de forças é de 1 para 2, porque o governo não arbitra, conta para o lado do patronato. Assinar acordos de “concertação” fora de um quadro de luta, é assinar cedências. É o que tem feito a UGT ao longo de todos estes anos e é o que vai fazer com o “pacote laboral”.
Toda a gente sabe também que na relação patrão-trabalhador o primeiro é todo-poderoso. É ele que é o proprietário da fábrica, do hipermercado, do banco, em suma, do capital e de todos os meios de produção. O trabalhador só tem a força dos seus braços e a sua mente (aliás, cada vez mais utilizada dado o nível do progresso tecnológico). Só a massa dos trabalhadores quando unida, organizada e dirigida contra a exploração pode vergar o seu inimigo de classe. Qualquer trabalhador que faça uma greve tem consciência disto e conhece o bê-á-bá da luta de classes.
Como já foi dito, o pacote laboral do II governo de Montenegro é o caderno reivindicativo patronal para a atual fase económica do capitalismo. Logo, só está em causa a retirada de direitos. Não há nada para a troca. Os sindicatos só podem escolher, por exemplo, entre aceitar despedimentos sem justa causa por troca com a obrigação de trabalho noturno para pais com filhos menores de 12 anos. Que espécie de sindicato faz isto? É o que se pode esperar da UGT. Qualquer acordo assinado na “concertação social” em nome dos trabalhadores será uma traição.
O governo vai deixando nas entrelinhas que pode ceder nalguma coisa, como nas horas da amamentação (aliás, a questão foi lançada como isco negocial no início do processo; e quantas trabalhadoras estão em condições de usufruir deste direito, por comparação com os milhões afetados pelo conjunto das medidas?) É uma bela coisa para o patronato “ceder”. Uma pechincha.
A greve geral de 11 de dezembro serviu para exibir ao patronato, ao governo e aos partidos burgueses os mísseis de longo alcance que os trabalhadores possuem. Foi um aviso e um importantíssimo fator para pôr o patronato em guarda. Mas a luta não vai acabar aqui. É mais do que provável que novas greves gerais venham a ser necessárias face à dimensão do ataque.
Além disso, o governo pretende apresentar ao parlamento o conjunto da legislação depois do carimbo aposto na “concertação social” para ter mais força. O Chega já disse que não o aprovará se o pacote for apresentado “tal como está”, o que quer dizer que se uma vírgula for retirada o aprovarão. A demagogia do costume.
O PS diz que não aprova, mas vai remetendo também para o resultado da concertação social. Se a UGT assinar será quase impossível ao PS votar contra. Portanto, a luta vai ter de condicionar a montante todas estas manobras. Só ela pode tirar terreno à UGT na concertação social e ao PS na Assembleia da República.
Portanto, a palavra de ordem tem de ser esta: O PACOTE LABORAL NÃO PASSARÁ!
8. Algumas questões ideológicas pertinentes
A comunicação social burguesa, os partidos da burguesia, o Presidente da República, os membros do governo, todos eles usam e abusam do conceitos de ‘equilíbrio’ agora a respeito do pacote laboral, noutras ocasiões a respeito de outras matérias que envolvem o conflito insolúvel patrão/trabalhador ou capital/trabalho.
No caso concreto, haver “equilíbrio” significa mais ou menos isto: “Vêm aí tempos difíceis, temos de distribuir o mal pelas aldeias. Os trabalhadores devem aceitar perder alguma coisa porque para os patrões a vida também não está fácil”. Não pode haver uma repartição “equitativa” das “dificuldades” porque, em primeiro lugar, o patrão não trabalha, os outros trabalham para ele; o patrão fica com o lucro e o trabalhador recebe um salário de miséria; o patrão é o proprietário dos meios de produção e os trabalhadores não possuem nada: se não trabalharem não comem; o lucro do patrão é um roubo de tempo de trabalho não pago – a mais-valia; o patrão é o beneficiário geral da política dos governos burgueses (o capital paga menos de IRC do que os trabalhadores de IRS ou de IVA; os grandes bancos e monopólios como a EDP têm milhares de milhões de euros em lucro e são menos taxados que os trabalhadores); a burguesia tem o Estado para impor a sua ordem.
Outro conceito muito querido daqueles que atrás referimos é a “paz social”. A paz social significa que os trabalhadores ou as camadas pobres da população não protestam e não atuam social e politicamente. É um grande desejo dos exploradores e do seu Estado. É o “comer e calar”. Quanto mais luta de classes houver, mais os explorados beneficiam.
Depois há os que dizem que o governo “vive numa bolha” e não conhece os problemas de quem trabalha. Parece que se o governo os conhecesse agiria de outra forma. Não, o governo não “vive numa bolha” e sabe muito bem o que está a fazer e fá-lo intencionalmente para servir os interesses dos exploradores. Usar ou propagar esta ideia é enganar os trabalhadores.
Nenhum trabalhador deve apelar às classes dominantes e às suas estruturas estatais a que “olhem para nós”. Os trabalhadores não mendigam um pão duro, arrancam concessões pela luta e pela luta hão-de acabar com os exploradores e a exploração, são a classe dirigente do futuro.
Quanto ao pacote laboral, não se pode apenas rejeitá-lo. Rejeitar é só dizer que não se gosta ou não se quer, não é uma ação. Todos os trabalhadores rejeitam o pacote laboral. Do que se trata é de impedir que ele se concretize. O que é necessário é que se congregue e manifeste a força suficiente para travar o pacote laboral e essa é a luta da classe trabalhadora, unida e organizada, assumindo várias formas, das quais a mais avançada e eficaz é a greve neste momento. Não haja ilusões de que a grande greve de 11 de dezembro foi suficiente.
É preciso agir de acordo com a palavra de ordem O PACOTE LABORAL NÃO PASSARÁ!

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