«CIMEIRA SOCIAL»: A GRANDE FARSA
Está a terminar em grande estilo a chamada cimeira europeia. Deixemos de lado os factos menores como a encenação ao jeito novo-riquista com que se receberam os estrangeiros exibindo símbolos nacionais, mostrando palácios, gastando 40 000€ em fatos e camisas de marca para quem não tem dinheiro para os comprar a não ser a expensas do Estado e 35 000€ em bebidas 1, mostrando as paisagens do Douro – já agora - para promover o turismo, mostrando-se lisonjeado pelos elogios dos altos funcionários mais ou menos subalternos do capital…
A cimeira que o governo PS pretendia que fosse a cereja no topo do bolo dos seis meses da presidência portuguesa foi um frete que o imperialismo europeu fez para satisfazer o governo português que eles sabem ser tão sensível à lisonja. Enfim, tão bom aluno merece que se lhe faça uma vontade ou outra. Foi uma cimeira para inglês ver porque os alemães, e a sua representante chanceler Merkl, nem se deram ao trabalho de comparecer, e para que Costa subisse mais um degrau nas suas pretensões políticas futuras dentro da organização imperialista europeia, mas também cumpriu os objetivos políticos e ideológicos de que a UE necessita para esconder dos trabalhadores e dos povos o seu papel de ave de rapina capitalista.
O «estardalhaço» mediático da cimeira encenou-se sobretudo em Portugal, noutros países terá sido tratada como um acontecimento marginal, tanto mais que a estratégia do «Pilar Social» europeu havia já sido estabelecida em 2017 em Gotemburgo, Suécia, sendo a cimeira portuguesa, portanto, uma sequela oca. Lendo-se o Compromisso do Porto 2 verifica-se que se trata de hipócritas declarações de intenção traduzidas em «medidas para...», «destacaram a necessidade de...», «mobilizar todos os recursos necessários para...», etc., etc., que nem sequer comprometem minimamente os Estados e se limita a ser «uma bússola» de acordo com o próprio texto final. Um grande êxito, portanto. Porém, os portugueses tiveram direito a uma lavagem ao cérebro com programas especiais da RTP de propaganda à UE e ao «Pilar Social» da dita.
Na cimeira, acabou por ter uma posição central, de facto, as relações da UE com a Índia à boleia do negócio das vacinas, questão estrategicamente bem mais importante do que as balelas do «Pilar Social». De resto, a Índia já fora anteriormente convidada como se percebeu depois, o que mostra que mais do que o «Pilar Social» interessava à UE essa questão estratégica. Aliás, as questões do relacionamento da UE com a Índia foram referidas pelo Primeiro Ministro na Assembleia da República, durante a audição do governo em 12.03.2021, como sendo uma questão estratégica da cimeira. Portugal queria fazer figura com o «Pilar Social», as potências que mandam de facto aproveitaram as circunstâncias para poupar tempo e maçadas e assinarem acordos de vária natureza com esse país asiático, visando ocupar terreno face aos avanços da China. Na mesma ocasião, o Primeiro Ministro também o afirmou explicitamente.
MISTIFICAÇÃO IDEOLÓGICA E POLÍTICA
A cimeira do Porto foi uma encenação sem resultados práticos significativos no que à chamada construção europeia diz respeito, cumpriu e bem os seus grandes objetivos ideológicos e propagandísticos. Em nosso entender, as linhas de mistificação ideológica centram-se em torno de quatro questões principais.
1. A natureza e o rumo da construção europeia
A primeira, a natureza e o rumo da construção europeia. Mais uma vez fica claro que a UE é um bloco imperialista em competição com outros, que busca a defesa e o fortalecimento do grande capital europeu, através do aumento de escala, num quadro mundial de crescimento do poderio das potências orientais e, que não exclui, bem pelo contrário, alianças com o polo imperialista americano. Esta vertente do problema ficou completamente varrida do plano da discussão pública e da discussão ideológica junto dos trabalhadores.
Essa natureza rapace, obviamente escondida pela comunicação social e não denunciada como devia por quem tinha obrigação de o fazer, passou completamente ao lado da discussão. Os trabalhadores foram bombardeados pela propaganda do PS segundo a qual a adesão à CEE representou um avanço histórico do país, que de outro modo não seria alcançável. Vidé, segundo ela, as autoestradas e outras benfeitorias análogas igualmente importantes, a melhoria das condições de vida dos portugueses, etc.
No esquecimento ficam o comprometimento total da soberania nacional, a destruição em larga escala do aparelho produtivo do país, da indústria às pescas, passando pela agricultura (leia-se a pequena produção tradicional), a desigualdade cada vez maior entre os países pobres e os países ricos da UE, as cada vez mais profundas desigualdades dentro de cada país, que se pretende esconder atrás da pesada cortina da «convergência social e económica ascendente» 3. Fica no esquecimento o pesado défice, em desfavor de Portugal, entre os fundos recebidos através da UE, e os fundos portugueses que saíram do país, distribuídos entre os que são canalizados para o orçamento da UE, as importações estrangeiras e a produção nacional que constantemente se perde pela destruição do aparelho produtivo.
Atente-se ainda no seguinte (1º § do Compromisso do Porto):
«Nós, instituições e organizações subscritoras, reunimo-nos no Porto por ocasião da Cimeira Social para reunir esforços no intuito de consolidar o nosso compromisso para com o Pilar Europeu dos Direitos Sociais e de aproveitar esta oportunidade única para associar criar sinergias em prol de uma recuperação inclusiva, sustentável, justa e criadora de empregos, apoiada numa economia competitiva que não deixe ninguém para trás» 4.
Sobre isto há a dizer o seguinte. A recuperação de que se fala é a do capitalismo monopolista com a poderosa intervenção do(s) Estado(s) (este “Estado” é os impostos largamente pagos pelas classes trabalhadoras e a riqueza por elas produzida), capitalismo em decadência cada vez mais acentuada pela agudização das suas próprias contradições, pela crise pandémica, pela crise económica de sobreprodução, de excessiva concentração de capital, da proliferação monstruosa do capital fictício (especulação financeira).
Aproveitando a situação criada pela pandemia, o que está em jogo é a recuperação capitalista em todas as suas frentes. O grande capital fala no grande reset do sistema. A recuperação não será de modo nenhum «justa», na medida em que será feita – e em capitalismo não se pode fazer de outra forma – à custa dos trabalhadores e da exploração dos países mais fracos da pirâmide imperialista.
A «recuperação» poderá criar alguns empregos mas vai continuar a aumentar o desemprego, porque a «economia competitiva», no quadro internacional e no quadro nacional vai a) levar milhares de pequenas empresas à falência por não serem «competitivas» e b) a «competitividade» das empresas grandes vai ser feita à custa da redução dos postos de trabalho pela introdução à pressão dos métodos digitais. Por outras razões, veja-se em Portugal a situação da refinaria de Sines, da refinaria de Matosinhos, da TAP, do encerramento de balcões de variados bancos, etc. Os trabalhadores que não conseguirem competências digitais não encontrarão trabalho a não ser nos setores menos qualificados, os empregos que vierem a ser criados serão inevitavelmente cada vez mais precários.
A pobreza e a exclusão social que dizem querer erradicar vai aumentar. As intenções que declaram são uma completa mentira. A erradicação destes males não pode ter uma natureza caritativa que é o que vão fazer, por exemplo, com o chamado «setor social» que mais não é do que, na esmagadora maioria dos casos, encher os bolsos da igreja católica. A solução automática dos problemas da pobreza e da exclusão social é automática com aumentos gerais de salários e emprego. É isto exatamente o que o capital não quer e não pode fazer. Sob o capitalismo jamais haverá pleno emprego e os salários e direitos que nele se refletem serão sempre objeto da mais encarniçada luta entre o trabalho e o capital.
O «não deixar ninguém para trás» é uma expressão suficientemente demagógica, usada também pelo BE, pelo Presidente da República e tutti quanti para merecer mais comentários.
2. O «Pilar social» da UE
A segunda questão relaciona-se com a mensagem que se pretendeu passar a propósito da cimeira e que o PS, o governo e António Costa exploraram à saciedade: a UE assenta num «pilar social». As «preocupações sociais» da UE não a deixam dormir descansada de há vários tratados a esta parte. Esse «pilar», agora robustecido pela pandemia e pela iniciativa propagandística do governo português, pretende inculcar nos trabalhadores e nos povos que a UE, um conglomerado de Estados capitalistas, professa valores humanos, se preocupa com «os mais desfavorecidos», defende o emprego e - ! - de qualidade, etc., etc., e sobretudo, pela retórica da mentira, evitar a revolta dos explorados contra a deterioração as suas condições de vida agravadas pela pandemia e pela crise económica capitalista. Toda esta conceção assenta no grande embuste da ideologia burguesa: o patrão, o empregador (eufemismo criado para retirar carga negativa à coisa) «dá» o trabalho, não rouba o trabalho ao trabalhador.
O «Pilar Social» é a parra com que o capitalismo monopolista, a UE, tenta cobrir a nudez da mais violenta e desumana exploração capitalista.
3. O papel da social-democracia representada pelo PS.
O PS é o instrumento do propriamente chamado grande capital sem pátria e da burguesia nacional. O governo do PS apoia os grandes negócios do capital. Promoveu a venda do Novo Banco ao fundo abutre Lone Star; promoveu a venda de três barragens no Douro à Engie que tem outros grandes investimentos em Portugal; embarca na política da exploração do lítio que escasseia no mercado, levando, por exemplo, à suspensão temporária de fábricas de automóveis por falta de componentes em que esse minério é fundamental, questão de grande importância para a Alemanha; entregou a ANA-EP à Vinci também francesa; apoia a Mota-Engil noutros grandes investimentos; embarca na negociata do hidrogénio com acordos pouco transparentes com holandeses; deixa o capital bancário intervir à sua vontade, contra o interesse dos depositantes e dos pequenos empresários; não toma medidas para acabar com a precaridade, razão fundamental, a par do desemprego, do abaixamento do preço da mercadoria força de trabalho; apoia principalmente os interesses das grandes empresas e deixa falir as restantes que constituem a maioria do tecido empresarial português e dos pequenos produtores em geral; faz do SNS a sua profissão de fé, mas não deixa de ir entregando cada vez mais negócios com a saúde aos privados Não tem fim a lista dos factos que comprovam o PS como verdadeiro representante do capital monopolista.
No entanto, o PS não para de repetir que se o PSD estivesse no governo tudo seria pior.
A social-democracia com as suas mentiras aos trabalhadores e ao povo, nas atuais circunstâncias e em todas as outras, é a ferramenta que melhor pode servir o capital, precisamente porque engana as massas com a sua capa de esquerda e vai levando a água ao seu moinho. Referimo-nos atrás à importância ideológica, no arsenal do capital, dos «Pilares Sociais», da «Europa Social Forte para a Transição Justa», da «justiça social», do «salário digno». Não resistimos sublinhar a cínica expressão «mobilidade justa» do Compromisso do Porto que não pode deixar de remeter para a precaridade, a arbitrariedade patronal e as facilidades de despedimento e lhe apõe o qualificativo de “justa”.
4. Conciliação de classes
Convencer os trabalhadores de que a conciliação de classes é possível é o sonho mais acalentado pelo capital. Ele sabe que a conciliação de classes não existe na sociedade de classes, que a sua prosperidade assenta na existência da classe operária. Para ele, a conciliação de classes equivale à aceitação sem resistência dos explorados à sua condição. Para promover o entendimento entre os exploradores e os explorados assente na dominação dos exploradores, o regime fascista criou a Câmara Corporativa. Hoje, mais modernaça, temos a Concertação social para encontrar um «meio» termo, um entendimento entre uns e outros mas que, ainda assim, não questiona a propriedade dos meios de produção e a inultrapassável contradição entre os trabalhadores e o patronato.
A cimeira contou com a participação de «sindicatos» e associações patronais agregadas em torno do Business Europe, descritos como «parceiros sociais». Espantosamente, esta designação é deveras apropriada: de facto a CES, Confederação Europeia de Sindicatos, é parceira de governos e patronato na consecução dos objetivos destes últimos.
«A Declaração do Porto constitui [...] “um passo importante com vista à criação da visão de uma Europa social”», afirmou um dirigente dessa confederação presente 5. Ficamos a saber que a CES quer «criar visões» e pede investimento no emprego, isto é, pedem ao patronato que crie mais capital. Grande e valente Central!
Todos estes conceitos concorrem para iludir os trabalhadores de que o capitalismo consegue resolver os problemas sociais que assolam as sociedades baseadas na exploração. O capitalismo nem os seus próprios problemas está em condições de resolver!
Neste combate ideológico desigual, caberia às organizações de trabalhadores denunciar e desmontar todas estas mentiras – e tanta experiência histórica têm eles acerca desse papel – mostrando que só o fim da exploração e o socialismo têm possibilidade de resolver estes problemas, mas infelizmente isso não é dito, limitando-se à palavra de ordem sem sentido da reivindicação de «uma outra Europa».
OS RESULTADOS PRÁTICOS
À exceção dos acordos com a Índia, e daquilo que se conhece, politicamente a cimeira traduziu-se em nada. Contudo, o nosso primeiro-ministro muito se congratulou com o facto de se terem estabelecido objetivos cuja concretização se pode ir acompanhando, a saber: 78% da população empregada em 2030, 60% da população a participar em ações de formação todos os anos e tirar 15 milhões de europeus do risco de pobreza, dos quais 5 milhões de crianças, mas estas metas não têm caráter vinculativo.
De 2030 separam-nos, reparemos, 9 anos e tempo de esquecimento mais do que suficiente para se pedir contas destas promessas. Se se reparar, se de 100% retirarmos 78 ainda sobram 22%... de população não empregada! Para retirar um – 1 - trabalhador da pobreza (e resta saber quais são os parâmetros da pobreza), não se vê qualquer medida: aumento dos salários, fim da precaridade, direitos … nada! Para tirar da pobreza os 5 milhões de crianças – aumento do salário dos pais, respeito pelos direitos laborais dos pais, fim da precaridade dos pais, proteção às famílias monoparentais, educação para todos em pé de igualdade, garantia de acesso a cuidados de saúde... nada! E os migrantes e seus filhos serão considerados europeus? Encerrar-se-ão os campos de refugiados na Itália, na Grécia, em Espanha? Será posto termo à escravidão dos trabalhadores agrícolas sazonais, fenómeno até muito mais gritante nos países ricos europeus do que em Portugal?
Retiremos daqui as devidas conclusões.
A «OUTRA EUROPA»
Uma Europa dos trabalhadores e dos povos, a soberania nacional dos vários povos da Europa, o emprego e os direitos dos trabalhadores não existe nem nunca existirá no quadro do capitalismo e da existência do bloco imperialista organizado da UE. Afirmá-lo é enganar os trabalhadores.
Obviamente, a cimeira «não deu resposta adequada à situação de pandemia e suas consequências sociais»6. Não deu nem poderia dar, se o seu objetivo era precisamente o inverso: garantir ao capital a superação da sua crise num ambiente de paz social fazendo para tanto as promessas que fossem necessárias para iludir os trabalhadores. Do que se trata é de denunciar isto mesmo e perspetivar a luta de massas, através das reivindicações, no sentido de demonstrar que a “Europa” só as satisfará na medida em que a luta a obrigar e, numa fase de refluxo, acentuará a exploração sendo, portanto, necessário levar a luta mais além, para o plano político da luta pelo socialismo, objetivo programático da CGTP-IN, não podemos esquecê-lo se o que está no papel tem algum valor.
A transição digital, as fontes de energia, são outras tantas necessidades do capital para continuar a ser capital, cada vez mais concentrado e centralizado. No que à força de trabalho diz respeito, a digitalização é uma forma de aumentar a produtividade do trabalho, nessa medida promovendo uma maior taxa de exploração. Ao mesmo tempo, postos de trabalho vão sendo eliminados, aumentando o desemprego e com isso provocando uma maior oferta de força de trabalho que se vai traduzir no abaixamento do seu preço – menores salários, menos direitos com repercussão na retribuição do trabalho.
Exigir a «institucionalização do princípio de não-regressão social e a reversão do nivelamento por baixo das condições de trabalho e de vida atualmente em curso» 6 (leia-se a nota que identifica a origem da afirmação) é dizer que se aceita o atual estado de coisas, que se aceita que tudo se mantenha na mesma – andar para trás é que não!
Exigir um «Pacto de Progresso Social e pelo Emprego que vise o pleno emprego, a defesa e reforço dos direitos dos trabalhadores e de outros direitos sociais, a promoção da convergência social no progresso» 7 (leia-se a nota de rodapé que identifica a origem da afirmação) é descer ao nível da confederação europeia dos sindicatos do patrão, a CES.
Não deveria ser necessário usarmos a argumentação básica que usamos, que deveria ser o b-a-bá de qualquer sindicalista honesto, mas infelizmente chegou-se ao nível de uma ideologia do proletariado pré pré marxista do tempo das lutuosas, para não elaborarmos outro tipo de juízo.
Os trabalhadores portugueses têm de saber que «uma outra Europa» só pode existir sobre as ruínas da UE, pelo que todos os trabalhadores europeus deveriam lutar pela libertação dos respetivos países das garras da UE e do seu centro, a Alemanha; só pode existir com a luta dos povos europeus pela libertação da exploração do homem pelo homem, o socialismo. É para esta meta que todas as lutas deveriam ser canalizadas. Só há um caminho: Peoples of Europe rise up [Povos da Europa, levantai-vos]!
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