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MUDAR DE RUMO



 

 

O que importa ser dito sobre os resultados eleitorais de 10.03.24


Os resultados eleitorais foram um descalabro – como já vêm sido ao longo dos últimos anos – para o povo trabalhador, desta vez materializado numa subida eleitoral acentuada da extrema-direita fascista e uma descida desastrosa – mas infelizmente esperada – da CDU que, claramente, perdeu influência eleitoral, influência junto dos trabalhadores, e foi derrotada nos seus bastiões tradicionais no sul e nos concelhos urbanos onde residem muitos trabalhadores. O PS foi castigado com larga perda de votos pela sua política ao longo de oito anos (com a qual muitas vezes a chamada “esquerda”: BE, PCP, entre outros, apoiaram.


A CDU tem vindo a descer constantemente no número de votos e arrisca-se a desaparecer da Assembleia da República. Se formos honestos, estes resultados não podem ser imputados aos trabalhadores e não podem ser justificados apenas pela  “comunicação social” e pelos “preconceitos anticomunistas” a que o CC do PCP atribui larga fatia de culpas. A partir do início da contrarrevolução em nenhuma situação a comunicação social apoiou o PCP, o peso da ideologia dominante e o anticomunismo nunca estiveram afastados do ambiente ideológico em que viviam o povo e os trabalhadores.


Com isto não se nega que existiram fatores exteriores ao PCP que contribuíram para os resultados.


O que se critica é a falta de trabalho junto das massas para a sua consciencialização política, e disso cabe uma grossa fatia de responsabilidade do PCP que de há anos vem tendo uma atitude frouxa, aguada, sem critérios de classe e cúmplice que desmobiliza as massas. Este posicionamento do PCP não depende deste ou daquele CC ou deste ou daquele Secretário-Geral. Depende, sim, da sua linha política: depende do desvio de direita de que o PCP vem sofrendo e, naturalmente, significou o início do desaire eleitoral e o desaire do PCP enquanto organização da ligação às massas.


Mais uma vez não é necessário ler o comunicado da última reunião do CC para ver o PCP a esconder as suas responsabilidades ao arrepio da prática daquilo que foi um grande partido que sempre exerceu a crítica e a autocrítica como método revolucionário. Mas o que o PCP diz não é verdade. Quando o PCP era um partido marxista-leninista sofreu ataques muito mais duros da comunicação social. Tendo deixado de o ser é até tratado com alguma benevolência por aqueles que, antes, tanto o atacaram. Há dirigentes do Partido com colunas nos jornais, a jornalista São José Almeida calou-se, e há muito mais exemplos*.


Isto é, a própria comunicação social avaliza o PCP como um partido do sistema.

 

Claramente, esta votação em força no Chega e a diminuição da abstenção mostra um desejo de intervenção e mudança política, mostra um grande descontentamento e mal-estar das massas e a procura de soluções radicais que elas interpretaram como estando nas palavras de ordem desse partido, cujo radicalismo se traduz num salto em frente para o aumento da exploração, a rápida retirada direitos e a limitação das liberdades.


Concluindo: cabe a todos os partidos a responsabilidade de não terem feito um desmascaramento a fundo do partido de Ventura. Nunca alguém o nomeou como fascista**, ninguém denunciou os escroques que integravam as suas listas - muitos deles conhecidos bombistas dos anos de 75 no norte do país, empresários da noite metidos em negócios escuros, outros acusados de violência doméstica e de negócios ilícitos, não obstante esse partido fazer do combate à corrupção a sua bandeira; ninguém denunciou a sua ligação às forças fascistas internacionais; a origem dos seus financiamentos (honrosa exceção de um artigo publicado na revista Visão).


O PCP seguiu a política da avestruz, dizendo que falar do Chega era dar-lhe protagonismo, coisa inadmissível num partido que sofreu às mãos dos carrascos fascistas.


Porquê o descontentamento das massas?


O profundo descontentamento das massas tem várias ordens de razões. A principal é a degradação constante das suas condições de vida: salários de miséria, pensões de miséria, perda do poder de compra dos salários, dificuldades de acesso e degradação dos serviços públicos como a saúde e a educação, a justiça, a falta de habitação, o preço exorbitante das rendas de casa e das prestações aos bancos, a incerteza do futuro para os jovens, a recusa da satisfação das justas reivindicações de vários setores da administração pública, como os professores, o constante favorecimento das forças capitalistas, os lucros obscenos dos monopólios, enquanto “não havia dinheiro” para as necessidades dos trabalhadores, etc.


Outra, no plano político, foi a desilusão com a já referida e chamada “geringonça” que muitos trabalhadores esperavam que resolvesse alguma coisa. A “maioria de esquerda” foi um desastre porque não conseguiu resolver nenhum daqueles problemas. Se alguém pensou que as creches gratuitas, livros (e não manuais de fichas) e o passe social bastavam para melhorar as condições de vida do povo, enganou-se redondamente, porque veio a inflação e comeu tudo. Este é o destino das reformas parciais no sistema capitalista. Assim, os apoiantes integrantes da geringonça, PCP e BE ficaram colados à política de direita levada a cabo pelo PS.


Também se começou a perder a confiança na CDU como possível solução para os problemas dos trabalhadores. O problema de base nesta questão reside no facto de o PCP encaminhar exclusivamente para o parlamento a satisfação das reivindicações das massas. Exemplos do que se pretende dizer são as afirmações: “Podem contar sempre com o PCP”, “Levaremos ao parlamento as propostas do vosso interesse”, “estaremos sempre ao lado dos trabalhadores”, “apoiaremos todas as propostas políticas positivas, mas não deixaremos de votar contra as negativas” e outras semelhantes. Um partido de classe não pode enganar os trabalhadores prometendo que vai resolver isto e aquilo dando a ideia que o parlamento burguês é a solução, quando só a luta de massas pode impor alguma coisa. É o b-a-bá da luta de classes. Além disso, o dever de um partido comunista, de um partido de classe é estar à frente da classe e não ao lado (ou atrás) da classe, é educar a classe através da ação. O desastre dos resultados eleitorais é a prova acabada de que o PCP se dedicou a mistificar as massas e não a elevar o seu nível político e consciência de classe.

 




 

A falta de confiança no PCP e na CDU, baseia-se na constatação óbvia para o mais comum dos mortais de que os 4 (ou 6, como na última legislatura) deputados da CDU não têm nenhuma força para impor soluções no quadro parlamentar. A aventura da “geringonça”, que nada resolveu é a demonstração de que aquele entendimento só serviu para enganar as massas e para o contínuo empobrecimento do PCP (estando ainda por fazer a história da conclusão dessa aliança espúria formada à revelia do CC do PCP que só a sancionou numa reunião posterior) O resultado foi a exasperação das massas contra as políticas do PS com o PCP a apoiá-la. Oresultado foi o que se viu.


De resto, se se perderam eleitores da CDU para o PS a título de voto útil, tem de ser imediatamente dito que foi o PCP que credibilizou o PS como partido de esquerda e não o desmascarou como partido do capital. O fim da ilusão criada gerou ainda mais desespero das massas com as políticas do PS a criar cada vez piores condições à vida de quem trabalha e por isso também foi castigado com uma enorme perda de votos. A coligação AD, diga-se, também não teve resultados de espantar.


Os 103 anos de história do PCP estão a ser vilipendiados


Outra consequência bem mais gravosa, é a perda de confiança no PCP que, como antigo dirigente dos trabalhadores, não promoveu a luta de classes contra a política do PS a favor do capital, antes promoveu a conciliação de classes com expressão política rematada na “geringonça”. A combatividade do movimento sindical com honrosas exceções, não há dúvida de que foi profunda e propositadamente influenciada por esta ordem de coisas.


Assim, de uma penada, se desbarataram centenas de milhares de votos antes confiados à CDU e ao PCP, veio novamente à luz do dia que o PCP não tem nenhum posicionamento de classe, ao invés, promove a conciliação de classes, que se esqueceu do socialismo, que abandonou o marxismo-leninismo e o internacionalismo proletário, bandeiras de um partido com mais de 100 anos que resistiu a 48 anos de fascismo, que custou centenas de vidas e incontáveis dias de liberdade a muitos comunistas e antifascistas e que, por isso, contribuiu para o 25 de abril como mais nenhuma outra força. As juras de fidelidade aos antigos princípios que o PCP faz nos seus papéis e nos seus discursos, hoje, só servem para enfeitar.


Todos os comunistas deviam sentir uma profunda vergonha pelo “apoio” que foi dado à CDU pelos “renovadores”. Foi uma atitude completamente hipócrita e cínica – ou talvez não – mas o Secretário-geral não só aceitou esse apoio como disse sentir-se “honrado com a presença desses ex-comunistas”, se alguma vez o foram. Os “renovadores”, no seu tempo, pretendiam a social-democratização do PCP, o abandono do marxismo-leninismo e do socialismo e alianças com o PS. É tudo aquilo a que assistimos agora e que implicou mudar radicalmente o funcionamento do Partido e o abandono do centralismo democrático.


Passados mais de 20 anos sobre a derrota que muitos militantes do Partido estavam  convencidos de lhes ter imposto no XVI Congresso, ei-los a voltar e alguns deles já integrados em organismos do Partido e delegados a congressos.


Sublinhe-se que a questão que consideramos fundamental não é a perda de votos. É que essa perda tem um significado muito mais profundo: a queda do prestígio e da confiança que historicamente, e com toda a razão, o PCP tinha junto dos trabalhadores e que vem gradual e progressivamente perdendo porque não apresenta a solução mais radical de todas e que é a única que resolve o problema dos trabalhadores, de toda uma sociedade: o socialismo e o comunismo.




 

O imperialismo aguça as suas garras


O capitalismo está a atravessar uma profunda crise económica e a previsão é que esta se continue a aprofundar, vendo o militarismo e os tambores de guerra que começam a rufar nos EUA e na UE com a guerra da Ucrânia e na Palestina (anteriormente no Iraque, no Afeganistão, na Líbia ou na Síria) e o fortalecimento da NATO. Simetricamente, as potências que se opõem ao imperialismo ocidental sob a liderança dos os EUA, começam também a fazer rufar os seus tambores de guerra e rearmam-se. Quem pagará com a fome, a guerra, a morte e a doença a fatura da crise imperialista são os trabalhadores e os povos dos blocos imperialistas.


As massas populares não são cegas e procuram uma resposta radical para estes problemas. Radical porque estão a verificar que a democracia burguesa parlamentar já não responde às suas necessidades. Em sucessivas eleições o povo coloca o seu voto na urna e nada muda, tudo se agrava. No entanto, politicamente inconscientes, elas não conseguem alcançar esta compreensão e vão votar no Chega, como quem vai na procissão à capelinha à procura de um milagre. E isto acontece porque os seus  dirigentes abandonaram a ideologia revolucionária e estão conformados ao sistema capitalista.


Ninguém diz às massas que a democracia socialista é cem vezes mais democrática do que a democracia burguesa. Há quem chame “neoliberalismo” às políticas dos governos mais reacionários, mas não é o “neoliberalismo” que é preciso combater é todo o capitalismo como sistema de exploração seja ele liberal, neoliberal, de centro-direita de centro-esquerda, o que se quiser, para iludir a verdadeira questão que é a necessidade impreterível de combate ao capitalismo que se encontra na sua fase imperialista e terminal.


Ninguém aponta às massas a saída para o socialismo, única via para acabar com exploração. A ideologia burguesa aproveita-se da derrota do socialismo no leste da Europa para dizer que o socialismo passou à história, apontando-o perante as massas como um erro ou até um crime. Porém, é o capitalismo que está em derrocada e a revolução socialista está na ordem do dia. Muitas foram as conquistas alcançadas pelos trabalhadores sob o capitalismo fruto da existência do socialismo, nalguns casos, um século depois ou mais. Não apontando o socialismo, a resposta “radical” que as massas laboriosas e, em particular muitos jovens, foram encontrar no Chega  é, afinal, o caminho absolutamente oposto daquele que pensam estar a trilhar. A mentira, o reacionarismo e a natureza completamente fascista do Chega não foi desmascarada na campanha eleitoral, também porque convinha a algumas forças.



 

 

A fraqueza do partido que tem o nome de comunista


Por fim, falemos da responsabilidade do partido que se reclama dos trabalhadores. É nítido que o PCP vem perdendo força social, mesmo fora dos momentos eleitorais e vem também preocupantemente a perder a força das suas organizações. Isso deve-se fundamentalmente à sua tática e à sua estratégia que se manifesta mais além destas e outras eleições.


O PCP abandonou o socialismo e trocou-o por uma “democracia avançada” que não diz nada a ninguém e que ninguém entende. Concomitantemente, a tática, no plano político foi a via parlamentar da resolução dos problemas e a procura de uma “maioria de esquerda” parlamentar e governamental. Isso concretizou-se na aliança com o PS e o BE na “geringonça” e que deu os resultados que todos conhecemos. As massas já tinham tido a experiência e não acreditaram, logicamente, nesta tática, mesmo tendo o PCP/CDU, nestas eleições, mostrado vergonhosamente toda a disponibilidade para mais um entendimento com estas forças caso o PS vencesse as eleições.


O PCP faz a análise de uma situação noutro planeta. Não só está fora da realidade na avaliação que faz, como repete o que diz em todas as resoluções do CC e, sobretudo, não faz qualquer autocrítica. É perfeito: vê-se. De tudo o que aconteceu nada é imputável ao PCP, o PCP foi uma vítima dos seus inimigos, o PCP fez tudo bem e não tem nada a mudar nem na sua linha política social-democratizante, nem na independência da sua atitude de classe, nem na forma como aplica aquilo que diz ser centralismo democrático ou na forma como diz aplicar os seus Estatutos.


E, para não nos alongarmos, acrescenta-se que o PCP fala do 25 de abril como se ele ainda existisse, confundindo a “democracia burguesa” ou ditadura da capital que temos hoje, com a democracia que se começou a encaminhar para o socialismo até 25 de novembro de 1975 e foi miseravelmente traída, em primeiro lugar, pelo PS.


A democracia do 25 de abril assentava nas nacionalizações e na Reforma Agrária, na intensa atividade dos sindicatos, no Controlo Operário, nas Comissões de Trabalhadores, nos Conselhos de Trabalhadores, nas Assembleias Populares, nos Comités de Defesa da Revolução, nas Comissões de Moradores. Onde está hoje essa democracia?


O PCP acredita que a democracia burguesa de hoje é a democracia profundamente popular do 25 de abril, que pode ser regenerada com uma “alternativa patriótica e de esquerda” e faz da Constituição, adulterada e vazia das principais conquistas de abril, o seu Programa de partido. Ocorre-nos a metáfora da dor do membro fantasma (de que sofre uma pessoa que sente dores no braço ou perna que perdeu).


Tudo isto é demasiado mau, mas a direção do PCP encontra-se em estado de negação completa e enterra a cabeça na areia como as avestruzes. O cérebro é que comanda o corpo. Nada mais certo. A responsável pela situação é a direção do PCP que conduziu o Partido a este estado. Os militantes, é a ela que têm de pedir contas e rapidamente. Mas os militantes, em geral, têm fechado os olhos a muita coisa e isso é mais um fator que contribui o enfraquecimento do PCP. Têm também uma grande responsabilidade e devem obrigar os dirigentes à discussão, ao princípio da direção coletiva e a regressar às suas origens políticas e ideológicas, senão, já não falta muito, o último a partir fecha a luz.


Os militantes comunistas não podem aceitar esta situação com o espírito do mártir que aguenta tudo em nome da sua fé inabalável. A confiança nos dirigentes não pode sere cega. Ser mártir e ficar calado quando vê o partido autodestruir-se? A construção do socialismo não é uma fé para crentes, é uma ciência. A revolução não se faz com flagelações e penitências, faz-se com coragem e cultura política marxista-leninista.


 

Notas:

No Público, a nossa “amiga” São José Almeida entre outros:  

** O BE levou esta questão a tribunal e à AR mas a deputada Isabel Moreira do PS  respondeu que “Portugal era uma democracia”.

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