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100º ANIVERSÁRIO DO PCP


(Este artigo publica-se em 4 partes, hoje publica-se a quarta) - 4/4


4. Violação dos princípios do centralismo democrático


Como mostra a história do movimento comunista e a do PCP, a inflexão socialdemocratizante da linha política arrasta consigo violações dos princípios do partido leninista.


Os estatutos, tal como muitas resoluções, estão apenas no papel, são palavras mortas. Nem mesmo se pode dizer que são formalmente respeitados e muitas das questões atrás colocadas constituem já violações frontais dos estatutos. Militantes, organizações, organismos de direção atuam muitas vezes contra eles, mas os organismos mais responsáveis não têm autoridade moral para os combater já que são eles os primeiros a não cumprir e a dar exemplos condenáveis que depois são mimetizados a todos os níveis.


Abordaremos apenas a questão da democracia interna e a prática da crítica e da autocrítica, enquanto instrumentos de luta revolucionária.


A democracia é a outra face da moeda do centralismo democrático de um partido leninista, é a âncora de uma organização revolucionária, do partido de novo tipo. A. Cunhal sublinhou muito corretamente o importante equilíbrio entre os dois princípios em O Partido com paredes de vidro. Não nos apontem o erro de rejeitarmos o centralismo, antes afirmamos que sem democracia não há nem pode haver centralismo, disciplina revolucionária, unidade.


A unidade do Partido é concebida atualmente como unanimidade de opinião, ausência de discordância e de debate, concordância total com as decisões dos organismos superiores. Os que não aceitam este estado de coisas, que exigem discussão são inexoravelmente afastados, em todos os níveis de responsabilidade, aliás, o critério de promoção de quadros é precisamente o nível de concordância com as decisões “superiores”. Uma vez que não há discussão digna do nome, também não pode haver unidade política e ideológica. A “unidade” existe porque os que discordam são silenciados e afastados.


A ligação da base ao topo, já dissemos, funciona só num sentido. O papel de vanguarda que o partido operário deve ter, deixa de ser exercido porquanto não se conhece o sentimento e a opinião da base do Partido e dos trabalhadores e não se pode aferir por esta via a correção ou incorreção da linha política. A opinião dos militantes que não é escutada não é, pois, tida em conta para ajudar a formação da opinião coletiva e a linha política levando em conta os conhecimentos importantíssimos que existem na base do Partido e nos trabalhadores. A ausência de democracia interna afasta o Partido das massas, enfraquece e destrói as suas raízes e impossibilita o cumprimento das tarefas táticas e estratégicas.


Finalmente, a influência do abandono do centralismo democrático na formação e educação dos quadros. Copiando os métodos antidemocráticos que partem do topo, os quadros, entre eles os que estão a tempo inteiro, mimetizam os seus comportamentos tornando-se autoritários, impositivos para os militantes e as organizações, descuram a sua própria tarefa de formadores de comunistas, de educação ideológica dos militantes e, por seu intermédio das massas, tendem a afastar quem deles discorda. Impõem aos militantes as resoluções dos organismos superiores sem discussão nos coletivos que dirigem, não procuram envolvê-lo e dinamizá-lo para fortalecer as convicções, para dar sentido à militância e à atividade prática, privam o partido desses conhecimentos e ideias criativas que vêm de baixo. Os quadros e dirigentes vão perdendo prestígio e autoridade moral. Neste caldo de cultura surgem os fenómenos de carreirismo, de autoritarismo, definha a fraternidade e solidariedade, o cimento que deve ligar os membros de um partido da classe operária, vão-se perdendo as qualidades humanas e de caráter que devem caracterizar um comunista. Em suma, vai secando a seiva que dá vida à organização. Com o correr do tempo, atingem os mais altos escalões de direção os quadros formados neste ambiente tóxico.


4. Quando o inimigo me elogia…


A atuação do PCP é pautada pelo medo de assustar a burguesia, a pequena-burguesia e até a própria Igreja católica. Com isto perde a sua natureza e a sua independência de classe, coloca-se a reboque destas classes.


Os círculos políticos do PS não se cansam de elogiar o PCP e o seu papel na “democracia”, a forma como é capaz de enquadrar institucionalmente o descontentamento popular e, acrescentamos nós, de manter o descontentamento e a sua expressão a níveis aceitáveis para o sistema, coisa que o PS também sabe, mas não pode dizer. Não colocam o PCP na lista das forças de extrema-esquerda, elogiam o “seu sentido de responsabilidade” com isto significando que o PCP só apresenta reivindicações que sejam aceitáveis e, mais, não põem em causa a sustentação dos acordos com o PS. Elogiam no PCP o ter-se transformado num partido do sistema (burguês).


Muita gente, muitos militantes, sentir-se-ão orgulhosos por tal reconhecimento sem se aperceberem de que estes elogios são venenosos e hipócritas e visam objetivos políticos do interesse de quem os profere. Bastará que o PCP inflita o seu rumo para uma orientação de classe, de imediato voltará a ser considerado de extrema-esquerda, apodado de irresponsável, perseguido e banido ainda mais da comunicação ao serviço do capital, chamarão à colação o PREC e a sua “deriva antidemocrática” da responsabilidade do PCP, etc, etc. Os elogios são lisonjas destinadas a que o PCP e o movimento dos trabalhadores se mantenham controlados ou manietados sem questionar a recuperação capitalista das crises em curso.


O inefável sr. João Soares, que não desmerece do seu paizinho, encarrega-se quinzenalmente de algumas dessas lisonjas na RTP. Então, vem-nos à memória esse frase batida... o abraço do urso.


5. Palavras finais


Chega a ser irónico que as publicações partidárias a propósito do 100º aniversário deste partido glorioso até ter entrado num desvio socialdemocratizante, bem mais grave do que o de 1956-1959 neguem a existência do que constitui aqui o nosso objeto de crítica. Muito pelo contrário, o PCP está bem e recomenda-se, fidelíssimo aos seus princípios e ideais, à sua matriz ideológica, etc, etc. O que A. Cunhal descreve em O Partido com paredes de vidro como sendo o ideal de partido revolucionário é exatamente o contrário do que este partido é hoje. Parece estarmos perante o negativo e o positivo de uma chapa fotográfica.


Pode-se perguntar porquê esta discrepância.


Claro que a análise e as críticas que aqui se fazem têm em conta a tendência geral do processo e não eventuais exceções, que certamente existem, para melhor ou para pior. A questão que se coloca é que a auto-avaliação do PCP reflete desejos e não realidades ainda que se classifiquem como voluntaristas outros que não eles mesmos. Constata-se que a direção não está em contacto com a realidade e com o terreno, que perdeu distanciamento crítico em relação às suas ações, não usa a crítica e autocrítica e, como atrás se referiu, perdeu o contacto com as massas, melhor, com os setores mais explorados do proletariado, lança palavras de ordem pequeno-burguesas e perdeu a sua independência de classe, desde logo quando se pôs a reboque do PS.


Continua a chamar-se A. Cunhal em auxílio das teses atualmente prevalecentes, mas tergiversa-se as suas ideias. Em O Partido com paredes de vidro, tão abundantemente citado, encontra-se a cada passo as palavras “revolução” e “partido revolucionário” mas a revolução encontra-se hoje ausente das perspetivas do PCP.


Mas há um subterfúgio para fazer sair pela janela o que não vai pela porta: é a palavra mágica da “criatividade do marxismo-leninismo” e o conceito peregrino de “cópia mecânica das ideias alheias”[1] que o PCP combate. Atrás já se fez referência à questão da “criatividade” do marxismo-leninismo, e que não faz sentido no socialismo científico. Quanto à segunda expressão ela também não faz sentido na medida em que, aplicando a grelha de análise marxista-leninista, ou materialista dialética, não se pode copiar soluções para realidades distintas, nem caminhos que não tenham em conta cada situação concreta pois a realidade está em movimento constante. Não procedendo assim, está-se fora do marxismo-leninismo e da sua cientificidade. Esta expressão, portanto, também não faz sentido nenhum.


O que pode fazer sentido é estas expressões e ideias, subrrepticiamente, justificarem a negação das leis gerais da revolução e da construção do socialismo em nome da “originalidade” portuguesa e da independência de pensamento e com isso negar a própria revolução e construção socialistas. E o sentido pleno atinge-se quando se afirma que o socialismo em Portugal virá depois da “democracia avançada” sem revolução e sem tomada do poder de Estado pela classe operária.


BIBLIOGRAFIA CONSULTADA


Cunhal, A. Obras escolhidas, I (2007), II (2008),III (2010) tomos, Editorial “Avante!”, Lisboa

Cunhal A. O Partido com paredes de vidro, Editorial “Avante!”, Lisboa, 1985

Programa e Estatutos do PCP (aprovados no XIX Congresso, 2012)

60 Anos de luta ao serviço do povo e da pátria, 1921-1981



[1] O Militante nº 371, p. 26


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