(Este artigo publica-se em 4 partes, hoje publica-se a terceira) - 3/4
3. O trabalho de direção, a organização e os quadros
A situação é complexa e preocupante, os problemas são tantos que nos limitaremos à enunciação de alguns e ao seu tratamento de forma muito sintética.
A organização em sentido geral
A organização – o conjunto dos militantes do Partido – está muito enfraquecida. Existem condições objetivas para que tal aconteça e não podemos negá-las senão estaríamos no mundo da lua. Não é disso que aqui tratamos, mas do fator subjetivo, daquilo que depende exclusivamente da sua direção - principalmente - e dos seus militantes.
Existe menosprezo da opinião dos militantes que se manifesta sob variadíssimos aspetos: o afastamento da direção em relação à base do Partido, na substância, materializada no espírito de que os dirigentes não precisam dela. O circuito de baixo para cima e de cima para baixo está fechado num dos sentidos, funcionam só as as “ordens” de cima. As críticas não são aceites, antes são desestimuladas e perseguidas, as propostas e sugestões ignoradas, a informação sobre o sentir da classe e das massas não é canalizada para direção e a maior parte das vezes nem é ouvida, porque não interessa aos organismos dirigentes, que tudo sabem. Isto desinteressa e desmobiliza os militantes que não se sentem envolvidos na ação política e na formação da orientação política.
Não existe trabalho ideológico junto dos militantes, o que se reflete também na ausência de passagem da ideologia para a classe e para as massas em geral. As questões políticas não são analisadas à luz do marxismo-leninismo, do socialismo científico, a começar na Comissão Política cujo trabalho é muito pobre. Não tomamos por análise científica fazer citações de Marx, ou de Lenine, mas de ter posições de classe, de dirigir um partido independente da classe operária, saber, até, em que consiste essa independência, de usar o materialismo histórico na análise dos problemas concretos do dia a dia e os métodos e estilo de trabalho que nos legaram os dirigentes que vieram do tempo do fascismo e tanto nos ensinaram acerca dos métodos do partido leninista.
O trabalho político é quase exclusivamente tarefista e estereotipado. Despreza-se o papel da teoria e a discussão política e ideológica nos organismos, não se enquadra ideologicamente a ação prática, não se promove o esforço individual de estudo teórico, não se promove a formação cultural geral, não se promove nem se sente a necessidade da criatividade dos militantes e dos trabalhadores. Toda esta realidade é negada pela direção do Partido em sucessivos documentos, mas do papel à realidade vai um mundo.
Estamos a abordar questões de organização, mas elas vão dar infalivelmente à linha política socialdemocratizante e ao consequente abandono do espírito e do objetivo revolucionário. Há falta de coesão, de militância, de formação ideológica (não se considera formação ideológica as palestras concebidas para inculcar nos quadros questões “teóricas” adulteradas ou de outro contexto, como o combate ao “esquerdismo”) e tudo isto contribui para um ainda maior enfraquecimento da organização. A acrescer a estas causas subjetivas existe o inegável peso das causas objetivas.
O debilitamento orgânico e político das células de empresa e do movimento sindical e o enfraquecimento da luta dos trabalhadores é um perigo mortal.
O que se passa com a política de quadros
Ao contrário daquilo para que A. Cunhal chama a atenção em O Partido com paredes de vidro, não há perigo de envelhecimento dos quadros, nem dificuldade em que os quadros mais velhos nos escalões mais altos sejam substituídos por quadros mais jovens. Porém, existe de facto um envelhecimento da base do partido com o passar dos anos e as dificuldades de recrutamento de jovens.
Está, sim, posto em causa o caldeamento entre a juventude e a experiência dos quadros. Muitos quadros que vieram da clandestinidade deixaram demasiado cedo de fazer parte do Comité Central e a geração do 25 de abril não beneficiou o que poderia ter beneficiado da sua experiência política, da sua firmeza ideológica e política e do exemplo dos seus traços de caráter. A sua saída não foi um processo natural, foi forçada.
A geração que viveu o 25 de abril, pelas leis da vida mas não só, também está a ser demasiado rapidamente substituída por uma nova geração de quadros que não teve essa experiência e de modo nenhum possui a formação ideológica da geração anterior, porque já surgiu num contexto em que se iniciava a socialdemocratização do Partido e distante o 25 de abril. A maioria dos quadros a tempo inteiro da geração de abril veio de locais de trabalho, muitos de meios fabris. Os quadros profissionais, hoje, provêm das escolas e universidades, com pouca ou nenhuma experiência de vida e do mundo do trabalho. É verdade que existem quadros operários nos organismos dirigentes, mas ser classificado como operário não chega neste caso: falta a ideologia e a experiência política exigível nos organismos mais responsáveis, como diz A. Cunhal, “é necessário ter “consciência da necessidade para o Partido de formar e ter dirigentes preparados, firmes, experimentados, com especializações diversificadas, capazes de orientar o trabalho do Partido”.[1]
No processo de seleção e promoção dos quadros, além dos erros acima mencionados, acresce que o critério é a medida em que se aceita passivamente e sem contestar as orientações da direção (passa-se a todos os níveis) e os que contestam são afastados. Com isto não admira que se instale o carreirismo. É uma política suicidária.
O exercício da crítica e da autocrítica
O exercício da crítica e da autocrítica é uma ferramenta fundamental do socialismo científico, está plasmado nos estatutos do PCP. É ele que permite o conhecimento mais próximo da verdade detetando o erro, descobrindo as suas causas e corrigindo-o para o futuro. Pois este instrumento foi parar aos sótãos poeirentos onde se põe as coisas que se quer esquecer.
Qual é então a prática corrente nos nossos dias?
Começa-se pelo fraco funcionamento dos organismos e pela falta de discussão política e ideológica. Depois, não se produz discussão retrospetiva, isto é, não se avalia o que se fez, o que correu mal e porquê. Mais: não se faz controlo de execução das tarefas ou ele é muito deficiente com uma perspetiva meramente praticista, não política ou ideológica. Daqui decorre que não existe prestação de contas nos dois sentidos: dos organismos mais responsáveis para os menos responsáveis, e no sentido inverso, mas também a falta de aproveitamento destas circunstâncias para a educação permanente dos quadros. É totalmente correto afirmar que, sem a crítica e a autocrítica, o Partido não teria sobrevivido à repressão fascista.
Os organismos superiores não apreciam a crítica por parte dos militantes. A propósito da política de quadros já se disse que a prática da crítica e da auto-crítica é repudiada e, se há críticas aos organismos superiores, os militantes são classificados como criticistas e chamados à atenção e/ou afastados.
Com isto, não existe um ambiente favorável à criação de relações fraternas entre camaradas, de solidariedade e de unidade, espírito de entreajuda, franqueza e frontalidade em todos os aspetos da vida partidária.
A alguns dos que nos leem, à primeira vista, parecerá que estamos na posição dos “renovadores” do final da década de 90. Na realidade, estamos nos antípodas. O reformismo é que padece dos males de que eles acusam o “estalinismo”, como está patente. Não nos podemos esquecer também de que, em nome do combate ao “culto da personalidade”, começou o PCUS o plano inclinado que o levou onde infelizmente foi. Defendemos as posições de classe e todos os métodos de trabalho inerentes a um partido revolucionário.
[1] Cunhal, Álvaro, O Partido com paredes de vidro, Editorial “Avante!”, Lisboa, 1985, p. 125.
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