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A ‘CRISE’, OS SECRETÁRIOS-GERAIS E OS MÉTODOS


As responsabilidades do PS


O povo português, os povos europeus e de todo o mundo estão a atravessar uma conjuntura em que o capital volta ao ataque por todas as vias possíveis, aperta o cerco em volta dos que vivem do seu trabalho – chamemos-lhe proletariado de seu nome científico – e dos pequenos produtores seja na agricultura, seja no comércio, nos serviços e na pequena indústria.


Não é preciso ser de “esquerda” para constatar esta realidade. Todos os dias a comunicação social do capital vai dando conta do que está a acontecer com a inflação, os salários, as pensões, as prestações da casa, enquanto, do outro lado, os lucros das grandes empresas e dos bancos crescem a um nível obsceno. Com a maior desfaçatez e hipocrisia o PSD, o próprio partido fascista Chega e a reacionária IL, criticam o PS pela “esquerda” muito preocupados com os trabalhadores e os pensionistas, quando, estando eles no governo fizeram, fazem e farão a mesmíssima coisa. Se há conclusão que se possa retirar desta “democracia” em que vivemos é que, em maior ou menor medida, com mais ou menos violência de classe, mais ou menos escondida ou exposta, todos esses partidos servem os interesses do capital contra os trabalhadores e o povo. Mas o PS, que agora está no poder, é a verdadeira vanguarda da defesa dos interesses do grande capital e da opressão capitalista do povo.


Vale a pena relembrar uma vez mais que foi no tempo do governo PS/Sócrates que a troika foi chamada e que os “acordos” com a UE, o FMI e o BCE foram assinados pelo PS, o PSD e o CDS quando ainda estava vivo. E já que apelamos à memória, também vale lembrar que foi o PS que iniciou a destruição das grandes conquistas do 25 de abril: que destruiu a Reforma Agrária, que privatizou as grandes empresas de interesse nacional, que destruiu toda a indústria produtiva, que deu cabo o mais que pôde dos direitos dos trabalhadores, que fundou a UGT em conluio com os outros partidos de direita.


Quando, em 2024, se comemorarem os 50 anos do 25 de Abril, teremos também de lembrar os 49 anos de contrarrevolução iniciada pelo PS em colaboração com o “amigo americano” e em estreita aliança com a burguesia nacional e com os seus partidos, que abriu o caminho para o país se encontrar no seu estado atual. E que foi o secretário-geral do PS, Mário Soares, que rubricou o vergonhoso tratado de adesão de Portugal à CEE, mentindo aos portugueses, que liquidou a economia produtiva do país, deixando-o à mercê do grande capital financeiro.




O capital ao ataque


É necessário denunciar junto dos portugueses que trabalham, dos que não trabalham por não terem emprego, dos pensionistas, dos jovens, das famílias que estão em desespero por não saberem como pagar as contas e dar de comer aos filhos, as causas do seu profundo sofrimento e abrir-lhes as perspetivas do que é necessário ser feito para se libertarem da sua situação de escravos do capital que já não ganham para comer e já não conseguem trabalhar mais horas sem cair por exaustão.


Estes gravíssimos problemas não afetam só os trabalhadores portugueses. A pobreza está a desabar sobre os trabalhadores, franceses, ingleses, alemães, espanhóis, italianos, gregos, só para falar nos que nos são mais próximos. Vimos recentemente as grandes manifestações em Inglaterra e em França contra o aumento do custo de vida e muitas outra estarão a decorrer pela Europa sem que a comunicação social disso dê conhecimento.


Mas o grande capital, que alguns não imaginam o que seja e confundem com a burguesia nacional portuguesa, - que é uma pulga no elefante do capital financeiro - nunca esteve tão próspero, arrecadou tantos lucros, adquiriu tanto poder. Mencionamos apenas as empresas de energia, a banca – setores económicos que dominam sobre quase todos os outros – as empresas farmacêuticas, os grandes potentados das comunicações, a distribuição alimentar, etc.


Justificam a inflação e o aumento de preços, agora, - já foi justificado pela “crise” financeira de 2008 e pela pandemia – com a guerra da Ucrânia. Nos primeiros meses da guerra a Rússia continuava a enviar o seu gás para a Europa. A “crise” energética foi criada por especuladores. Não foi a Rússia que deixou de fornecer gás natural, foram as instituições da UE que provocaram essa escassez à conta das sanções contra a Rússia e o seu gás; não são os russos que sabotam os gasodutos; não foram os russos que impediram a entrada em funcionamento do NordStream 2. Não são os russos que querem vender gás de xisto, são os americanos, e são eles também que saem a ganhar com os altos preços a que a Alemanha tem de adquirir a energia para saírem a ganhar na concorrência com o polo imperialista europeu e dominarem economicamente a Europa.


Não são os povos que ganham com a guerra, é o complexo militar-industrial americano e as indústrias militares europeia, mormente a alemã e a francesa. E são também estes que ganham inimagináveis lucros com o aumento do potencial militar da NATO.


O grande capital financeiro especulativo, ganha dinheiro em todas as frentes. Ganha com o aumento do preço dos combustíveis fósseis, mas ganha também com as energias renováveis, e serão os povos europeus que vão passar frio e necessidades no inverno e a fome alastrará em África e em muitos países da Ásia. Isto é o reacionarismo insuportável e a podridão do capitalismo a confirmarem a inadiável necessidade de passar a um novo modo de produção que liberte as forças produtivas para a satisfação das necessidades da humanidade, aprisionadas agora nas correntes do lucro capitalista.


Compreender o papel de Portugal e as repercussões da crise no nosso país


Não há coragem para levar o povo a exigir a saída de Portugal da UE, e já agora da NATO. Obviamente esses objetivos estão longe de poder ser alcançados, mas é necessária uma linha política que não existe, firme, consequente, que ganhe a consciência dos trabalhadores para o reconhecimento de que a participação de Portugal na UE é um fator não pequeno dos problemas por que está a passar e que desenvolva a consciência de que é necessário acabar com esta aliança imperialista para um desenvolvimento independente e livre das nações europeias sem as imposições imperialistas. Critica-se muito as políticas da UE, mas não se dá o passo correspondente e consequente – acabar com ela através da luta revolucionária unida dos povos europeus.


E, muito para além disto, torna-se necessária a coordenação da luta dos povos europeus, cada um com as suas circunstâncias, com as suas especificidades nos respetivos países, mas unidos pelo objetivo comum de lutar contra as organizações económicas, políticas e militares do imperialismo, a UE e a NATO. Mais do que nunca se torna necessário o reagrupamento das forças comunistas na Europa, e a luta contra o oportunismo que coloca sucessivos entraves ao fortalecimento e coordenação do movimento comunista internacional.


Os trabalhadores portugueses carecem de uma linha interpretativa das políticas capitalistas que o oprimem. Reconhecer a UE como uma aliança imperialista seria o primeiro passo a dar. Não são só os EUA que são uma potência imperialista, existem vários polos imperialistas a concorrer entre si. Neste momento parece que o polo imperialista dos EUA está a conseguir impor os seus ditames à UE que desesperadamente diz querer manter-se unida, mas não consegue, tais as divergências de interesses entre as várias burguesias.


O segundo passo, é reconhecer a lei do desenvolvimento desigual do capitalismo que explica o facto de as maiores potências europeias imporem os seus interesses às nações mais fracas como Portugal. O BCE consegue impor as suas taxas de juro, a banca espanhola, francesa e alemã drena as riquezas produzidas em Portugal para os seus países e paraísos fiscais, liquidam-nos a indústria, a agricultura e as pescas em benefício dos monopólios dos países mais ricos, etc. e Portugal fica de bandeja estendida à espera de uma mísera gorjeta dos turistas ricos.


A UE faz-nos toda a sorte de imposições, cria e aplica as regras do jogo à medida dos seus interesses porque a nossa economia é muito fraca, porque os países ricos enriqueceram à custa de países empobrecidos como Portugal. O capital não cai das nuvens como a chuva, se há um valor/um capital produzido ele não desaparece e tem uma medida, mas para que a parte de leão vá para os mais ricos, os pobres só podem ficar com as migalhas. Foi isto que aconteceu com a entrada de Portugal na CEE pela mão de Mário Soares.

Foi isto o que aconteceu quando o PS com a sua posição contrarrevolucionária impediu o desenvolvimento das forças produtivas que se perspetivava com a nacionalização dos setores fundamentais da economia com o 25 de abril. Politicamente, o PS é o principal responsável pela situação do nosso país Foto e do nosso povo.

O terceiro é reconhecer que, sendo embora um país empobrecido e sugado pelos monopólios, Portugal faz parte do bloco imperialista da UE, dominado, é certo, pelas potências do centro. Portanto, Portugal faz parte deste bloco, é arrastado nas suas medidas económicas, políticas militares, diplomáticas, ajuda os monopólios europeus a exercer o seu domínio e a defender os seus interesses numa posição de dominado e mesmo quando isso é desfavorável para o país. Portugal sofre com as sanções à Rússia com quem fazia bons negócios e é obrigado a gastar milhões com as despesas militares NATO enquanto o povo português passa necessidades.


Daqui se extraem duas conclusões importantes. Primeiro, não se pode esperar nada, em termos de alianças sociais, da burguesia nacional (entendendo-se por burguesia nacional aquela que se senta à mesa da “concertação social” e chamando a atenção para o facto de, por exemplo, a Associação Portuguesa de Bancos, a APD, e a APED, dos grandes hipermercados, não se sentarem àquela mesa: não precisam de “negociar”, fazem o que querem, impõem as suas políticas aos governos), a qual depende inteiramente do capital financeiro e dele precisa para fazer os seus negócios, para obter os seus empréstimos bancários junto da banca nas mãos do capital financeiro internacional. Está a sofrer com o aumento do preço dos fatores de produção, da energia, da inflação, mas apoia a política das “contas certas” porque tem a esperança de que isso fará não aumentar tanto a taxa de juro que têm de pagar pelo capital que pediram emprestado aos bancos. Em suma, a burguesia nacional não pode dar para o peditório da “política patriótica” se é que alguém imaginou isso como possível.


A outra, é que quem efetiva e objetivamente defende o interesse do grande capital monopolista financeiro neste momento é o PS que está a satisfazer todas as suas exigências em termos internacionais com o correspondente reflexo na situação nacional, por exemplo, o elevado preço pago pela energia e o aumento dos preços ao consumidor, a reprivatização da TAP em função dos interesses da Lufthansa e da Air France/KLM, o aumento das despesas militares para servir a NATO, a política das “contas certas” imposta pelo BCE, a recusa de taxar os lucros inesperados, as consequências a cair sobre os ombros dos trabalhadores e o povo, enfim, uma lista interminável de todos conhecida e por todos sentida.


Então por que é nos sentimos politicamente “magoados”?


Jerónimo de Sousa, que não é um político qualquer é o até agora Secretário-Geral do PCP que é suposto representar o sentir dos comunistas e defender e aplicar as deliberações dos seus Congressos, disse há dias sentir uma “mágoa política” pelo PS não ter aceitado continuar a utilizar o PCP para dar cobertura à sua política e enganar o povo sob a forma da chamada “geringonça”.


Pois perante a hecatombe da situação económica e social do país para os trabalhadores, JS veio afirmar que:


A minha maior desilusão foi ver que havia uma excelente oportunidade para resolver algumas questões no plano imediato que se colocavam ao povo e ao país e essa oportunidade foi perdida, na medida em que se isso se tivesse concretizado, Portugal hoje estaria melhor”, disse ele em entrevista à agência Lusa.(1)


Nós não nos sentimos “magoados” mas envergonhados pelas ditas declarações.


Para os que ainda não compreenderam as nossas críticas à linha política do PCP e para os que leem e escrevem discursos e documentos do PCP escondendo muito bem (?) os seus intentos com a flor no chapéu do socialismo e do comunismo e juram pelas almas serem devotos marxistas-leninistas, JS, duma penada, mostra o que esses discursos e documentos dizem nas entrelinhas, o reformismo, o oportunismo que lhes saem por todos os poros.


Se os organismos (in)competentes do PCP decidiram não prolongar o “arranjinho” com o PS lamenta o Secretário-Geral essa decisão? Lamenta JS que a “geringonça” tenha deixado de existir e atribui ao PS a culpa de tal (in)sucesso porque da sua parte desejaria viabilizar… o quê e em troca de quê, na situação atual? Não basta a experiência devastadora da “posição conjunta”? Sendo que, para dançar o tango são necessários dois, o que é que o PS, implicitamente, queria do PCP na “posição conjunta” a troco da viabilização de dois Orçamentos de Estado com o contrapeso das miseráveis “concessões”? Não estava escrito no documento subscrito pelos dois partidos, mas concretizou-se: a “paz social”, sete anos perdidos em termos de consciencialização e organização das massas para a luta!


Que coisas seriam aquelas que no imediato deixariam Portugal (qual Portugal: o dos trabalhadores ou o do patronato?) melhor e passíveis de agradarem a JS? O aumento do salário mínimo para 1 000 euros? O aumento geral dos salários? O aumento geral das pensões? A correção das carreiras de toda a Administração Pública? O fim da precaridade? A admissão de milhares de funcionários públicos para sustentarem os serviços públicos na medida do necessário para satisfazerem as necessidades das populações? A reposição da contratação coletiva? A reposição do princípio do tratamento mais favorável? Então por que não exigiu isso o PCP na “posição conjunta”?


Como a “posição conjunta” não previa (e jamais poderia prever), e a luta de massas durante estes anos não atingiu os patamares que aproximariam a satisfação destas reivindicações, conclui-se que JS se contentaria com muito pouco.


Sem querer fazer a exegese daquela simples mas politicamente complexa afirmação, cabe ainda perguntar onde estão aquelas medidas da “posição conjunta” tão propagandeadas pelo PCP? Já se sumiram na voragem do aumento dos preços, na inflação e no aumento das taxas de juro. Conclusão: sob o capitalismo qualquer concessão, qualquer conquista mesmo arrancada a ferros é sempre provisória. Quando puder, quando a correlação de forças o permitir, logo aparece o capital a reclamar aquilo que diz ser-lhe devido.


As alianças impossíveis


Na sua tática da “política democrática patriótica e de esquerda”, em que se filiam as declarações referidas de J.S, o PCP quer obrigar o PS a fazer uma política de “esquerda” que agrade ao PCP, logo, supõe-se, aos trabalhadores. E dá um benefício da dúvida ao PS ao admitir que ele a podia fazer mas não faz porque não quer e, ao contrário, faz uma política “de direita”. Na tática do PCP a luta de massas e o reforço eleitoral do PCP obrigariam o PS a fazê-la mesmo a contra vontade, a isso se resumindo, mesmo no imediato, o papel do PCP – a obrigar o PS.


Isto é de uma infantilidade que brada aos céus e é um disparate completo à luz do materialismo histórico. Só o poder dos trabalhadores pode fazer políticas exclusivamente a favor da classe. O Partido dos trabalhadores não está cá para obrigar outros a fazer políticas que sejam boas para si. A isto chama-se andar a reboque da burguesia. O partido dos trabalhadores está cá para tirar a burguesia e os seus partidos do poder e exercer ele próprio, em nome deles e com eles a política de classe. É claro que a social-democracia, no nosso caso o PS, não se deixa “obrigar” e pratica políticas a favor da burguesia na medida em que representa totalmente os seus interesses. E depois os analfabetos da luta de classes e da sua ideologia acham que podem obrigar o PS a fazer “política de esquerda” e que é possível uma “maioria de esquerda”.


A maioria de esquerda


O PCP não diz quem vai pôr em prática a política “alternativa e de esquerda”, ou “democrática e patriótica” No quadro político-partidário existente só pode ser encarado como o governo de uma aliança PS-PCP, simplesmente ou apoiada por estes dois partidos, e com “democratas e patriotas” como o PCP gosta de dizer. Ora, esta solução governativa seria, por natureza, de conciliação de classes o que é suicidário para o campo dos trabalhadores. Como é possível a aliança com os representantes do grande capital? Ou o PS não é o representante dos interesses do grande capital?


Quando o PCP diz que o PS faz “política de direita” parece esperar que ele recupere de tal doença, passe a fazer uma “política de esquerda” e se chegue mais ao PCP. Esta elaboração teórica é o correlato, para pior, da “maioria de esquerda” dos anos 70, inícios dos anos 80. Essa maioria nunca se concretizou e não foi por qualquer espírito sectário do PCP. Já passaram quase 50 anos e só um milagre poderia justificar que as mesmas circunstâncias históricas se repetissem. Se na altura se podia admitir que essa tática era correta para desmascarar o PS perante o povo demonstrando que ele se aliava à reação e nada queria com o PCP, hoje o povo português sabe disso há muito tempo, já viveu essa experiência histórica. Essa tática não serve para os dias de hoje (se é que serviu para os dias de ontem).


A “posição conjunta” foi um afloramento dessa “maioria de esquerda” cujo preço foi pago pelos trabalhadores. Já é uma verdade de La Palice que o PS só se aproxima do PCP quando lhe convém e os termos da troca são sempre em seu favor. Como diz o povo “dá um chouriço em troca de um porco”.


O PS é o que sempre foi – um partido burguês, do capital. Haveria vantagem propagandística em classificar o PS como um partido social-democrata, mas desde o 25 de abril que os nomes dos partidos estiveram sempre errados em face dos seus programas e os seus programas eram falsos em relação à sua prática política, à exceção do PCP, para melhor enganarem o povo. Mas, nos outros países, a social-democracia também engana os seus eleitores. Se se classificasse o PS como partido social-democrata, saber-se-ia que, já desde 1914, a social-democracia traiu os trabalhadores e o povo ao apoiar a I Guerra Mundial. Ao longo da história europeia, para não sairmos o nosso continente, e do seu movimento político operário, a social-democracia sempre desempenhou o papel de traidora dos interesses dos trabalhadores. Não serve para aliada do proletariado e do seu partido.


Politicamente, o que se impõe é disputar a massa dos trabalhadores à influência do PS e dos outros partidos da burguesia através da luta e do trabalho ideológico, desmascarar a social-democracia e as outras formas de ideologia burguesa, conquistar os trabalhadores, em unidade, para a luta revolucionária pelo socialismo, organizar, lutar e reivindicar, impor ao governo e ao patronato a satisfação das suas justas exigências, não “obrigar” o PS a fazer uma política que nunca fará nem agora nem nunca, alimentando falsas expectativas aos trabalhadores. A “política alternativa, democrática de esquerda, etc.”, a “democracia avançada” é a manifestação clara de que o PCP pretende caminhar para o socialismo “por etapas”, posicionamento a que se chama oportunismo e reformismo e isso, sim, é uma grande mágoa.


A eleição de um novo Secretário-geral


Surpreendentemente, ou talvez não, porque na semana anterior tinha sido feito um trabalho preparatório do acontecimento junto da comunicação social com entrevistas ao Secretário-Geral cessante, o PCP anuncia a sua substituição que, já há algum tempo, estava em cima da mesa.


Sem comentários em relação ao novo quadro escolhido para a tarefa, abordaremos os princípios e os métodos.


Não há muito tempo, interrogado por jornalistas acerca dessa matéria, Jerónimo referiu um conjunto de nomes que, na sua opinião, tinham condições para assumir tal cargo. Não sendo de estranhar a atitude, a questão que se coloca é saber por que razão atira JS aqueles nomes para a opinião pública. Teria sido mandatado pelo Comité Central? Saberia o C.C. os nomes que estavam a ser considerados nos organismos executivos e seriam aqueles? Mas JS sublinhou que se tratava de uma opinião pessoal e Paulo Raimundo não estava no leque de nomes que ele referiu. Será legítimo interrogarmo-nos se aquela manifestação de opinião se destinava a influenciar por fora a opinião dos únicos que legitimamente podem tomar tal decisão.


Daqui se deve retirar que o até agora Secretário-Geral torna públicas opiniões pessoais à margem da discussão coletiva nos sítios próprios sobre matéria daquela delicadeza, à margem do único organismo que tem a faculdade de eleger o Secretário-geral: o Comité Central, o órgão máximo entre Congressos. E pode fazê-lo em qualquer altura, sem Congressos nem conferências.


Mais. Foi prática, antes até de qualquer nome ser proposto ao C.C. para Secretário-Geral cada um dos seus membros ser individualmente ouvido sobre a matéria - sobre um nome concreto, ou mesmo, havendo mais do que uma hipótese, qual aquela que preferiria. Mais ainda. Mesmo não sendo membros do CC, aqueles camaradas que trabalhavam mais de perto com o(s) camaradas(s) propostos eram chamados a dar a sua opinião. Método altamente salutar, procurando a maior objetividade, o maior rigor na apreciação dos traços políticos, ideológicos e de caráter do nome proposto e a maior unidade interna possível. Isto demonstra a importância e a delicadeza que deve haver no tratamento dessa questão.


O aparecimento público de um conjunto de nomes de camaradas que o membro mais responsável do Partido achava deverem ser considerados para Secretário-Geral, significa deixar cair por terra princípios estatutários e princípios éticos dos comunistas, tendendo a fazer do PCP um partido parecido com os partidos burgueses.


Antes da reunião do CC de 05.11.22 a comunicação social tinha contribuído altamente para a confusão geral acerca da finalidade da conferência, lançando rumores de que ela se destinava à eleição de um novo Secretário-Geral. Muitos militantes confundidos desconheciam que só o Comité Central tem poderes para o fazer, tal como o facto de, nem o CC nem qualquer conferência, terem poderes para alterar a linha política definida pelo Congresso. Alguns pensaram, inclusivamente, que a conferência serviria para alguma modificação na linha política do PCP.


O objetivo da Conferência definido pela reunião do CC de 17 e 18 de setembro é, conforme o respetivo comunicado, «contribuir para a análise da situação nacional e internacional e dos seus desenvolvimentos, centrada na resposta aos problemas do País, nas prioridades de intervenção e reforço do Partido e na afirmação do seu projeto». Em boa verdade, trabalho que poderia ser feito no quadro da atividade geral do Partido, quer na discussão política com as organizações (se houvesse, de cuja ausência os militantes tanto se queixam) quanto à atualização da análise da situação política, e, nos aspetos da reforço organizativo, na linha das orientações do Congresso, iguais às orientações de trabalho que constam no projeto de Resolução da conferência, como, de resto, em todas as resoluções do C.C.


Da prevista eleição do novo Secretário-Geral pelo CC, num dos dias da conferência, não se pode dizer que não acompanha os seus objetivos.


Mas não pode também excluir a interpretação de que a realização da conferência foi pensada para constituir uma certa encenação para o aparecimento do novo Secretário-Geral e proporcionar uma despedida apoteótica do antigo (com aplausos de mais do que os quatro minutos – alguém esteve a olhar para o relógio - que teve lugar na reunião do CC).


A haver movimentações de quadros na sequência da alteração de tarefas que esta modificação comporta, os organismos executivos e o CC teriam toda a legitimidade para o fazer, falando com franqueza aos militantes e às organizações.


Passam, assim, para segundo plano os objetivos pelos quais se disse que a Conferência se realizava e fica menorizado o papel dos seus delegados. Este processo não decorreu com a maior das lisuras. Tirou-se partido do efeito surpresa para a opinião pública, mas não se respeitou a massa dos militantes que deviam de alguma forma ter sido previamente envolvidos e preparados para a decisão, embora, repita-se, só o CC tenha a faculdade de tomar a decisão final.


Neste quadro, adquirem maior pertinência as críticas que tínhamos feito no artigo anterior.


Quanto às perspetivas de alguma correção na linha política do Partido, não se vislumbra que tal venha a acontecer, porque a conferência não foi chamada a refletir sobre as grandes questões políticas que aconteceram nos últimos dois anos, como reafirma, embora sem poderes para alterar a linha definida no Congresso; a “alternativa democrática patriótica e de esquerda” sem qualquer autocrítica; as bondades da “posição conjunta” e os prejuízos que trouxe ao Partido e à luta de massas; os resultados eleitorais; ou o apetrechamento dos militantes com argumentação para sustentar fundamentadamente e sem medo a posição em relação à guerra na Ucrânia que, com algumas lacunas, teve a coragem de ir a contracorrente da ditadura do pensamento dominante imposto pelo imperialismo e os seus tentáculos globais na comunicação social.


Perante isto, o novo Secretário-geral, e não é com satisfação que o dizemos, não vai representar alguma alteração na vida do Partido nem a conferência vai servir para alcançar minim. Porque o Secretário-geral tem de se inserir na linha política do Congresso, nos métodos e estilos de trabalho adulterados do Partido, estar sob a influência dos quadros dos organismos executivos que são os responsáveis pela execução diária da linha política e porque, enquanto quadro, foi formado num ambiente inquinado pelo reformismo e o oportunismo reinantes e pelos seus métodos violadores dos princípios do centralismo democrático de funcionamento. Portanto, não se atribui especial responsabilidade ao novo Secretário-Geral, caso venha a ser eleito, pelo atual estado de coisas no Partido, mas àqueles dirigentes que de há muito vêm alterando no PCP a matriz de um partido revolucionário, verdadeiramente marxista-leninista, um verdadeiro Partido Comunista assente numa história centenária feita pelos melhores filhos e filhas do proletariado português, com o seu sangue e no seu sacrifício.





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