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NOVO CONGRESSO OS MESMOS ERROS (VI) 




 

A organização 

 

Seu funcionamento 

 

A esmagadora maioria dos militantes mais antigos do PCP pode não conhecer a tática do Partido, não saber o que é “a política patriótica e de esquerda” ou a “democracia avançada”, desconhecer a unidade dialética entre organização revolucionária e estratégia revolucionária, mas sente agudamente os problemas na sua organização e na organização em geral. 

 

Deixou de haver muitas reuniões regulares - existindo obviamente situações em que isso não acontece - porque ou não são convocadas ou porque simplesmente os militantes não comparecem e se dispersaram por desinteresse ou descontentamento. Deixou de haver discussão da situação política nacional e muito menos internacional. Quando há reuniões, no lugar da discussão política passou a haver distribuição de tarefas e metas quantitativas para participação em iniciativas, manifestações, ou colagem de cartazes, etc., como único ponto da ordem de trabalhos. As opiniões dos militantes não são levadas em conta e não se obtém resposta dos organismos superiores quando é suscitada alguma questão.  As decisões vêm já tomadas pelos organismos superiores limitando-se os militantes a tomar conhecimento delas, coisa que está a acontecer mesmo em relação à eleição dos delegados a participar no Congresso. As opiniões diferentes das que vêm dos organismos superiores são muito mal aceites, os militantes são criticados por isso e muitas vezes afastados. 

 

As teses mencionam a existência de 2 183 organismos, 324 de empresas e 532 dos locais de residência, sem fazer qualquer esforço analítico da situação. Limitam-se a constatar. Ficámos informados. No entanto, não é novidade que muitos desses organismos não funcionam e só existem no papel. Basta olhar para o número de militantes que pagam a sua quotização, menos de ⅓ do total, para ter a noção de que os outros ⅔ não são contactados, pelo menos para pagar a sua quota. 

Os 324 organismos de empresas não são 324 células de empresa uma vez que muitos agregam militantes de várias empresas. Tempos houve em que as células de empresa eram as meninas dos olhos da organização. Mas as teses nem sequer analisam o número de grandes empresas que desapareceram, a devastação criada pela segmentação de muitas outras, o papel do divisionismo sindical, a desregulação dos horários de trabalho, a precaridade,etc. tudo razões objetivas que deveriam ser tidas em conta para se poder traçar a orientação mais justa neste mar de dificuldades. 

 

E as teses também não informam quantos desses organismos reúnem e qual é a sua periodicidade. Este dado seria fundamental para se conhecer verdadeiramente a realidade. E sendo correto que não se ponha dados reservados por escrito, seria fundamental que a discussão do congresso pudesse fazer o exame destas questões e as teses abrissem caminho para esse efeito. 

 

Existe um problema gravíssimo no conteúdo do trabalho partidário: a “autarquização”. As organizações do local de residência, não só não discutem como desconhecem os problemas dos trabalhadores da área em que se inserem. A atenção esgota-se no trabalho nas autarquias, gira à sua volta, e o Partido acaba a ser dirigido pelos autarcas. O problema é muito mais acentuado ali onde existem autarcas da CDU eleitos. 

 

O centralismo democrático 

 

Este é o princípio basilar do funcionamento de uma organização revolucionária, definido por Lenine, que combina a democracia com o centralismo. Como se sabe, é o princípio que assegura a participação democrática dos militantes e a disciplina exigida a um “exército” de vanguarda que visa tomar o poder político para a classe operária. 

O centralismo democrático tem vindo a sofrer graves entorses no PCP, algumas refletidas atrás. 

 

Os princípios mais afetados são o trabalho e a direção coletivos, a falta de democracia interna e a ausência da crítica e da autocrítica como método de trabalho indispensável. Os problemas começam logo na base: falta de funcionamento de muitos coletivos partidários o que prejudica grandemente o trabalho coletivo. 

 

A informação ou orientações têm um só sentido: de cima para baixo. As decisões vêm tomadas e os militantes não podem discuti-las. Os camaradas que o fazem são criticados ou mesmo afastados anti-estatutariamente, uma vez que o afastamento é político e não disciplinar. 

 

Os organismos superiores não prestam contas regularmente aos organismos que têm sob sua direção nem fazem qualquer autocrítica. As assembleias de organização rareiam. 

 

A direção coletiva não existe em grande número de organismos uma vez que não há espaço para deliberações na esfera de atuação de cada uma. 

 

O funcionamento do PCP hoje está nos antípodas do que escreveu Álvaro Cunhal no Partido com Paredes de Vidro além de estar a infringir muitas das disposições estatutárias, designadamente e sobretudo no que se refere à manifestação de opinião dos militantes que, além de direito inalienável é um dever para cada militante comunista. 

 

Os militantes mais antigos podem fazer a comparação entre o que era o estilo de trabalho do Partido no tempo em que ainda estavam entre nós os dirigentes vindos da clandestinidade e o que se passa hoje. 

 

O centralismo democrático e a ligação às massas 

 

Os comunistas deveriam ser conhecedores profundos da realidade em que se inserem para que, quer no âmbito de cada organização, quer ao nível da direção superior, se possa tomar as decisões mais corretas, aferindo-as com a sua aplicação prática. Essa informação deveria chegar aos organismos superiores. No sentido inverso, num âmbito de cada organização, os militantes devem introduzir nas massas a orientação e a ideologia partidárias. É útil a metáfora da árvore que mergulha as suas raízes na terra e recebe dela o seu alimento. Ora, se as raízes adoecem e secam, nem a observação e análise do meio são feitas, nem a ideologia, nem as orientações tomadas em função dela são canalizadas para as massas, a árvore seca. 

 

É aqui que deve ser procurada uma das grandes razões subjetivas do enfraquecimento geral e eleitoral do Partido. As massas estão despolitizadas, não lhes é apresentada qualquer perspetiva de solução dos seus problemas, os militantes estão desorganizados, sem entusiasmo, têm uma baixa participação na atividade partidária, não estão em condições de introduzir ideologia nas massas. Mas esta ausência não aparece refletida nas teses. 

 

O enfraquecimento do partido não é apenas eleitoral. Muito mais preocupantemente está enfraquecido no movimento sindical e nas organizações dos trabalhadores em geral, assim como tem vindo, desde há muitos anos, a perder força nas organizações estudantis. 

 

As teses apelam à iniciativa das organizações, mas no presente quadro, a iniciativa da organização não tem condições para andar. Se queremos que as organizações tomem a iniciativa, se fortaleçam etc. estes problemas têm de ser resolvidos. 

 

 

Os quadros e o trabalho ideológico 

 

Com tudo isto seria de admirar que a frente do trabalho ideológico e a formação dos quadros não merecesse também uma forte crítica ao trabalho do Partido que devia figurar nas teses. 

 

As teses referem o número de cursos de formação realizados. Mas o trabalho ideológico não se limita à organização nem à participação em cursos. Grande parte da formação ideológica vem da participação dos comunistas nas lutas de massas e aprendendo com elas. Enfraquecida a luta de massas, estando ausente a análise e enquadramento político das lutas, a ideologia perde-se no “economismo”. A outra parte da formação vem do estudo teórico das obras e conceitos do marxismo-leninismo. De qualquer modo, a discussão da situação política nacional e internacional é uma grande ferramenta da aprendizagem ideológica, mas já atrás foi dito que essa discussão desapareceu completamente das mesas das reuniões. 

 

E se o conteúdo dos cursos é o estudo do programa do Partido, eles são contraproducentes uma vez que o “marxismo-leninismo” do programa é uma amálgama de vulgaridades políticas e um desvio social-democrata numa organização que devia ser revolucionária e ter militantes revolucionários. Isto para não falar dos cursos destinados a injetar a teoria do desvio social-democrata mascarada de marxismo-leninismo e para colocar o rótulo de “esquerdismo” a tudo o que vá contra o reformismo do PCP, e “vacinar” os militantes contra as críticas ideológicas que o rebatam. Desonestamente, vão servir-se da obra de Lenine O esquerdismo doença infantil do comunismo e da do camarada Álvaro Cunhal O radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista cujas teses aplicam distorcidamente a uma realidade que não existe. 

 

Há que acrescentar que neste quadro não há qualquer estímulo aos militantes para elevarem a sua educação político-ideológica através do estudo e a sua cultura geral que são deveres estatutários. 

Aliás, a teoria é desprezada e as organizações que funcionam executam simplesmente tarefas. A isto se chama “praticismo”. Para os quadros mais responsáveis a teoria e o seu estudo são “intelectualices” de que não se precisa. 

 

É este o caldo de cultura onde são formados os militantes do Partido em geral. É isto que precisa de ser erradicado do trabalho de formação ideológica, naturalmente com uma mudança radical no trabalho geral do partido em todas as outras frentes. 

 

No particular da formação dos quadros dirigentes, em especial os funcionários, a situação não é melhor. Recrutam-se jovens camaradas que não conhecem o mundo do trabalho e as suas dificuldades, sendo grande número deles provenientes da JCP nos meios académicos. Hoje o funcionário não é o “revolucionário a tempo inteiro” que Lenine definiu. No geral, esses jovens recém-chegados, copiam o estilo de trabalho em que foram educados pelos anteriores que já procediam do mesmo modo, ou limitam-se a copiar o modo como os quadros dos organismos superiores lidam com eles. Concebem o partido como uma organização com hierarquia semelhante à que existe nas empresas e na sociedade e concebem a sua função como a de fazer aplicar as ordens que vêm dos escalões superiores. Muitos acham-se chefes de alguma coisa. Aqui se instala o carreirismo contrarrevolucionário e o autoritarismo. Há que não responsabilizar inteiramente estes jovens por isso. O facto é que não lhes é ensinado outro modo de proceder. 

 

Claro que as teses nada dizem a este respeito. Contudo, há uma autocrítica que deveria ser feita não apenas pelos atuais dirigentes, mas por várias gerações anteriores de quadros para quem o trabalho ideológico através do estudo não esteve nas prioridades. 

 

Sobre isto, e sobre o estilo de trabalho de direção, seria importante falar-se muito mais desenvolvidamente. Leia-se ou releia-se em primeiro lugar O partido com paredes de vidro. Depois, reflita-se sobre a experiência dos partidos comunistas que existiram nos países socialistas. 

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