A tática, a estratégia e a ligação às massas
Como instrumento de um balanço que se quer sério de mais um período de 4 anos da vida do PCP para que o XXII Congresso pudesse, com justeza, apontar linhas de trabalho para os anos seguintes, tem de concluir-se que o que está plasmado no 7º capítulo das Teses sobre o Partido é ou insuficiente ou não corresponde à realidade: as palavras são uma coisa, os factos são outra.
E a realidade, sentida por todos os militantes, dirigentes incluídos mesmo que não o admitam, é que o PCP enfraqueceu. Enfraqueceu nas suas fileiras e enfraqueceu na sua ligação às massas. Não há como negar isto. Trata-se então de perceber quais as razões por que isto acontece. Faça-se um parêntesis para dizer que não há qualquer clareza de palavras e de ideias em tudo o que é afirmado, tornando difícil ao militante comum compreender o que está escrito numa linguagem que só pode ser entendida por escalões muito altos de quadros habituados a discutir problemas organizativos.
Num partido de vanguarda que se proponha construir o socialismo, não pode deixar de haver uma ligação inseparável – dialética - entre a sua estratégia, a sua tática e o funcionamento da sua organização, uma vez que é ele que vai ser a direção da classe trabalhadora e o instrumento da revolução proletária. Para isso, o partido tem de dominar a ciência do socialismo, o marxismo-leninismo, e educar os militantes nessa ciência.
O Partido enfraqueceu por razões objetivas, comuns ao enfraquecimento mais ou menos geral do movimento comunista num período de profundo refluxo, num quadro de feroz ofensiva do capitalismo imperialista. O peso das causas objetivas nem sequer é referido nas teses, sendo importantíssimo para avaliar o peso das outras razões para o enfraquecimento, as subjetivas.
O PCP insiste no seu objetivo “tático” da “política patriótica e de esquerda”. E, por mais que insista em repeti-la, esta “palavra de ordem” nada diz às massas. Os trabalhadores, cheios de realismo e com boa memória política, apesar de não parecer, não veem qualquer viabilidade nesse projeto se é que o compreendem. O mais próximo que viram deste conceito, foi “a nova fase da vida nacional”, geralmente conhecida como “geringonça”, de que não se faz qualquer autocrítica, antes pelo contrário. E os trabalhadores têm razão porque aquela experiência política não funcionou e, no final, ficou uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma. As massas, e bem, não veem que uma aliança do PCP com o PS, ou o BE e, se ela acontecer por uma maior abdicação de princípios do PCP, que dali possa resultar algo que passe de meia dúzia de migalhas, de embelezamento e “humanização” do capitalismo.
É por faltar qualquer perspetiva realista de futuro que resolva os problemas de fundo dos trabalhadores (não os do país, como diz o PCP assumindo os interesses de outras classes, a burguesia incluída) que muita gente em desespero encontra nas palavras demagógicas e mentirosas do Chega o radicalismo que sente ser indispensável para satisfazer a premência das suas necessidades.
Os trabalhadores que votaram no Chega acreditam na sua auto-proclamação como partido que quer mudar o “sistema”, à medida que vão verificando que os seus problemas não se resolvem no “sistema”. Aí deveria o partido dos trabalhadores dizer que os seus problemas não se resolvem no “sistema” … capitalista. A única possibilidade real de alcançar as suas justas reivindicações seria a agudização da luta de classes com uma intensidade que paralisasse ou fizesse recuar a ofensiva capitalista. E se tal fosse dito, mesmo que as forças não chegassem para tanto, serviria para a elevação da consciência de classe dos trabalhadores e para que confiassem no PCP por falar verdade.
A única via realista, e não utópica ou enganosa, é o caminho da luta pelo socialismo, objetivo cada vez mais afastado da propaganda e agitação do PCP. Não chega falar do socialismo e do comunismo na parte final das proclamações; era necessário, por exemplo, que os deputados do PCP no parlamento se servissem dessa tribuna para imputar ao capitalismo, e não à “política de direita”, as responsabilidades do estado de coisas para os trabalhadores e para a situação que se vive no mundo.
Assim, o PCP vai cada vez mais protelando no tempo aquela que diz ser a sua estratégia, o caminho do socialismo, e transformando a tática em estratégia, isto é, o objetivo do socialismo passa a ser estendido no tempo pela “alternativa patriótica e de esquerda” e pela “democracia avançada”, conceito sem qualquer correspondência na realidade histórica e por onde nunca se chegará ao socialismo.
O parlamentarismo e a via parlamentar para a resolução dos problemas dos trabalhadores tem sido também fator de enfraquecimento da ligação do partido às massas e, ao contrário de a fortalecer, enfraquece essa ligação e faz diminuir a votação, ainda que se pense o contrário. O PCP pede constantemente o endosso dos votos dos trabalhadores para a sua intervenção no parlamento como forma de resolver os problemas. As massas constatam que não são 5 deputados em 230 que o poderão fazer e vão desistindo no voto na CDU.
Qual pescadinha de rabo na boca, a fraqueza geral do partido não permite que a direção, e mesmo as organizações, conheçam o verdadeiro sentir dos trabalhadores e o povo e, no sentido inverso, levem aos trabalhadores e ao povo a orientação política que os deveria nortear. Esta troca constante entre partido e massas não funciona, levando por sua vez a que o partido cada vez mais se enfraqueça, sem a seiva viva que o deveria alimentar.
Aqui reside, ao mesmo tempo, uma parte importante da causa dos maus resultados eleitorais. No entanto, as teses não fazem qualquer análise autocrítica deste facto, limitando-se a imputar a culpa à comunicação social, ao anticomunismo e a outros agentes políticos. Na luta de classes cada qual usa as armas que tem. Diz o povo que “quem vai à guerra dá e leva”. Logo, não devia haver qualquer surpresa no facto de a ideologia burguesa dispondo de quase todos os meios de comunicação, os utilizar para atacar a as organizações proletárias e a sua ideologia. É a realidade objetiva, não foi inventada para as últimas eleições nem expressamente para o PCP.
No terreno da propaganda, as palavras de ordem “económicas”, como por exemplo o aumento dos salários, apresentam dois tipos de problema. O primeiro, é que a atividade do partido do proletariado não se pode resumir a reivindicações económicas: para isso existem os sindicatos. Uma organização revolucionária do proletariado deveria, na sua propaganda, usar palavras de ordem políticas que enquadrassem as reivindicações “económicas”. Lenine abordou este problema, isto é, definiu o papel do partido como diferente do dos sindicatos, na sua obra fundamental “Que Fazer?” criticando duramente os que defendiam o “economismo” como o terreno onde o partido devia atuar, prescindindo do seu papel político.
O segundo problema é que as palavras de ordem, mesmo “económicas”, mesmo limitadas, não fazem apelo à luta de massas para a sua concretização, ao mesmo tempo que aparecem muitas vezes definidas como “propostas” do PCP. Ora, nem PCP, nem trabalhadores se podem limitar a fazer “propostas” que alguém aceita ou rejeita. Devem fazer, sim, reivindicações e exigências aos poderes políticos burgueses e ao patronato.
Este estado de coisas é, ao mesmo tempo, causa e efeito da fraqueza do movimento sindical. Através dos dirigentes e delegados sindicais comunistas não é canalizada a ideologia proletária de classe para os trabalhadores e, em sentido inverso, a luta sindical não contribui para formar quadros comunistas. Sem ideologia, sem referências de classe, os dirigentes sindicais burocratizam-se, afastam-se dos trabalhadores e dos locais de trabalho, confinam-se aos gabinetes, perdem eles mesmos a confiança na força da unidade dos trabalhadores. Muito mais haveria a dizer.
Residem também aqui as dificuldades de recrutamento. Mas as teses nem fazem qualquer autocrítica pela parte que cabe ao partido das responsabilidades de tudo isto, mas também não conseguem fazer uma análise às razões objetivas – e são muitas e fortes – que determinam estas dificuldades.
A fraqueza da organização do partido nos locais de trabalho deveria levar-nos a um ”toque a rebate” geral. Muitas células têm desaparecido, muitos camaradas se têm reformado sem serem substituídos por camaradas mais jovens, muitas empresas têm encerrado, a irregularidade e a precaridade da vida dos trabalhadores tornam tudo mais difícil, etc., já atrás se referiu a debilidade do movimento sindical e de como ela se reflete negativamente no trabalho organizativo do partido. Estas são causas objetivas, não dependem de nós. O mais grave porém, é que o trabalho nas empresas, até pelas dificuldades, fica completamente secundarizado no trabalho geral do partido. Veja-se os meios e os quadros alocados a esta tarefa, por comparação com outras frentes de atividade como as autarquias, as tarefas de propaganda eleitoral, a Festa do «Avante!».
Por fim, falemos da desorientação ideológica do partido na base e no topo e de como isso se reflete no estado da consciência das massas que deveriam estar a lutar principalmente contra a exploração capitalista nas suas variadas manifestações.
Como se sabe, para além das organizações unitárias mais antigas, para a paz, para a solidariedade com a Palestina, o MDM, etc. têm sido criadas ultimamente várias organizações viradas para reivindicações parcelares, por exemplo, para a habitação e outras. Participando militantes comunistas em muitas delas, para além de militantes de outras forças como o BE, há que refletir primeiro se a solução mais ajustada é dar o estímulo a estas frentes unitárias, ou se a participação direta do partido enquanto tal seria a solução mais adequada. Não se argumente que a foice e o martelo assustam muita gente e promovem a divisão.
O que tem acontecido é a participação do partido a meia haste, isto é, participa mas pouco, ou meio escondido não se percebendo se participa ou não, ou os militantes não saberem se devem ou não participar.
Saliente-se ainda que estão a entrar de novo para o PCP e a ser atraídos pela direção, conscientemente, muita gente que esteve ao lado dos “renovadores” que queriam destruir o partido de classe e transformá-lo num partido burguês social-democrata.
Por outro lado, e mais preocupante, é o facto de o PCP enquanto tal, ou através de outras organizações, estar a promover debates e iniciativas cujos contornos ideológicos são duvidosos, participando gente do BE ou mais ou menos nessa linha, parecendo que a intenção é criar “unidade” com esses representantes da pequena-burguesia, várias dos quais são anticomunistas mais ou menos abertamente. A teoria expendida por essa gente acaba por ser consentidamente absorvida como acervo teórico do partido, acentuando o desvio de direita.
Se os contactos com esta gente levassem a uma congregação de forças na luta contra o capitalismo e o imperialismo tudo poderia estar certo. Porém, essas pessoas são tão somente social-democratas pequeno-burgueses, anticomunistas ou antissoviéticos que nada acrescentam à luta revolucionária do proletariado, pelo contrário prejudicam-na e a puxam-na para trás. Uma dessas pessoas que tem sido convidada para debates no PCP ou por militantes do PCP, Raquel Varela, é uma assumida trotskista1, mas não será a única. Sem uma clarificação dos campos, os papéis invertem-se: não é o proletariado que neutraliza, ou atrai e dirige a pequena-burguesia, é o proletariado que fica a reboque dessa classe.
Outra linha de atuação que tem contribuído para a desorientação ideológica é o contacto privilegiado com o topo da hierarquia da Igreja católica. Desde a jornada mundial da juventude católica esses contactos têm vindo a tornar-se mais regulares e, tendo partido da iniciativa da direção do partido, tem alastrado a todas as esferas de atuação, como o movimento sindical e a intervenção institucional.
As teses nada disto dizem no concreto, nem fazem uma avaliação deste rumo. Pelo menos não o põem à consideração dos militantes. Não se percebe, portanto, se o cardeal D. Américo de Aguiar e Raquel Varela fazem parte dos democratas e patriotas que darão corpo à “alternativa patriótica e de esquerda”.
O caminho que as teses deveriam apontar seria, em primeiro lugar, o de promover a unidade dos trabalhadores entre os quais se encontram milhares de votantes do PS e muitos católicos - contra os quais se posicionam o PS e a Igreja católica enquanto instituição - , mobilizando-os contra a exploração capitalista, ganhando-os, a partir da luta “económica”, através do enquadramento político na perspetiva da luta pelo socialismo. Este caminho é muito mais difícil do que pedir audiências ou convidar bispos, trotskistas ou “renovadores”, mas é o único correto. O proletariado enfrenta graves problemas de unidade com a precaridade reinante, o desemprego, o avassalador domínio da ideologia burguesa, a divisão sindical, a burocratização sindical, o afluxo ao mercado de trabalho de proletariado estrangeiro, a discriminação salarial das mulheres e dos jovens, etc.
Todas aquelas iniciativas políticas contribuem para a diluição político-ideológica do PCP no campo da pequena-burguesia e mina o seu prestígio junto dos trabalhadores. Os traços distintivos do PCP em relação a todos os outros partidos burgueses e pequeno-burgueses, que foram até há tempos um acervo político de classe e motivo de orgulho dos militantes, traços distintivos esses que assentavam no património histórico heroico do PCP, estão a ser perdidos com esta confusão ideológica e o PCP torna-se um partido do sistema capitalista.
Mas não só. Os comunistas diferenciavam-se dos outros partidos burgueses por serem os únicos a lutarem pelo socialismo, por não serem um partido do “sistema”, por falarem verdade e não usarem demagogia, por estarem intransigentemente ao lado dos trabalhadores, pela sua capacidade de sacrifício e de organização, pela sua competência, por cultivarem no seio da sua organização princípios éticos humanistas e de classe, por serem solidários e internacionalistas, pela clareza das suas palavras de ordem e por muitas outras razões que deram ao PCP um prestígio histórico muito para lá, até, do proletariado.
Juntamente com a tática adulterada, com a estratégia abandonada, estas razões do prestígio do PCP entre as massas, estão a perder-se.
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