O Governo do PS não admite que se lhe diga que está a fazer uma política de austeridade. Nada de mais falso, diz ele, política de austeridade faziam os governos de Cavaco e de Passos Coelho, nós não deixamos ninguém ficar para trás, temos preocupações sociais, ajudamos os mais fracos e desfavorecidos, etc., etc., aquilo que se sabe.
A crise de 2008 e a “troika”
Em 2008 rebentou a crise financeira capitalista mundial. As economias ficaram afetadas por ela, sem obviamente ter sido dito que foi o capital financeiro e o capitalismo em geral que a provocou. Melhor, a crise 2008, ou qualquer outra crise que se apresente é o reflexo da crise de morte do sistema capitalista, da agudização das suas contradições.
Nesse ano, o FMI, o BCE e a UE vieram impor a Portugal, “chamados” pelo governo do PS de Sócrates, aquilo que ficou conhecido pela “política de austeridade”. Esses “acordos” para espremer a classe operária, os trabalhadores e o povo português para salvar os banqueiros mundiais foram assinados conjuntamente pelo PS, o PSD e o CDS. As narrativas do capital descreveram a situação como decorrente de os portugueses terem vivido acima das suas possibilidades e a mente colonialista de um governante europeu até chegou a dizer que os portugueses tinham gastado o seu dinheiro em “divertimentos”. Todos nos recordamos disto com os dentes a rangerem.
Esses anos da “troika”, marcaram a ferro e fogo os trabalhadores e o povo com cortes nos salários e pensões, destruição de direitos, entre eles a contratação coletiva, o incentivo à precaridade, a privatização de importantes empresas de interesse nacional, entre elas a TAP e a ANA-EP que estão hoje no olho do furacão por diferentes e contrárias razões.
A “crise” foi então usada como argumento para justificar o aumento da exploração dos trabalhadores e o agravamento das condições de vida do povo.
A pandemia
Seguiu-se a crise causada pela pandemia de Covid. Confinamento, empresas encerradas, trabalho remoto, cortes nos salários, despedimentos, desregulação dos horários de trabalho, trabalhadores precários, a falsos recibos verdes, todo o setor da cultura em casa sem trabalhar nem ganhar, a fome que muitos trabalhadores enfrentaram... também nos lembramos disso.
Entretanto, houve algumas ilusões políticas quanto à política do governo PS. Houve a mitigação de algumas dificuldades, sem no entanto entrar na raiz dos problemas: os baixos salários, a debilidade dos direitos, o atraso económico do país, a sua dependência das grandes potências europeias e mundiais. E sobretudo, a manutenção de duas linhas políticas, que o PS quis esconder passando sobre elas como gato sobre brasas e a que outros “fecharam os olhos”. Essas linhas políticas constituíam o cerne dos problemas mais imediatos dos trabalhadores e do povo: a não alteração das leis laborais gravosas e a política das “contas certas”, significando isso o ressarcimento do capital bancário pelo dinheiro que emprestou a Portugal e os respetivos juros, colocado à frente das dificuldades do povo. Muitas verbas ficaram inscritas no Orçamento de Estado, mas não foram aplicadas, ficando o dinheiro “cativo” no Ministério das Finanças. Também nos lembramos disso.
A acompanhar a política, desenvolveu-se uma linha ideológica, que continua a manter-se, assente em apresentar medidas ditas sociais irrisórias e apresentá-las como grandes problemas resolvidos. Um subsídio aqui, um subsídio ali, taxas reduzidas da energia doméstica, mais uns dias concedidos aos pais para tomarem conta de filhos doentes…mais uns dinheiros para o setor social – leia-se, fundamentalmente Igreja - o voluntariado, os Bancos Alimentares, etc. Não que essas medidas não tenham aliviado de forma superficial o sofrimento de muitas famílias de trabalhadores, mas a solução dos problemas mais imediatos para os trabalhadores sem recurso aos subsídios e à caridade, continuou a não ser vista: aumento geral dos salários e pensões, revogação das normas gravosas da legislação do trabalho, isto é obrigar o patronato a negociar contratos coletivos de trabalho. Desta “simples” medida decorreria um aumento de salários e o reforço do combate à precaridade e pelos direitos na medida da força dos trabalhadores para imporem as suas reivindicações.
Hoje está claro que a esmagadora maioria dessas medidas positivas que, afinal, só envolviam verbas muito pouco importantes do Orçamento de Estado com as quais o PS poderia fazer boa figura sem comprometer os eixos fundamentais da sua política, ficou submersa na onda dos aumentos dos preços e da inflação.
Lembramo-nos disto.
A guerra na Ucrânia
Ainda a pandemia por acabar, eis que nos entra em casa a propaganda da guerra imperialista dos EUA contra a Rússia com o seu cortejo de horrores ampliados até ao infinito, imagens falsas de guerras de outras paragens, cadáveres encenados, apesar de uma guerra ser sempre uma guerra em que milhares ou milhões de seres humanos perdem a vida. Com esta guerra perdem os trabalhadores ucranianos, os russos e todos trabalhadores e povos no planeta. Esta guerra serve apenas o capital e o imperialismo.
Por causa da guerra, ou a pretexto da guerra, sobem os preços da energia, das matérias-primas, dos bens de primeira necessidade, as taxas de juro, a inflação. Porém, os monopólios beneficiam com a guerra, como antes beneficiaram com a pandemia, fazem lucros fabulosos com ela na área da energia, na indústria militar, na finança, no digital, no grande comércio. As empresas altamente lucrativas não se envergonham de distribuir altos dividendos entre os acionistas e administrações, mesmo durante o período de “crise”, nem têm pudor de apresentar os aumentos dos lucros conseguidos diretamente com a guerra.
Entre os trabalhadores e as suas famílias começa a entrar a fome onde antes se vivia já com grande esforço. Os problemas que afetam os trabalhadores são muito semelhantes em todo o mundo capitalista ocidental. Os trabalhadores franceses, ingleses, italianos, gregos e outros vivem uma situação semelhante à dos portugueses. Conhecemos melhor os problemas do nosso país, mas não podemos pensar que estamos sós. De resto, a “informação” que todos os dias nos é imposta esconde esta realidade, porque obviamente não lhe convém. O internacionalismo proletário é uma arma demasiado poderosa para o capital.
As despesas com a destruição da Ucrânia para conter a Rússia e a China, as despesas da reconstrução da Ucrânia – que o FMI há algum tempo previa orçarem em 600 mil milhões de euros e agora serão muito mais - as despesas militares atuais com a guerra e todas as que vão surgir a pretexto dela, como o reforço da NATO, assim como todas as que decorrem da insanidade imperialista de conflitos futuros que podemos ter a certeza irem surgir, vão ser os trabalhadores e os povos a pagá-las para salvação do lucro capitalista. Não se pode dourar a pílula. Mas também sabemos isto.
No nosso país
A realidade portuguesa é semelhante à realidade vivida pelos demais trabalhadores dos países do capitalismo ocidental. Os traços que mais marcam esta realidade são os baixos salários, a precaridade, a pobreza, a perda do poder de compra dos salários e a degradação dos serviços públicos por falta de meios e de pessoal, situação imposta pela exigência de “contas certas” com o capital financeiro, que o governo PS cumpre cheio de satisfação. Também sabemos isto desde os tempos do governo do PSD/Passos Coelho e da troika, só para falar em momentos históricos mais próximos.
O problema dos salários no setor público é tão grave que, abrindo concursos para admissão de pessoal de saúde nos hospitais e centros de saúde, ou das forças de segurança, ou do INEM, para citarmos apenas alguns exemplos, que não se encontram trabalhadores para preencher essas vagas. Todos os dias a comunicação social fala destas inúmeras situações. E o governo do PS finge que toma medidas, sem resolver um único problema em conformidade com as necessidades do povo e dos trabalhadores.
O boletim de junho do Banco de Portugal prevê uma acentuada desaceleração do crescimento da economia ao longo deste ano.
A inflação homóloga em maio aumentou 8,2%, os produtos alimentares 12,5%, a habitação 13,7%1
Dados do INE dizem que o salário médio líquido praticado na economia subiu 4,3% no primeiro trimestre, para 1024 euros, mas a inflação homóloga média do primeiro trimestre já tinha comido todo esse ganho já que os preços avançaram, em média, 4,3% nesse mesmo período comparativamente ao primeiro trimestre de 2021. A perda de poder de compra dos salários alastra, podendo superar os 80% do universo de empregados por conta de outrem1.
A inflação homóloga em dezembro estará em 11,9%. O aumento dos preços entre 2009 e 2022 será de 22,9%. Os salários da Administração Pública aumentaram 0,9%. A remuneração bruta base dos salários no setor privado subiu 1,6%. A pensão média de velhice da Segurança Social é de 471 Euros e foi aumentada em 0,26%, corresponde a mais de 3 milhões de pensionistas. O salário médio aproxima-se do salário mínimo. Dois milhões de portugueses vivem no limiar da pobreza. 1,737 milhões de portugueses têm contratos a prazo, não têm qualquer contrato ou estão no desemprego. Apenas 40 em cada 100 desempregados recebem subsídio de desemprego2.
A realidade é bem amarga para milhões de trabalhadores: são as preocupações com o aumento da prestação a pagar ao banco, o aumento dos bens de primeira necessidade, a conta do supermercado quando se traz para casa cada vez menos produtos, o aumento do preço dos combustíveis, a precaridade laboral, a intensidade e os ritmos de trabalho, os horários a complicar a vida familiar, o acompanhamento aos filhos, o descanso do trabalhador, a incerteza quanto ao futuro.
Desta vez a culpa é da guerra na Ucrânia, como o foi a pandemia, como o foi a crise de 2008. Mas a GALP lucra 420 milhões de euros só no primeiro semestre de 2022; o BCP 74,5 milhões no mesmo período, 500 vezes mais do que em período homólogo; o grupo Jerónimo Martins 463 milhões em 2021 tendo aumentado 48,3% ; a EDP “recua” para 306 milhões no primeiro semestre deste ano; o Banco Santander 241,3%, aumentando o triplo do período homólogo; a CGD obtém 468 milhões, no mesmo semestre, dos quais 300 milhões se referem a comissões bancárias (!)
Todos os gestores destes grupos afirmam que os lucros não caíram do céu, pelo que não são lucros inesperados. Bulgária, Roménia, Itália e Espanha, já começaram a taxar estes lucros. O governo do PS não quer nem consegue impor esta medida.
As maiores empresas energéticas mundiais: a TotalEnergies, no 1º trimestre do ano, arrecadou de lucro 4 944 milhões, tendo “descido” 15% “por causa da guerra da Ucrânia”; a Shell apresentou 24 603 milhões de euros no primeiro semestre, aumentando 176,8% em relação ao período homólogo. Palavras para quê?
Os milhares de milhões do PRR vão para grandes consórcios que se servem deste capital para crescer mais e lucrar mais à conta das dificuldades e da exploração de quem trabalha, continuando a deixar Portugal cada vez mais dependente.
A situação mundial está a entrar em mais um momento crítico da crise capitalista irrecuperável, numa altura em que novas potências emergem e a velha potência norte-americana e os seus aliados ocidentais declinam. O militarismo e a guerra surgem como reais ameaças a cada passo. Hoje é a Ucrânia, amanhã será outra qualquer guerra.
Perspetivar o socialismo
É preciso dizer aos trabalhadores que esta situação não tem retorno nem solução. A única saída para os trabalhadores e os povos é eliminar o modo de produção capitalista. Estão criadas as condições objetivas para o fazer, já que vivemos na época da transição do capitalismo para o socialismo, tal como no século século XVIII se estava na transição do feudalismo para o capitalismo. Agora não se pode caminhar para qualquer outro modo de produção que não seja o socialista. Com a socialização da produção, o capitalismo tornou-se o último modo de produção em que existem classes antagónicas, em que existe a contradição final entre produção social e apropriação privada dos meios de produção, entre trabalho e capital.
Os trabalhadores e os povos irão de guerra em guerra, de crise em crise, de austeridade em austeridade. É necessário abrir as verdadeiras perspetivas do futuro para que o proletariado não veja apenas o muro capitalista diante dos olhos tolhendo os horizontes e possa seguir o seu caminho libertador da humanidade.
O que aqui se afirma está muito longe das mentes das massas trabalhadoras. As condições subjetivas para que as massas lutem pelo fim da exploração capitalista estão muito longe de estarem criadas. Espantosamente, no início do século XX esta não era situação. Amadureciam as condições subjetivas para a passagem ao socialismo, de tal modo que foi possível realizar-se uma revolução proletária na Rússia e em perspetiva outra revolução proletária na Alemanha, traída pela socialdemocracia.
As dificuldades da tarefa de preparar as condições subjetivas para a passagem ao socialismo são incomensuráveis. Tem de se banir o oportunismo do movimento operário, têm de se criar verdadeiros partidos de classe em muitos países, tem de se unir e organizar os trabalhadores em torno do sindicalismo de classe varrendo o sindicalismo amarelo, tem de se lhes levar a ideologia do socialismo científico.
Olhando para a realidade portuguesa, para a situação organizativa e ideológica em que se encontram os trabalhadores, para a regressão produzida pela contrarrevolução iniciada em 25 de novembro de 1975 (!) fica-se com a noção da dimensão daquilo que é preciso fazer. Mas, parafraseando Lenine, na história há décadas em que nada acontece e há semanas em que décadas acontecem.
Os trabalhadores de todo o mundo, incluindo os trabalhadores portugueses, há bem mais de um século, dispõem de um sistema de ideias de natureza científica para orientar o cumprimento da sua missão histórica. Dispõem também da experiência do Movimento Comunista, incluindo a derrota da primeira experiência histórica da construção do socialismo que durou 70 anos; da experiência do 25 de abril sobre a qual falta ainda refletir muito. A história não andou para trás. Processos que aparentemente se repetem resultam da perspetiva dada pela espiral do desenvolvimento dialético. Ciclos renovam-se sempre numa base mais elevada.
É preciso levar estas reflexões às massas. Os que sorrirem condescendentemente desta afirmação manifestam a sua completa ignorância e situam-se no campo oposto ao do proletariado.
A «bandeira comunista» «subirá sempre mais alto» queiram ou não a burguesia e os seus apêndices pequeno-burgueses.
1 https://www.dinheirovivo.pt/economia/dois-tercos-dos-trabalhadores-ja-estarao-a-perder-poder-de-compra-14848245.html
2 https://www.eugeniorosa.com/shared/docs/2022/06/27-2022-expulsao-mercado-trabalho.pdf
3 https://www.eugeniorosa.com/shared/docs/2022/07/31-2022-UE-remuneracoes-funcao-publica.pdf
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