Quando, no plano político-partidário materialista dialético, se fala da existência ou inexistência de “condições objetivas” e “condições subjetivas” geralmente estamos a referir-nos às condições objetivas e subjetivas para a realização da revolução socialista, embora sejam conceitos aplicáveis a qualquer revolução.
Também se pode analisar a existência ou não de condições subjetivas ou objetivas, por exemplo, para a realização de uma greve, numa situação em que há razões que justificam a convocação de uma greve e em que medida os trabalhadores estão dispostos ou não para a realizar.
A discussão sobre a existência de uma ou outra dessas condições pode servir também para contrabandear certas posições político-ideológicas oportunistas.
Falar em condições objetivas e subjetivas para a realização da revolução socialista pressupõe que se queira realizar uma revolução socialista. Não faz sentido ponderar se há condições objetivas ou subjetivas para se alcançar “a democracia avançada”, uma vez que esta é concebida como um processo gradual sem saltos dialéticos, sem revolução, portanto.
A época das revoluções socialistas
A natureza das revoluções é definida pelas contradições que são chamadas a resolver. Lenine, na sua obra Sob uma bandeira alheia periodizou o capitalismo do seguinte modo: a primeira, no período que mediou entre a revolução francesa e a Comuna, era a época das revoluções democrático-burguesas, chamadas a resolver as contradições entre o feudalismo e a burguesia com a tomada do poder político por esta última; a segunda, entre a Comuna e a I Guerra Mundial, é o período da consolidação do domínio da burguesia e do ascenso da organização da classe operária; a terceira, que se inicia com a I Guerra e a transformação do capitalismo em imperialismo é a era das revoluções socialistas para a transição para a sociedade comunista. Em 1917, eclode a primeira revolução socialista vitoriosa da história.
Lenine definiu, pois, a nossa época como a época das revoluções socialistas, isto é as revoluções que vão liquidar o último modo classista de produção, o capitalismo. Nos finais do século XIX, inícios do século XX também eclodiram várias revoluções proletárias na Europa, como na França, Alemanha ou a Hungria, mas só a revolução bolchevique saiu vitoriosa. A prova histórica de que, assim, ao capitalismo só pode suceder o socialismo foi-nos dada por essas revoluções proletárias independentemente do seu sucesso. Não se instituiu nenhum capitalismo de “rosto humano” nem se voltou ao feudalismo. Essas revoluções demonstram que após o capitalismo não surgiu nenhum outro modo de produção que não fosse o socialismo. Na Rússia, foi o socialismo que sucedeu ao capitalismo, destruindo de passagem os restos de relações feudais nos campos, e foi o capitalismo que voltou quando quando o socialismo foi derrotado, provando, assim, que o socialismmo não é irreversível.
A derrota do sistema socialista traduziu-se numa grande tragédia não só para os trabalhadores da antiga URSS como para os trabalhadores de todo o mundo e o regresso do capitalismo está a ser uma imensa contrarrevolução capitalista global.
O capitalismo atingiu a sua fase derradeira, o imperialismo, e todas as revoluções que queiram ajustar contas com a exploração capitalista serão socialistas. Lenine demonstrou que, na sua fase imperialista, o capitalismo já apodreceu – a produção está completamente socializada, e a propriedade dos meios de produção pertence a um número cada vez menor de oligarcas que usam o Estado para melhorar os seus negócios. As relações de produção capitalistas não sóentravam extraordináriamente o desenvolvimento das forças produtivas como procedem à sua destruição, como no caso dass guerras imperialistas. A partir daqui, em modo capitalista, tudo o que suceder economicamente (incluindo, claro, os outros componentes superestruturais) é reacionário.
As condições objetivas para o socialismo
São estes factos que fundamentam a afirmação de que nos países industrializados já estão criadas as condições objetivas para o socialismo, isto é, já existem as condições materiais necessárias à passagem ao socialismo: a quantidade da riqueza produzida, a socialização da produção, o avanço científico e tecnológico, o proletariado cada vez mais numeroso. Estas são as premissas fundamentais para o socialismo, a sua base económica, aquilo em que a nova formação económica vai assentar.
As condições subjetivas para a revolução socialista
Este problema é mais complexo. A existência das condições subjetivas para a revolução prende-se com a disposição do “sujeito”, o proletariado, e dos seus aliados. O proletariado tem de estar imbuído de um espírito revolucionário esclarecido, de estar unido e organizado, ter experiência da luta de classes, saber captar os seus aliados, ter um partido comunista dirigente que baseia a sua atuação no socialismo científico, o marxismo-leninsmo. As massas operárias têm de saber orientar a sua luta contra o capitalismo e pelo socialismo, noções que lhes são transmitidas pelo partido de vanguarda pela teoria e pela prática. O partido proletário tem de estar enraizado nas massas e conhecer perfeitamente as suas necessidades e anseios e tem de se reger infalivelmente pelos princípios centralismo democrático.
Muito pouco tempo depois do 25 de abril, em 14 de janeiro de 1975, teve lugar em Lisboa uma das maiores manifestações já realizadas e o seu objetivo era defender a unicidade sindical. Muitos trabalhadores não sabiam sequer o que era a “unicidade sindical”, mas vieram para a rua lutar por ela. Como foi possível que isso acontecesse? Porque as organizações de vanguarda, o PCP de então e a CGTP-IN, conheciam a importância de tal questão e explicaram aos trabalhadores o melhor que puderam com a rapidez que necessária no pouco tempo que havia, a importância dos sindicatos únicos. Essas duas organizações dispunham de um património histórico de confiança dos trabalhadores e o estado de espírito das massas estava imbuído de um sentimento revolucionário próprio daquela condição histórica. Os trabalhadores seguiram a palavra de odem das suas organizações mesmo sem que todos soubessem o que era a “unicidade” sindical, mas tinham organizações dirigentes, de vanguarda que os orientavam.
As condições objetivas e subjetivas para a realização da revolução socialista
A revolução socialista realiza-se no quadro da conjugação de ambos os fatores, mas essa conjugação não é condição suficiente. As relações de produção capitalistas em Portugal são completamente dominantes, o trabalho está socializado, os assalariados constituem a esmagadora maioria da população, as forças produtivas - de que o homem é a principal - estão desenvolvidas, o capital está concentrado e centralizado, ainda que principalmente em torno de monopólos internacionais, a principal contradição co capitalismo – o caráter social da produção e a apropriação privada da riqueza produzida – é patente nas condições de vida da massa trabalhadora e nos milhares de milhões arrecadados pelo grande capital.
Em Portugal, portanto, estão amadurecidas as condições objetivas, materiais, para a revolução socialista.
Mas a revolução não se dá por vontade de quem quer que seja: é necessário que exista a situação revolucionária que Lenine definiu:
"Para o marxista, é indiscutível que uma revolução é impossível sem uma situação revolucionária; Além disso, não é toda a situação revolucionária que leva à revolução. Quais são, em geral, os sintomas de uma situação revolucionária? Certamente não nos enganaremos se indicarmos os três principais sintomas a seguir: (1) quando é impossível para as classes dominantes manter o seu domínio sem qualquer mudança; quando há uma crise, de uma forma ou de outra, entre as "classes altas", uma crise na política da classe dominante, levando a uma fissura através da qual o descontentamento e a indignação das classes oprimidas irrompem. Para que uma revolução ocorra, geralmente é insuficiente que "as classes mais baixas não queiram" viver da maneira antiga; também é necessário que "as classes altas sejam incapazes" de viver da maneira antiga; (2) quando o sofrimento e a necessidade das classes oprimidas se tornaram mais agudos do que o normal; (3) quando, como conseqüência das causas acima, há um aumento considerável na atividade das massas, que sem reclamar se deixam roubar em "tempo de paz", mas, em tempos turbulentos, são atraídas tanto por todas as circunstâncias da crise quanto pelas próprias "classes altas" para uma ação histórica independente.
Sem essas mudanças objetivas, que são independentes da vontade, não apenas de grupos e partidos individuais, mas até mesmo de classes individuais, uma revolução, como regra geral, é impossível." 1
Como se apresenta o problema da avaliação das condições da realização revolução socialista portuguesa na ideologia do “marxismo-leninismo” nacional
1. A revolução está feita!
O grande mito e o oportunismo teórico situa-se na presunção de que a “revolução” está feita: foi o 25 de abril de cujas conquistas a Constituição é a guardiã. A tática é reverter os atos da contrarrevolução “obrigando” os governos da burguesia a cumpri-la, usando simples palavras de ordem do tipo “cumprir a Constituição” gramaticalmente no infinitivo e sem sujeito. Resultados práticos: zero, como não pode deixar de ser.
Portanto, até aqui não está sequer em discussão a questão de saber se estão ou não criadas as condições objetivas e/ou subjetivas para a revolução socialista em Portugal.
Neste “marxismo-leninismo” não se afirma que a revolução de abril foi socialista, como evidentemente não foi. Mas as “conquistas de abril” (que já não existem, à exceção da democracia burguesa) bastam-lhe e, para isso, é só fazer a roda da história voltar 50 anos para trás (“Abril é mais futuro”).
2. A passagem ao socialismo far-se-á de forma gradual aprofundando a democracia burguesa
Quando se afirma que, através do “aprofundamento da democracia” se chegará ao socialismo, sem a tomada do poder e sem estabelecimento de novas relações de produção, sem luta de classes, sem alguma espécie de violência, não é necessário discutir se estão ou não criadas as condições para a revolução socialista porque o socialismo se seguirá “naturalmente” sem necessidade de nova revolução.
3. O argumento da ausência das condições subjetivas
Até agora, que se saiba, ainda ninguém considerou que não existem condições objetivas para a realização do socialismo em Portugal, mas o mesmo não se passa quanto às “condições subjetivas”.
Onde é que aparece a preocupação com as “condições” subjetivas? Precisamente quando se afirma que é necessário realizar uma revolução socialista em Portugal, para dizer que não estão criadas as respetivas condições subjetivas, que os trabalhadores ainda não estão preparados e que o socialismo está muito longe de poder ser antevisto, tendo em conta a correlação de forças no plano nacional e internacional. O socialismo e a revolução socialista estão tão longe, que só aparecem no final do programa do PCP como um ideal, uma utopia que só se concretizará num futuro brumoso longínquo. Quem falar no futuro socialista de Portugal como etapa imediata da revolução é “esquerdista”, mas não são oportunistas os que pensam o contrário.
Se as revoluções sucedessem apenas quando alguém considera que já estão criadas as tais “condições subjetivas”, ainda hoje não teria havido nenhuma revolução: nem a Comuna, nem em revolução de 1848 em França, nem a revolução de 1905 na Rússia, nem a revolução na Alemanha em 1919, nem a revolução cubana, nem o 25 de abril, etc. E, no entanto, todas se realizaram, umas vitoriosas, outras acabando derrotadas.
Na revolução bolchevique, congregaram-se as várias condições necessárias: o capitalismo estava desenvolvido quanto bastasse, existia um proletariado organizado, existiam os sovietes criados com a revolução de 1905, o czarismo tinha sido derrubado pela revolução de fevereiro, isto é, existiam as bases materiais económicas e políticas para a revolução na Rússia. Lenine teve de desenvolver um grande trabalho teórico e político para demonstrar, contra os mencheviques e o oportunismo, que as bases para a revolução existiam e era possível realizá-la com sucesso. Vivia-se um período de profunda crise com a I Guerra criando uma situação revolucionária. O proletariado estava preparado por décadas de trabalho organizativo e ideológico do partido bolchevique armado com o marxismo. E tem de se acrescentar que havia um dirigente genial capaz de fazer mover a história – Lenine. Nunca antes se realizara uma revolução socialista vitoriosa. Ficou assinalada a era das revoluções proletárias.
Da alegação de que não estão criadas as “condições subjetivas” para o socialismo decorre a teoria das etapas para lá chegar, transitando entre reformas dentro do sistema capitalista, criando-se a pouco e pouco as tais “condições subjetivas”. Na passada, surge uma “economia mista” com a nacionalização de grandes empresas (sem reação da parte do capital) em pacífica convivência com outras empresas capitalistas, sem reação da burguesia.
Se existe alguma prova próxima de que tal nunca acontecerá, de que a “economia mista” com relações de produção capitalistas só pode levar à consolidação dos interesses capitalistas contra o proletariado, num mundo em que o capitalismo está em plena fase monopolista, é precisamente a derrota do 25 de abril pela contrarrevolução.
Na URSS, a introdução de relações de produção capitalistas como panaceia para resolver os problemas económicos do socialismo, levou à estrondosa e criminosa derrota do socialismo. Na China, onde existem monopólios estatais e uma florescente economia capitalista, dominam as relações de produção capitalistas quer nas empresas do Estado, quer nas empresas privadas, pelo que o socialismo na China também já desapareceu.
A introdução de “fases” no caminho para o socialismo é materialmente impossível, é isso sim, uma utopia e um engano com que se ilude os trabalhadores. É uma cobardia filistina para não abraçar a tarefa de realizar a revolução socialista ou esconder que, de facto, não se deseja o socialismo, mas apenas um capitalismo “reformado” e “humanizado”.
O contra-argumento de que o socialismo está muito longe e que se demorará muitos anos, quiçá séculos, para lá se chegar, e que diversas fases preparatórias devem ser percorridas entretanto é uma completa hipocrisia. Afirmar que o socialismo se encontra historicamente distante, enquanto se mantiver a atual relação de forças no plano nacional e internacional é aceitável para o senso-comum, mas não no plano da compreensão científica da luta de classes. Pode surgir, quando não se espera, uma situação revolucionária. Mas afirmar-se que, neste momento, em que não se antevê proximamente o socialismo, que entretanto, se tem de caminhar por fases, que o socialismo não é a tarefa imediata da classe operária em todo o mundo, independentemente do tempo que decorra até lá chegar, é uma grosseira revisão oportunista do marxismo-leninismo. Dizer-se que o socialismo é a tarefa imediata, por muito anos que até lá decorram, é afirmar-se que o objetivo estratégico para o proletariado neste tempo histórico do capitalismo imperialista não é outro senão o socialismo.
4. Uma linha política que não trabalha para criar as condições subjetivas
O papel do partido político da classe operária e de todos os trabalhadores é, na concação leninista, o de preparar as condições subjetivas para a revolução socialista. Preparar as condições subjetivas significa criar consciência de classe nos trabalhadores, uni-los, organizá-los, treinar o proletariado na luta de classes económica e política, fazer trabalho ideológico no sentido de elevar a luta de classes ao nível político pela conquista do poder de Estado.
O partido de classe tem de estar à altura da sua missão, de dirigir as massas trabalhadoras merecendo a sua confiança, tem de atrair os aliados do proletariado e de pôr a classe na vanguarda da luta contra a toda a opressão.
Aquilo a que assistimos é à recusa dessas tarefas pelo partido que se diz do proletariado. Culpa-se a “política de direita” dos partidos burgueses da “esquerda” e da direita pela agudização da exploração e não o capitalismo como um todo. Ilude-se os trabalhadores com a solução da “alternativa de esquerda”, que pressupõe uma aliança do PCP com o PS e/ou a participação do PCP num governo burguês. EFngana-se as massas quanto à possibilidade de resolver os seus problemas através de eleições e da luta parlamentar, atrasa-se o movimento sindical para a agudização das formas de luta necessárias para fazer frente ao crescente poder do inimigo de classe.
Isto é andar para trás, é instilar no proletariado a ideologia pequeno-burguesa cujos interesses estão ligados aos da restante burguesia.
Em conclusão: na luta económica tal como na como luta política, o “marxismo-leninismo” das terras lusas usa o argumento de que não se pode ir mais além porque não há “condições” (subjetivas) e, não havendo condições, não se pode avançar. Está-se numa espiral regressiva a tender para o zero. Esta falácia não é mais do que a rejeição do papel de vanguarda que o partido do proletariado tem – e é essa a função de um partido leninista - na criação das condições subjetivas, seja para organizar uma greve, seja para o derrubamento do Estado capitalista.
É preciso interromper este círculo vicioso.
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