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NOVO CONGRESSO – OS MESMOS ERROS (I) 



O PCP vai realizar o seu XXII Congresso em dezembro. As teses que estão a ser submetidas à discussão dos militantes enfermam dos mesmos erros da resolução do XXI Congresso, como não podia deixar de ser, perante a total ausência de discussão político-ideológica.  Esses erros estão em linha com o Programa aprovado em 2020 no XXI Congresso. 

À partida, podemos afirmar, sem receio de errar, que a discussão será extremamente deficiente por diversas razões. A mais importante é de natureza organizativa. A organização encontra-se muito debilitada, muitos organismos deixaram simplesmente de reunir, outros cujas reuniões há longos meses não são convocadas. Segue-se uma outra que se prende com o (não) exercício do centralismo democrático. Muitos militantes afastaram-se por considerarem que a sua opinião não é levada conta e os que manifestavam opiniões discordantes das da direção foram liminarmente afastados há bastante tempo. Uma terceira razão é a debilidade ideológica que leva muitos membros do Partido a não darem a devida importância ao debate preparatório do Congresso e/ou confiarem completamente na direção. 

Dito isto, vamos às questões de substância. 

 

1.A situação internacional. O imperialismo. O mundo “multipolar” 

O imperialismo é o estádio de desenvolvimento em que se encontra o capitalismo atualmente. Lenine fez a análise das características desse estádio de desenvolvimento e essas características correspondem exatamente à observação do desenvolvimento do capitalismo de hoje, mostrando o rigor científico da análise de Lenine em 1916 em O Imperialismo fase suprema do capitalismo. 

Hoje a situação do capitalismo corresponde à exponenciação dessas características. 

Lenine afirmou ainda que esta é a última fase do modo de produção capitalista a que se seguirá, pelas leis do materialismo histórico, o novo modo de produção, o socialismo, isto é, o capitalismo será a última forma que a história concede aos modos de produção classistas, a forma da existência de todos os modos de produção anteriores, à exceção do comunismo primitivo. 

Lenine combate com toda a força das evidências da sua teoria, a conceção de Kautsky sobre o imperialismo. Considera este último, como hoje se poderia dizer, que o imperialismo era o fim da história. 

Kautsky considerava como imperialismo apenas a agressividade militar de algumas potências. Se várias potências aumentassem o seu poderio de modo a que se estabelecesse um único “imperialismo”, então passaria a haver o funcionamento harmonioso do mundo, reinaria a paz, a concórdia e a harmonia. Chamava-lhe ele o “ultra-imperialismo”. Qualquer pessoa hoje só pode rir-se disto. Mas não, esta conceção não está tão morta como se poderia imaginar. 

Enquanto existiu o sistema socialista mundial, de facto, as potências capitalistas ocidentais imperialistas, tendo os EUA e a NATO à cabeça, foram as únicas agressivas, o Pacto de Varsóvia era de natureza defensiva. Tomem-se como exemplo “apenas” as duas guerras mundiais interimperialistas. Desde a derrota do socialismo no leste da Europa a situação modificou-se completamente. 

Depois de esperar em vão que a Rússia se juntasse ao bloco imperialista ocidental e não prosseguisse objetivos imperialistas próprios, depois de a China se ter tornado uma potência que em quase todos os campos já está ao nível dos EUA e nalguns os ultrapassa, com a instalação da crise iniciada em 2008, os EUA e também a UE, estão a perder o seu protagonismo resultante da diminuição do seu poderio económico e militar.  A estratégia monopolista imperialista ocidental está a sofrer profundas alterações, levando a uma rearrumação de forças no mundo.    

No modo de interpretar essa rearrumação de forças é que está o busílis. As teses do XXII Congresso do PCP consideram como imperialistas, por serem militarmente agressivas, apenas as potências ocidentais e entre elas os EUA, e consideram que há que combater esse imperialismo. Falam de provocações e complôs contra a China. Criticam a guerra na Ucrânia sob a perspetiva de um ataque imperialista da NATO à Rússia. Atacam os agrupamentos imperialistas como o AUKUS e o QUAD por se oporem à China. 

Retomam a velha nomenclatura, do tempo em que ainda existia o sistema socialismo, dos países em vias de desenvolvimento e para combater o “imperialismo” (entendido no sentido restrito de potências militarmente agressivas) depositam esperanças em organizações capitalistas como o BRICS, a Organização para a Cooperação de Xangai, ou a ALBA-TCP e consideram positivo para o mundo a emergência da China e da Rússia como potências que se contrapõem ao capitalismo ocidental e irão derrotá-lo. 

O que as teses não fazem é criticar com princípios de classe e fidelidade ao materialismo histórico e ao marxismo-leninismo, a natureza capitalista de todas estas agremiações, cujo propósito é obterem posições mais favoráveis para as suas burguesias na concorrência com os EUA e a UE. E tem ainda de se dizer que as mesmas potências fazem parte de várias alianças económicas e político-militares ao mesmo tempo. E que dentro dessas alianças existem interesses concorrentes que se digladiam entre si. 

A rearrumação de forças a nível mundial é simplesmente, depois da derrota do socialismo, o salto no desenvolvimento capitalista da China e o aparecimento de novos polos capitalistas, candidatos a obterem os espaços que o imperialismo ocidental se vê forçado a abandonar pela concorrência das outras associações imperialistas que, aliando-se, conquistam massa crítica para concorrer com os EUA  e seus aliados na procura de novos mercados, matérias-primas, vias globais de transportes de mercadorias, de energia e de comunicações, domínio de territórios. Não representa qualquer alternativa para países que se querem libertar da dependência económica, como as teses afirmam. 

Nestas novas associações capitalistas todos os países são capitalistas e seguem essa via de “desenvolvimento”. Atentando apenas no BRICS veja-se: o Brasil é capitalista e a classe operária e o povo brasileiro não encontram agora em Lula  nada de diferente, nas suas condições de vida,   do que tiveram com Bolsonaro; a Rússia é capitalista; a Índia também o é e tenhamos presente a super exploração dos seus trabalhadores e as suas degradantes condições de vida; a África do Sul, depois da luta heroica do seu povo pela libertação do colonialismo e do apartheid, afunda-se no capitalismo explorador do seu povo e das suas matérias-primas. Finalmente a China. Já quase ninguém a considera socialista. A sua economia assenta em monopólios privados gigantescos e na pobreza dos operários explorados no seu país e noutros. 

Seja na América Latina, em África, na Ásia, os capitais exportados pela China e a Rússia visam obter posições económicas e geoestratégicas para o capital dos seus países sem se preocuparem com os respetivos povos. Na grande maioria das situações não agridem militarmente, é certo, mas dominam, e os povos não podem retirar daí qualquer esperança para o desenvolvimento independente de acordo com as suas necessidades. Em África, países “ajudados” pela China continuam a explorar as minas de onde sai matéria-prima, agora para a potência asiática, com trabalhadores quase escravos nas piores condições de trabalho. Em Portugal, ainda não se viu a China Three Gorges a preocupar-se com os salários dos trabalhadores da EDP. Estas “ajudas” são tudo menos internacionalismo proletário. 

Mais adiante não haverá um ultra-imperialismo pacífico e harmonioso como Kautsky anunciava para enganar os trabalhadores: haverá novas disputas entre os polos imperialistas, dentro dos polos imperialistas e continuará a exploração das massas trabalhadoras se, entretanto, elas não se levantarem em luta pelo socialismo. 

 

O marco nacional da luta e o internacionalismo proletário 

As teses para o Congresso não perdem mais uma oportunidade de afirmar “o marco nacional da luta como determinante de luta e a afirmação e exercício da soberania nacional como condição para a defesa e conquista de direitos, para promover o desenvolvimento económico e social, para o avanço dos processos de transformação”. 

Efetivamente, ensina-nos o marxismo-leninismo que o marco acional da luta é determinante. Em cada nação a classe operária lutará contra a respetiva burguesia. Porém, o PCP preocupa-se demais com o “marco nacional” e de menos com o internacionalismo proletário. Esconde-se atrás do “marco nacional da luta” para disfarçar a sua não participação em iniciativas do movimento comunista que procuram cooperar no sentido do agrupamento das forças comunistas.  Na tese acima referida, não se sabe quem é que exerce a soberania nacional, o que é o desenvolvimento económico e social e de que processos de transformação se está a falar.  A ausência de um conteúdo de classe, de metodologia materialista dialética nos conceitos de “soberania nacional”, de “avanço dos processos de transformação” colocados “abstratamente”, leva a uma única conclusão: desejam reformar o capitalismo. Apesar de afirmar que a “questão nacional” está interligada com a “questão de classe” (?) não existe uma única característica de classe em todos estes conceitos. Por isso, podemos licitamente afirmar que, no entendimento das teses, a soberania é exercida pelo proletariado e pela burguesia ao mesmo tempo, o que é um autêntico disparate, que eventualmente a burguesia é patriótica, uma falsidade, que debaixo do “desenvolvimento económico e social”, por debaixo do “avanço dos processos de transformação” estão as esperanças num capitalismo reformado e melhorado. 

A expressão “internacionalismo proletário” não se encontra uma única vez neste capítulo. O internacionalismo proletário é o contrário de pôr a classe operária portuguesa a defender a burguesia da China, da Índia da Rússia, etc., contra a burguesia dos EUA ou da UE, e não os seus irmãos de classe destes e doutros países que é o que resulta do que está escrito nas teses. 

Mais ainda, admitir alianças da classe operária com “outras classes” - quais classes, pode subentender-se as burguesias “nacionais”? - em defesa da soberania como forma de resistência ao “imperialismo” é um absurdo. Definam-se, tenham coragem e digam se o que defendem é mesmo a aliança com a burguesia, ou partes imaginárias dela, contra o “imperialismo” como elas o definem. 

Nas condições históricas do presente e tendo em conta a experiência histórica que hoje é possível observar com distância, não se pode lutar contra o imperialismo sem se lutar contra o capitalismo. O capitalismo hoje é imperialista. A luta anti-imperialista tem de ser obrigatoriamente anticapitalista e não vemos que as teses reflitam este posicionamento. 

 

Sobre o movimento comunista e revolucionário internacional 

As teses traçam alguma crítica a práticas liquidacionistas e social-democratizantes de partidos que ainda se auto-intitulam comunistas, o que está correto. Porém, as teses estão muito longe de refletir as reais dimensões das principais dificuldades do movimento comunista no presente momento histórico, que residem no oportunismo que se foi infiltrando nas suas fileiras que o impedem de conduzir a classe operária ao cumprimento da sua missão histórica. 

É certo também, e isso é um estímulo a todos os que defendem a revolução socialista, que novos partidos comunistas se estão a criar numa base teórica e prática correta, fruto das necessidades dos trabalhadores terem um instrumento para desenvolver a luta de classes numa base científica. 

Mas as teses conseguem dar muito mais destaque ao combate das posições revolucionárias representadas por alguns partidos comunistas e, em primeiro lugar o Partido comunista grego, nunca nomeado, do que ao combate ao oportunismo que graça nas fileiras do movimento operário. Sabe-se que se trata do KKE, porque ao longo dos anos o PCP se vem dedicando ao combate a esse partido por meio de campanhas caluniosas dentro e fora da organização. 

Porém, não se trata apenas do KKE, mas de um núcleo de partidos comunistas que se tem batido pela reconstrução do movimento comunista internacional em sólidas bases marxistas-leninistas:   o Partido Comunista do México, o Partido Comunista Turco e o Partido Comunista dos Trabalhadores de Espanha, em confronto com o grande conjunto dos partidos oportunistas. 

E as críticas do PCP a esses partidos, parecem mesmo aquelas que, antigamente eram dirigidas contra o PCP: conceções dogmáticas e sectárias, imposição de modelos únicos de transformação social (que transformação social: será o socialismo ou capitalismo “melhorado”?), a consideração da tomada de poder da classe operária como tarefa universal imediata, centralização organizativa e homogeneização política e ideológica no movimento comunista; divisionismo; métodos de atuação que não respeitam várias coisas entre elas a franqueza e solidariedade recíprocas, para abreviar. Tudo isto são falsidades e o PCP sabe-o bem. 

Voltaremos a essas divergências mais adiante. 

Os partidos referidos também discordarão da linha política do PCP. Há visões que não são compatíveis, entre elas a oposição entre oportunismo e socialismo científico. Lenine dizia o oportunismo era o fruto do imperialismo e que este não se pode combater sem combater o oportunismo. 

As teses voltam a apelar à construção de alianças sociais e políticas para que seja alcançado o recuo dos setores mais reacionários e se combata o imperialismo norte-americano e os seus aliados. Mas, mais uma vez, não dizem que alianças sociais e políticas são essas. É com uma parte da burguesia, é com a social-democracia? Não ficamos esclarecidos. A menos que se pretenda esconder alguma coisa. 

Entretanto, é com os partidos mais oportunistas com quem o PCP se relaciona melhor. Basta ver na Festa do Avante, o destaque dado ao PT, ao PCdoB e o pouco destaque atribuído a outros partidos “sectários e divisionistas”.   

 

As atuais formas de coordenação do movimento comunista internacional 

É completamente claro que, para levar ultrapassar as extraordinárias dificuldades que se colocam perante os trabalhadores e os seus partidos comunistas, existe a necessidade imperiosa de se procurar convergência e a coordenação das forças revolucionárias. 

Os Encontros dos Partidos Comunistas e Operários (EIPCO) deixaram de ter efetividade prática tais as divergências existentes no seu interior, apesar de poderem ter ainda alguma utilidade. 

Existe um espaço de cooperação, a Ação Comunista Europeia de que o PCP não faz parte. Integram essa organização os seguintes partidos:  Partido do Trabalho da Áustria, o Partido Comunista dos Trabalhadores – pela Paz e o Socialismo (Finlândia), o Partido Comunista Revolucionário da França, o Partido Comunista da Grécia, o Partido dos Trabalhadores da Irlanda, a Frente Comunista (Itália), o Novo Partido Comunista dos Países Baixos, o Partido Comunista dos Trabalhadores da Espanha, o Partido Comunista da Suécia, o Partido Comunista Suíço, o Partido Comunista da Turquia e a União dos Comunistas da Ucrânia. (Pode ler-se na rede os princípios orientadores desse espaço de cooperação e coordenação). 

O PCP também não participa na Revista Comunista Internacional. 

Por fim, foi recentemente criada uma organização de partidos que se afirmam comunistas e outros, incluindo sociais-democratas, a Plataforma anti-imperialista (PMAI), promovida e financiada pelo P.C. da China e que tem realizado reuniões em vários locais do globo. Esta Plataforma é uma organização oportunista que considera imperialistas apenas as potências capitalistas ocidentais, e esconde a existência de outros polos imperialistas, como a China e a Rússia. Esta plataforma também visa combater as posições dos partidos comunistas consequentes, provocar a divisão e promover a confusão. 

Sobre estas matérias, as organizações do PCP nada conhecem (a menos que leiam documentos alternativos on line), as teses nada informam, nem prestam contas da posição do PCP face a elas.   

 

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