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ELEIÇÕES LEGISLATIVAS DE JANEIRO DE 2022

Crónica de um resultado anunciado




I Campanha eleitoral e ideologia


Há muito que a orientação de um partido comunista numa campanha eleitoral em sistema capitalista foi definida pelos mestres do marxismo-leninismo. A oportunidade de uma intervenção mais visível das forças revolucionárias deverá servir para fazer a propaganda comunista. Entenda-se por propaganda comunista a combinação, ligada às circunstâncias concretas e historicamente adequada, das palavras de ordem táticas e estratégicas, isto é, as reivindicações concretas dos trabalhadores e das massas populares, a luta pela sua satisfação e a explicação de como, em capitalismo, essas reivindicações não podem ser satisfeitas na totalidade (por exemplo, exigência de trabalho para todos vs. a lei económica que torna isso impossível no capitalismo com a existência do exército de reserva de mão-de-obra), elevar a consciência política dos trabalhadores pela luta, explicar claramente que os problemas dos trabalhadores só se resolvem com o poder dos trabalhadores, o socialismo.


Chama-se a isto ligar a tática à estratégia subordinando a primeira à segunda, se nos situarmos no plano do socialismo científico. Mas como o PCP luta por uma política “alternativa e de esquerda”, pela “democracia avançada”, não dizendo quem a executa nem de que modo as podemos alcançar, como esquece o socialismo – que só aparece como declaração no papel – outra coisa não seria de esperar.


Na campanha eleitoral, da parte PCP, nem um pingo de ideologia do proletariado, nem uma palavra para a exploração capitalista, nem um átomo de preocupação com o cumprimento do papel do partido de vanguarda na educação política das massas! De resto, há muitos anos que o PCP deixou de se preocupar com esta questão dentro e fora das campanhas eleitorais e depois colhe as respetivas tempestades como estes resultados eleitorais.


Ficaremos apenas nas grandes linhas que estavam colocadas na cena política no período da campanha e no ato eleitoral.


1. A social-democracia como aliada


Nada diferente seria de esperar desde que o Partido abandonou a sua posição de classe chegando a um entendimento com o PS em 2015em torno da chamada “posição conjunta”. Esse posicionamento criou ilusões nos trabalhadores e nas massas em geral. Com esse passo político, e não intervindo no plano ideológico, o PCP consentiu que o PS se comprometesse na “posição conjunta” a «a) Virar a página das políticas que traduziram a estratégia de empobrecimento seguida por PSD e CDS» esquecendo o facto de o PS ter sido subscritor, com o PSD e o CDS, daquilo a que o próprio PCP chamou “pacto de agressão».


A social-democracia, que é o nome correto da ideologia do PS, foi branqueada e não considerada como o principal inimigo dos trabalhadores na época imperialista. O papel histórico do PS desde o 25 de abril (se não quisermos recuar ao papel da social-democracia na I Guerra mundial dando gás ao fascismo), e que não se alterou no presente, foi esquecido (ou perdoado) e com isso se facilitou o caminho à deslocação de votos para esse partido. Os trabalhadores e o povo continuaram expostos e abandonados à ideologia burguesa sem uma voz que a contrariasse.


O PS não foi desmascarado pelo incumprimento da parte mais substancial daquilo com que se tinha comprometido na “posição conjunta”, fazendo uma interpretação “criativa” do respetivo texto, isto é, fingindo fazer mas não fazer. Abaixo se cita uma parte desse texto para que cada um faça o cotejo deste compromisso com a realidade de seis anos de PS no governo.


« b) Defender as funções sociais do Estado e os serviços públicos, na segurança social, na educação e na saúde, promovendo um combate sério à pobreza e às desigualdades sociais e económicas; c) Conduzir uma nova estratégia económica assente no crescimento e no emprego, no aumento do rendimento das famílias e na criação de condições para o investimento público e privado; d) Promover um novo modelo de progresso e desenvolvimento para Portugal, que aposte na valorização dos salários e na luta contra a precariedade, relance o investimento na educação, na cultura e na ciência, e devolva à sociedade portuguesa a confiança e a esperança no futuro».


Exigir-se-ia a um partido de classe que arrancasse os trabalhadores da influência política e ideológica da social-democracia. Os resultados eleitorais vieram a mostrar o resultado da tática oportunista do PCP.


2. A “estabilidade”


O ambiente ideológico criado pelo discurso dos partidos burgueses, do Presidente e dos órgãos de comunicação social ao serviço de todos eles e dos seus donos, apontava e continua a apontar para a necessidade de uma espécie de unidade nacional em nome da superação da pandemia e da recuperação da economia. A “estabilidade” burguesa como um valor, como um objetivo nacional, foi assimilada pelas massas, algo aliás, bem patente nestes resultados eleitorais.


Sobre o que significava esta “estabilidade” e a “recuperação económica” do país o PCP nada disse. Tratava-se e trata-se da estabilidade do patronato e do capital para recuperarem das crises à conta dos trabalhadores e do povo, do sossego do governo e das suas decorrências para distribuir à vontade as dezenas de milhares de milhões de euros dos fundos do chamado PRR pela burguesia nacional e internacional sem que haja lutas a complicar o cumprimento os seus objetivos.


Durante toda a campanha, e uma vez mais, instilada por todos os agentes políticos do capital, foi propagandeada a ideia de que maiorias relativas são geradoras de instabilidade (com o significado de paz de classes) e que as lutas de massas geram essa mesma instabilidade.


3. O parlamentarismo e a luta de massas


Apesar de isto ser um traço da tática parlamentarista do PCP, oportunista, a campanha eleitoral, até pela sua natureza, mostrou ainda mais o quão nocivo foi iludir-se os trabalhadores e o povo quanto à possibilidade de se resolverem todas as questões e alcançar a satisfação das reivindicações através do Parlamento. O PCP, ao contrário de tomar a frente da luta de massas e de sublinhar o papel determinante da sua força, pedia o voto aos trabalhadores e ao povo como uma espécie de mandato para que, na Assembleia da República pudesse bater-se pelos seus interesses. Naturalmente as reivindicações passíveis de ser aceites pelo PS.


A partir da “posição conjunta” e ao longo de quatro orçamentos aprovados pelo PCP, o PS fez o que é esperado da social-democracia. Aceitou algumas reivindicações relativamente baratas que lhe permitissem continuar a agarrar o PCP e a fazer propaganda com a máscara de esquerda. Não atendeu outras, obviamente, porque lhe era impossível do ponto de vista da sua situação de classe e entendeu-se com o PSD no que quis, sem fazer oposição às exigências do patronato comprometendo-se com ele na “concertação social” e até pedindo desculpa por ter aumentado o SMN sem o ouvir.


Daqui resultou que o que se obteve no parlamento, e nada disto se denunciou durante a campanha (nem podia denunciar porque punha em causa o rebaixamento do PCP e com ele da classe operária e os trabalhadores que pretende representar) foram apenas umas migalhas que acrescentaram uns cêntimos aos rendimentos dos salários e das pensões, mas não alteraram nada de fundo nas condições de vida de quem trabalha, está desempregado ou já não pode sustentar o seu pequeno negócio. A fixação do preço do passe social parece ter sido a exceção que confirma a regra, porém, o rendimento assim aumentado já terá sido absorvido pela inflação e pelos aumentos dos preços dos bens de primeira necessidade. Importa também referir que o que se fez com o passe social foi colocar as autarquias a pagar, algo contra o qual o PCP se insurgiu, pelo menos até há uns anos atrás.


Houve algumas lutas, é certo, mas de uma dimensão desproporcional face aos problemas que os trabalhadores precisavam que fossem resolvidos de um ponto de vista geral, como classe, designadamente as questões da contratação coletiva, do princípio do tratamento mais favorável, da precaridade e do emprego, que teriam exigido uma ou mais greves gerais, se para tanto os trabalhadores estivessem política e sindicalmente preparados numa ação de mobilização de fundo.


E, claro, a politização da luta para responsabilizar o PS e o patronato.


Na campanha, na continuação do abandono do seu posicionamento de classe, o PCP diluiu os problemas da classe operária e dos trabalhadores nas suas intervenções de campanha sob um enigmático e falho de conteúdo concreto «resolver os problemas do país» em vez de afirmar que o PS não podia e não queria resolver os problemas dos trabalhadores e do povo.


Não colocou as massas perante a necessidade de formas de luta mais avançadas para mostrar que as grandes questões da exploração capitalista só se resolvem com o poder dos trabalhadores e não ao sabor das oscilações partidárias parlamentares. Em segundo lugar, fomentou o oportunismo de massas, pretendendo que os explorados aceitassem que “qualquer coisinha é melhor do que nada” apagando as reivindicações sindicais e políticas de fundo. A ideia de dar protagonismo a um parlamento de regime capitalista, ao invés de promover a luta de massas, teve resultados desastrosos e será mais perniciosa agora, face à insignificante representação parlamentar.


4. A “esquerda”, a política de direita, a “política patriótica e de esquerda”


Na campanha eleitoral o PCP não disse que há vários problemas do país em função da perspetiva de classe que se assume: há os problemas que afetam os trabalhadores e o povo e os que afetam a burguesia nacional e internacional. Fora de um posicionamento de classe, falando abstratamente em “problemas do país”, colocando debaixo do mesmo chapéu-de-chuva nacional as reivindicações dos trabalhadores e os interesses do patronato, o PCP prestou um mau serviço à classe operária e aos trabalhadores em geral.


Não apresentou com a firmeza exigida a importância das alterações da legislação laboral, nomeadamente no que se refere à contratação coletiva, ao princípio do tratamento mais favorável e à precaridade e a necessidade de continuar essa luta. Estas questões não têm solução parlamentar, só podem ser impostas pela luta como é bom de ver, já que contam com a oposição patronal, das diretivas da UE e, por consequência, do PS. Veja-se que as confederações patronais se apresentam mais abertas ao aumento do salário mínimo do que às alterações das normas gravosas da legislação do trabalho.


Isto resultou num duplo saldo negativo na batalha ideológica contra o capital. Primeiro, as pequenas, ou aparentes, melhorias não serviram para ligar a satisfação das reivindicações à luta de massas. Serviram para fazer a propaganda do PS e a auto-justificação do PCP pela aliança formada com ele, para promover o parlamentarismo. Na cabeça do PCP esteva sempre a perspetiva da resolução dos problemas através do voto, esquecendo (?) que, com a comunicação social nas mãos e todos os outros instrumentos de opressão, ideológica e não só, o PS iria fazer render isso em seu proveito.


É ridículo que o PCP venha responsabilizar o PS por lhe ter tirado a autoria das medidas, ele que preferiu valorizar as pequenas medidas favoráveis que tiveram origem nas suas propostas parlamentares a denunciar o grande embuste do PS no cumprimento das promessas que fez em sede de “posição conjunta” perante o povo, na concretização da política de direita que o PCP acha que o PS não realizou por força da sua intervenção.


Por outro lado, a premência da solução dos problemas não resolvidos no interesse dos mais explorados levou ao desespero de largos setores, o que determinou a grande votação no partido fascista “Chega”.



5. A UE, o imperialismo e os seus reflexos na vida dos trabalhadores e na economia do país


Teria competido ao Partido que se diz dos trabalhadores falar do papel do imperialismo europeu, comandado pelos grandes monopólios industriais e financeiros das suas principais potências, a Alemanha e a França e denunciar o PS pela concordância política, ideológica já se sabe, com as medidas decretadas pelo diretório das instâncias políticas e militares da UE associada à NATO.


Os montantes e os fins das verbas do chamado PRR não são determinadas nacionalmente. A UE pode sempre regular o débito da torneira. O destino do dinheiro está sempre condicionado pelos interesses dos monopólios europeus, como por exemplo, a exploração do lítio, a fabricação do hidrogénio, a construção de plataformas logísticas ou a própria ferrovia que ligará mais funcionalmente os portos portugueses com a Espanha e o interior da Europa.


As verbas colossais postas em movimento no quadro da pandemia destinam-se exclusivamente a ajudar o capital a recuperar da crise. Os trabalhadores não poderão esperar beneficiar alguma coisa. Aliás, o recebimento dos fundos é condicional, são os monopólios europeus que dizem onde pode ser aplicado. Outro condicionamento, por exemplo, é a não revogação dos piores aspetos da legislação laboral que a UE impõe a Portugal .


As taxas de juro e o fluxo monetário manejados pelo BCE estarão sempre ao serviço dos investimentos que lhes interessam que não são, antes pelo contrário, favoráveis à independência económica do país. Portugal e os países mais pobres do sul e do leste serão sempre explorados pelos monopólios dos países dominantes. O BCE acaba de admitir o aumento das taxas de juro, o que vem aumentar ainda mais a dívida pública dos países do sul, como Portugal, a Espanha e a Itália.


A própria TAP não pôde ser financiada soberanamente. A UE levou quase um ano a aceitar a injeção de capital, e condicionou essa autorização ao “plano de reestruturação”, isto é, aos despedimentos de centenas de trabalhadores e abaixamento de salários e recentemente obrigou-a ao abandono de 18 slots para, no final, ser total ou parcialmente “vendida” à Lufthansa que já absorveu várias outras companhias de bandeira europeias e brevemente terá o monopólio do transporte aéreo europeu (não nos estamos a referir às companhias low cost).


A política das “contas certas” do governo e do Banco de Portugal determinam a política de degradação de todos os serviços públicos, da saúde à educação, passando pelas repartições de finanças, o IRN, a justiça, etc., etc.


A dívida pública, a dívida externa e a balança comercial apresentam dados preocupantes.


A economia do país vai continuar, por interesse dos monopólios europeus, a assentar no turismo e nos serviços. Não se fala de indústria, em substituir importações por produção para o mercado interno, não se falou em desenvolver a produção interna, de desenvolver as forças produtivas do país.


O dinheiro do PRR já está na sua maioria distribuído. Competiria ao partido dos trabalhadores averiguar e denunciar o seu destino, porque, como é absolutamente previsível, ele será empregado

no interesse do grande capital e no do relançamento mundial do capitalismo após a pandemia – o grande reset, como lhe chamaram os grandes senhores do mundo reunidos no fórum de Davos.


Sobre nada disto a campanha se debruçou e infelizmente também não se ouviu o PCP a denunciar a situação e a atribuir as causas ao capitalismo e ao imperialismo, a necessidade de os povos exigirem a saída dos respetivos países desta construção imperialista, lutando ao mesmo tempo pelo derrubamento do sistema capitalista por toda a Europa. Não é, por isso, estranho, que as reivindicações e luta à volta da UE e do imperialismo europeu tenham desaparecido da ação do Partido nos tempos da "nova fase da vida nacional".


Sobre os conflitos imperialistas, designadamente a situação perigosa que se verifica na Ucrânia e nas suas fronteiras nada se ouviu dizer, muito menos se exigiu a saída de Portugal da NATO e o fim do envio de tropas para vários teatros de guerra ao serviço dos interesses imperialistas.


II Os resultados e a apreciação do PCP


Os resultados eleitorais foram o que se conhece. O facto de a abstenção ter diminuído, mais 305893 eleitores foram às urnas, não invalida que 3 908 685 de portugueses não tenham ido votar. A CDU perdeu 92 606 votos e metade dos deputados - 12 para 6 - o PSD subiu ligeiramente, mas diminuiu os deputados de 77 para 71; o PS subiu mais de 380 000 votos, passou de 106 para 117 deputados e ganhou alguns votos para além do somatório dos votos perdidos pela CDU e o BE, provavelmente à abstenção, mas o aumento de 11 mandatos não corresponde às perdas somadas do PCP e do BE:20. O BE perdeu 252 242 votos e 14 mandatos; o Chega subiu de 1 para 12 mandatos aumentando 319 111 votos, passando a terceira força política nacional e a IL subiu 202 869 votos passando de 1 para 8 mandatos (dados anteriores ao apuramento dos votos da emigração).


É uma evidência que o PS beneficiou do voto útil do BE e em menor medida da CDU, que o Chega e a IL fizeram desaparecer o CDS do parlamento concentrando neles os seus votos. O Chega continua a ter fortes votações em zonas urbanas onde residem principalmente trabalhadores. O PS vai buscar os seus votos em zonas em que seria lógico esperar um maior número de votos na CDU. Daqui se conclui que a social-democracia (PS) e os fascistas do Chega ganham terreno no proletariado.


O comunicado do CC do PCP, igual a todos os outros, constata as manipulações e as vantagens das outras forças políticas nos meios mediáticos para além da pandemia. Mas esta é uma verdade de La Palice. O inimigo de classe apenas cumpre o seu papel e o peso da sua ideologia também. O aprofundamento das causas de tudo isto não existe.


Bipolarização e voto útil


PS e PSD apostaram na bipolarização que em si comporta a ideia de voto útil, ideia que terá tido influência não pequena nos resultados. Esta aposta na bipolarização sempre foi uma estratégia do chamado "bloco central" e não se constitui como uma novidade. PCP, BE e outros partidos pretendiam beneficiar do facto de, em 2015, se ter formado a maioria de PS, PCP e BE que sustentou um governo durante seis anos.


Durante estes anos, o PCP reivindicou para si o mérito de ter demonstrado que as eleições legislativas não serviam para eleger o Primeiro-ministro, o que é verdade. Mas era ilusório pensar que tal “ensinamento” valia também para estas e futuras eleições. De posse de todos os meios de manipular as massas, PS e PSD rapidamente voltaram a colocar no terreno o “voto útil” e o “voto para Primeiro-ministro”, como lhes convinha. E surtiu efeito.


PCP e BE entregaram esse trunfo de mão beijada ao PS, ao dizer que o PS queria a maioria absoluta e que era necessário votar nestes dois partidos, respetivamente, para que tal não acontecesse. O PS não precisava de pedir maioria absoluta, quando eram os seus próprios adversários a admitir que tal pudesse suceder.


Uma outra linha importante de campanha centrou-se na troca mútua de acusações sobre a quem cabia a responsabilidade de provocar as eleições. O PS, cumprindo inevitavelmente o seu papel, passou o tempo a acusar o PCP e o BE, acentuando vivamente a ideia de crise política e a “necessidade de estabilidade” para assim responsabilizar ainda mais o PCP, principalmente. A crise versus a estabilidade, o papão da maioria de direita, o medo de perder algumas migalhas que o PS anunciava no seu orçamento para 2022 – aliás, o PS chantageou o eleitorado com elas - determinaram a grande deslocação de votos para este partido. Pela falta de intervenção política e ideológica do PCP ao longo de todo este tempo no desmascaramento do PS, pelo crédito que lhe deu tomando-o por aliado e engrandecendo-o, pela falta de uma vigorosa luta de massas, os trabalhadores e o povo não estavam em condições de perceber o logro e a armadilha que lhes foi montada pelos interesses da burguesia.


Quando o PCP no comunicado do seu Comité Central de 01.02.22, fala na «abusiva apropriação pelo PS dos avanços alcançados na defesa, reposição e conquista de direitos, que resultaram sempre da ação determinada da CDU» , insistimos, não tem em conta que as massas aprendem pela sua própria experiência e não com propaganda (b-a-bá do marxismo-leninismo). Os “avanços” que a CDU alcançou tiveram origem no parlamento e não na luta de massas as quais não as sentiram como resultado do seu esforço.


O recuo da CDU, por muito que custe ouvir e dizer, tem a sua raiz no recuo da luta de massas neste período e no afunilamento parlamentarista da tática do partido que devia ser a vanguarda.


III O futuro


Os lugares no Parlamento estão distribuídos, o governo está a ser formado, e a situação desenrolar-se-á no quadro conhecido, do qual releva a maioria absoluta do PS e não apresenta boas perspetivas para os trabalhadores e o povo.


Nesta legislatura, a AR pode fazer uma revisão constitucional. PS e PSD têm os ⅔ de mandatos necessários para o fazer, sem falar no Chega e na Iniciativa Liberal. Todos sabemos que qualquer revisão não será para a tornar mais democrática ou para servir melhor os interesses dos trabalhadores e do povo.


O PSD pretende fazer uma revisão da lei eleitoral. PS e PSD não vão deixar os seus interesses em mãos alheias.


O Orçamento de Estado para 2022 será aquele que foi rejeitado pelo BE, o PCP e os Verdes e, portanto, estes partidos sabem que não é bom e, por isso, até o rejeitaram.


O governo tem em mãos a Agenda para o trabalho digno que irá reapresentar na “Concertação social”.

Nesta sede não há a esperar que sejam alteradas as normas gravosas do Código do Trabalho, pelo contrário, o patronato irá fazer as suas exigências às quais o governo PS acederá e vai apresentar aos trabalhadores as suas medidas num embrulho com fitas douradas. O que dali se pode esperar será algo de pior ou parecido com as leis aprovadas pelo governo que, em nome do combate à precaridade, a veio agravar mais ainda.


Os dinheiros que vêm da UE não vão ser aplicados no que mais importa, a melhoria geral das condições de vida dos trabalhadores. A título de exemplo referimos que o governo disse que vai aplicar algum desse dinheiro na construção de mais centros de saúde, em equipamentos de diagnóstico e outros. Mas, e neste “mas” está tudo, não fala na contratação de mais pessoal ou na melhoria das carreiras dos profissionais. No curto prazo, eventualmente, parece resolverem-se alguns problemas, mas os de fundo, vão ficar na mesma ou pior.


No geral, o investimento público mobilizado pelo PRR será para gastar em coisas físicas até 2026, independentemente do mérito que algumas possam ter, deixando por resolver os problemas de fundo que se agravam como a melhoria da prestação dos serviços a cargo do Estado que têm reflexos nas condições de vida dos trabalhadores. O PS não quer carregar os Orçamentos de Estado com despesas permanentes para satisfazer a UE e o grande capital financeiro que tem de cobrar os empréstimos para o pagamento da enorme dívida do Estado e os respetivos juros.


A inflação está a crescer, a energia e outras matérias-primas aumentam o preço, as guerras frias e quentes imperialistas vão fazer sentir o seu peso e o conjunto dos vários movimentos económicos vai provocar a subida geral dos preços. Os pensionistas e todos os que vivem do seu trabalho vão passar a viver ainda pior, já que os salários nominais estão congelados, apesar das “flores” que o PS vai fazer com o aumento miserável das reformas e os retroativos.


Num estudo, o economista Eugénio Rosa diz: «Neste estudo, utilizando dados recentes do INE, mostro que a inflação disparou em Portugal a partir do início do 2º semestre de 2021, e a manter-se o ritmo verificado, o aumento de preços atingirá em 2022 cerca de 5%. Tal facto associado a aumentos de remunerações de 0,9% e de pensões entre 0,24% e 1% determinará uma quebra significativa do poder de compra dos trabalhadores quer do setor público quer do privado e dos pensionistas à semelhança do que se verificou no período da “troika”» E importa referir que há décadas que o poder de compra dos trabalhadores perde terreno face ao capital.


Incompreensivelmente, o Secretário-geral do PCP, à saída da reunião com o Presidente da República, continuava a falar de “convergência” com o PS. Mas como se admite que a convergência é possível com a social-democracia personificada no PS que representa o perigo maior para a luta dos trabalhadores?


O habilidoso e demagógico António Costa poderá vir a encenar convergências com o PCP para melhor enganar os trabalhadores e mascarar-se de democrata, mas não é aceitável que aquele que se diz partido dos trabalhadores se deixe enganar. Não partir imediatamente para a luta massas, não fazer uma autocrítica e uma análise séria do que representou um entendimento com o PS ao longo destes seis anos (coisa que não se vislumbra no último comunicado do CC), insistir na “política patriótica e de esquerda” só confirmarão o rumo desviado que o PCP continua a levar.


Uma última e muito repetida referência à “alternativa democrática e patriótica”. Não se vê quem pode pôr em prática essa política e a resposta a esta pergunta o PCP nunca a deu com clareza como era sua obrigação se é que queria que essa orientação fosse levada a sério. Quiçá o PCP esperasse com os resultados eleitorais obrigar a velhinha a atravessar a estrada, isto é, obrigar o PS a fazer uma “política de esquerda” empurrado pelo PCP. Isso não o conseguiu fazer o PCP num quadro parlamentar mais favorável, muito menos conseguirá agora com a maioria absoluta do PS. Há já mais de um século que a social-democracia traiu o proletariado e tem prosseguido esse caminho de então até agora. A social-democracia há muito se converteu num inimigo dos trabalhadores. Nunca fará de boa-fé nenhuma aliança com o comunismo. Recordemos o papel do PS e de Mário Soares no 25 de abril. Lembremos o papel da Internacional Socialista na revolução democrática portuguesa, lembremos o papel da social-democracia alemã no financiamento dos contrarrevolucionários. Lembremos o papel da Federação Friederich Ebert na divisão do movimento sindical e na criação da UGT.


O partido da classe operária não pode ter uma tática que consista em empurrar a social-democracia para posições mais favoráveis à classe operária e ao povo. Com essa tática o partido de classe fica dependente dos interesses da burguesia e da pequena-burguesia. O partido da classe operária tem de fazer a sua própria política independente de classe, lutar contra o capitalismo pelo socialismo e o comunismo, ligar a luta de massas pelas reivindicações imediatas a estas reivindicações políticas avançadas.


Disse Lenine: « […] os marxistas travam a luta mais enérgica contra os reformistas, que direta ou indiretamente limitam as aspirações e a atividade da classe operária às reformas. O reformismo é um logro burguês dos operários, que permanecerão sempre escravos assalariados, apesar de determinadas melhorias, enquanto existir a dominação do capital»1


1 Lenine, V.I., Marxismo e reformismo, Obras Escolhidas em Seis Tomos, Tomo 2, Edições «Avante!», Lisboa, Edições Progresso, Moscovo, 1984











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