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A conferência de novembro e as dificuldades do PCP




O PCP decidiu realizar uma Conferência em Novembro com o lema “Tomar a iniciativa, reforçar o Partido, responder às novas exigências” com o objetivo de «contribuir para a análise da situação e dos seus desenvolvimentos, centrada na resposta aos problemas do País, nas prioridades de intervenção e reforço do Partido e na afirmação do seu projeto […]».


A direção e os militantes do PCP sabem as grandes dificuldades por que o Partido está a passar e não vamos sequer ter em conta aquelas que resultam dos fracos resultados eleitorais, pois poderia perder-se votos em qualquer circunstância, com uma linha justa ou sem ela, uma vez que, na batalha ideológica, entra fundamentalmente em jogo a força do capitalismo, agora infinitamente mais poderoso do que as forças de classe no seu atual estado de organização.


As razões objetivas das dificuldades do PCP são, assim, imensas. O desaparecimento de massas de operários produtivos pelo encerramento de fábricas, o agravamento das condições de vida dos trabalhadores, os horários de trabalho e a forma como são organizados, o trabalho à distância, as catadupas de ideologia anticomunista de toda a comunicação social, a alienação produzida pelas redes sociais, as narrativas burguesas sobre a história impingidas às crianças nos manuais escolares, o papel da Igreja e das seitas religiosas, as dificuldades de organização e penetração do movimento sindical, a que se acrescenta como corolário o medo do despedimento e de não ter com que alimentar os filhos, num quadro em que prolifera o desemprego, a ausência ou a precaridade dos contratos de trabalho, a falta de contratação coletiva, situações em que o trabalhador está cada vez mais sozinho frente à força patronal. E tantas, tantas outras que poderíamos referir.


Esta realidade não está suficientemente exposta no documento como causa objetiva de dificuldades, não estando, por isso, sujeita ao olhar crítico da organização e não estimulando as contribuições da vida real que poderiam ser carreadas ao debate pelos militantes.


As dificuldades subjetivas decorrem, em primeiro lugar de uma linha política reformista, de uma direção impreparada, eivada de ideologia pequeno-burguesa, de quadros e militantes ideologicamente desarmados e deformados, das violações dos princípios do centralismo democrático, da ausência de trabalho coletivo, da grande falta de democracia interna, da imposição de um “pensamento único” perante uma gritante falta de discussão e de envolvimento dos militantes nas decisões.


Tudo isto é verdadeiro, por muito que os dirigentes digam ou pensem que estas críticas caem pela base pelo simples facto de se realizar a Conferência. A conferência nada resolve porque a linha política e o centralismo democrático “criativo”não vão ser alterados. A Conferência e todos os debates, todos os plenários que venham a realizar-se não vão atingir o cerne dos problemas, determinar as suas razões e a forma concreta de os ultrapassar. Até agora, a opinião e o sentir dos militantes não tem contado. Trata-se de, uma vez mais, reafirmar a partir de cima e pela enésima vez a “política patriótica e de esquerda” e vincular os militantes e esses conceitos sem sentido. Para o PCP basta realizar uma conferência formal, escrever um documento e fica encaminhada a solução dos problemas, sem que, na verdade, isso tenha alguma perspetiva de os resolver.


«As dificuldades, insuficiências e atrasos que se reconhecem em diversos planos requerem, para serem ultrapassados, a sua identificação e discussão, tendo em vista a definição dos meios adequados para os enfrentar e superar» e «Assinalam-se, igualmente, dificuldades, insuficiências e atrasos que importa superar de forma decidida e confiante, ainda mais perante a situação atual e as exigências que esta comporta», diz o Projeto de Resolução da Conferência. Mas quais são as dificuldades concretas e quais são os meios concretos para as superar? As dificuldades são comuns a toda a organização, são conhecidas, não é preciso fazer apelo à “identificação”, porque elas estão bem identificadas. Seria bom, isso sim, que a direção as nomeasse com clareza e, juntamente com os militantes, encetasse um trabalho sério de discussão e concretização, a partir da avaliação da linha política e dos métodos leninistas de trabalho, a partir de uma análise crítica e, sobretudo, autocrítica. Infelizmente, não é isto que pode acontecer com a realização da Conferência.


A verdade é que a realização de Congressos, Conferências e debates que têm tido uma orientação idêntica apontam as mesmas falhas, os mesmos caminhos e os resultados têm sido escassos ou nenhuns. O enfraquecimento do Partido continua paulatinamente. E não nos referimos ao enfraquecimento do Partido que pode resultar objetivamente do quadro político nacional e internacional, mas ao enfraquecimento do seu papel dirigente da luta da classe operária e de todos os trabalhadores, ao enfraquecimento geral da organização, decorrentes da sua linha política e da sua atuação.


Quando os “renovadores” acusavam o Partido de “dogmatismo” visavam destruí-lo, abalar a sua natureza de classe, a sua ideologia e os princípios leninistas do seu funcionamento, o centralismo democrático. Nessa altura, aquilo a que os “renovadores” chamavam dogmatismo era a firmeza ideológica e das posições de princípio. O apelo que faziam à “abertura a novas realidades” visava tornar o PCP um partido interclassista, em que a classe operária e os trabalhadores seriam dirigidos pela intelectualidade pequeno-burguesa. Agora os revolucionários que classificam as decisões de hoje do Partido como dogmáticas e desfasadas da realidade, estão (infelizmente) cobertos de razão, pelos motivos exatamente opostos aos dos “renovadores”, porque a “filosofia renovadora” tomou conta da direção e da linha política do PCP.


A impreparação política e ideológica reinante dificulta a apreensão do que está mal, ou pelo menos do que não está bem, ou do que lá não está, naquela Resolução Política, mas sobretudo na comparação da realidade com aquilo que se escreve. Os militantes honestos, que pensam que a linha do Partido vai conduzir o país ao socialismo e são, até, capazes de dar a vida por essa causa, vão aceitar o documento simplesmente porque confiam na Direção, não vendo que a atual direção nada tem a ver com a direção formada por aqueles quadros que tinham dado as provas mais duras perante o fascismo, tinham uma incomensurável experiência política e não vacilavam perante os inimigos de classe.


Obviamente, aquela geração não seria eterna, mas o marxismo-leninismo de facto, e não decorativo, o socialismo científico, continuam a servir de guia para todas as gerações de revolucionários que querem derrubar o capitalismo e construir o socialismo. São essas bases que faltam à atual direção do PCP.


A continuar o mesmo traço de falta de democracia interna, a partir da Conferência, tal como a partir do Congresso, nada de diferente se poderá dizer porque são as “decisões da Conferência ou do Congresso”. E essas decisões assetam em conceitos desprovidos de sentido à luz do socialismo científico, dogmáticas, desprovidas de realidade, fantasiosas, utópicas, como a “Democracia avançada.”

Sem a determinação rigorosa das deficiências e insuficiências, das suas causas objetivas, ancorada no conhecimento da realidade que os militantes transmitem e no conhecimento do sentir das massas, no concreto, sem troca de experiências quanto ao resultado de iniciativas tomadas, não pode haver qualquer superação séria dos problemas, além de apelos gerais. Também não pode haver algum movimento de reforço organizativo se lhe falta a chama revolucionária de querer derrubar o capitalismo, se se apresenta o socialismo como uma espécie de florzinha no chapéu dos discursos que finaliza todos os documentos e intervenções.


Ao contrário do que certamente pensa a direção do Partido, a “posição conjunta” com o PS, as ilusões criadas em torno da “nova fase da vida nacional” foi uma decisão que afastou o Partido das massas e veio trazer-lhe elementos de desprestígio entre a classe operária e o povo. Havendo muito mais a dizer sobre este assunto, registe-se que sobre matéria tão transcendente, a Resolução da Conferência dedica-lhe quatro ou cinco palavras, não faz qualquer balanço dessa medida política, não faz qualquer análise crítica ou autocrítica e, mesmo perante a circunstância de a inflação e o aumento do custo de vida terem já devorado as pequenas migalhas que o PS se dispôs a conceder para obter o apoio do PCP, consegue dizer que se tratou de «[...] um percurso, ainda que limitado, de defesa, reposição e conquista de direitos concretizada nos últimos anos pela luta dos trabalhadores e pela iniciativa e ação do PCP». É tudo o que diz sobre o assunto.


Onde procurar as causas


Já nos referimos a algumas das principais causas objetivas das dificuldades, de resto não exclusivamente próprias a Portugal e ao PCP, mas a todos os trabalhadores do mundo capitalista e aos seus partidos de classe, onde eles existem.


No nosso entendimento, a principal causa das dificuldades para o PCP no desempenho do seu papel enquanto partido da classe operária e de todos os trabalhadores, a causa das dificuldades em reforçar-se em todas as vertentes é precisamente a linha política reformista, causa da qual brotam todas as outras consequências.


«O capitalismo é exploração, opressão, guerra, fome, miséria, corrupção, degradação ambiental. É a apropriação por uns poucos da riqueza produzida e dos imensos avanços alcançados pela humanidade. A superação revolucionária do capitalismo é uma necessidade dos trabalhadores e dos povos.», diz o documento, (ainda que pouco corretamente, mas deixemos isso). Este período encerra praticamente o documento. O capitalismo é tudo isso que está dito. Mas não vemos referida, em todas as linhas de luta e atuação que são apresentadas, a necessidade de derrubar o capitalismo, não vemos a ligação da luta de massas a este objetivo político.


No documento para a Conferência – como em toda a linha política do Partido - a luta por reivindicações dentro do sistema capitalista, a luta por reformas dentro do sistema está completamente desligada da apresentação às massas da alternativa socialista, única solução para a resolução dos problemas dos trabalhadores, fora do qual todas reformas e migalhas concedidas são rapidamente retiradas, quando o capital disso necessita. Não precisamos sequer de apresentar provas: esta é a realidade que está a ser vivida todos os dias pelos trabalhadores. As migalhitas da “posição conjunta” dissiparam-se mais depressa do que o fumo.


Qual é o sentido das lutas «... dos trabalhadores pelo aumento geral dos salários; contra a desregulação dos horários e pela sua redução sem perda de remuneração; contra a precariedade; pela revogação das normas gravosas da legislação laboral, nomeadamente a eliminação da caducidade da contratação coletiva, etc...» que o documento refere?


Diz o Projeto de Resolução que serve para «A acumulação de forças, a elevação da consciência social e política, a rutura com a política de direita, a afirmação da alternativa e o avanço do processo de transformação social». A acumulação de forças e a elevação da consciência «social e política» para seguir em que direção: na do socialismo ou na direção de um capitalismo “civilizado”? Romper com a política de direita durante quanto tempo, até à legislatura seguinte? Lembremo-nos apenas da “austeridade” da troika e da austeridade do PS/A.Costa.


O que é “afirmar” a alternativa? “Afirmar” é dizer, declarar. Será que se ganham as massas para o socialismo com declarações? A alternativa qual é? Responde o Projeto que é “O processo de transformação social”. Pergunta-se: fala-se da transformação do capitalismo em socialismo ou não? E esta transformação é um passe de mágica ou tem a única forma possível - a revolução socialista? Não se pode dizer que ficamos sem saber, porque estes eufemismos concetuais são para esconder que o PCP trocou a revolução socialista pela transição pacífica do capitalismo para o socialismo através da introdução de uma etapa materialmente impossível.


Em suma, estas eventuais lutas e reivindicações que o documento refere, ou se esgotam em si mesmas, ou pretende-se carreá-las para «a rutura com a política de direita», ou «para a política patriótica e de esquerda» ou para a «Democracia avançada», nunca para a luta pelo derrubamento do capitalismo e da sua ordem iníqua.


“O movimento é tudo o objetivo final é nada” era a consigna do suprassumo do oportunismo no movimento comunista, Bernstein, implacavelmente combatido por Lenine. Esta consigna era a total renúncia à tomada do poder pelos trabalhadores, à revolução, ao socialismo.


A outra causa das mais importantes para o enfraquecimento do PCP é o estado de organização do movimento sindical. Dão-se por adquiridas as dificuldades objetivas e, por isso, não falaremos agora delas. Mas o embotamento das lutas deve-se em larga medida à quase interrupção que tiveram, ou à não agudização para patamares mais elevados que era preciso terem, deveu-se ao entendimento entre o PCP e o PS. O atentismo do movimento dos trabalhadores face a essa “nova fase”, a esperança de que algo de bom resultasse dela, adormeceram a luta de classes.


Acrescente-se que não apenas o PCP foi perdendo a ideologia proletária, revolucionária, como o próprio movimento sindical o fez, não abrindo horizontes políticos à luta reivindicativa dos trabalhadores, encerrando-os no momento vivido, sem abrir uma perspetiva de futuro apesar de, na sua declaração de princípios, a CGTP-IN afirmar que ela luta «pelo fim da exploração do homem pelo homem, que contribua para que o futuro de Portugal e do nosso Povo seja o de uma sociedade sem exploradores e sem explorados».

No polo oposto, dada a insuficiência das migalhas dadas, perante essa consciência entre muitos trabalhadores e pensionistas, perante a constatação de que, por exemplo, um aumento de pensões em 10 euros não vinha tirar ninguém da miséria, ou de que os “aumentos salariais” eram ridículos, criou-se desespero, falta de confiança no poder da luta. Foi o PCP e o movimento sindical que perderam prestígio e ganharam influência as correntes políticas fascizantes.


Onde se forjam comunistas e quadros comunistas? Na luta, da qual o primeiro passo é a luta sindical. Quanto menos numerosas e menos determinadas forem as lutas, menos quadros se revelam. Quanto maior for a ausência de ideologia proletária nas organizações políticas e sindicais dos trabalhadores, mais elas se enfraquecem. Sem se resolverem estes problemas, não se vê que fortalecimento podem ter o partido que se diz da classe operária e de todos os trabalhadores e o movimento sindical.




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