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NOVO CONGRESSO OS MESMOS ERROS (IV) 


A ALTERNATIVA PATRIÓTICA E DE ESQUERDA, A DEMOCRACIA AVANÇADA E O SOCIALISMO 

 

Não se sabe muito bem porquê, mas as teses para o XXII congresso do PCP repetem no seu  5º Capítulo as linhas gerais da sua tática e estratégia que constam inteiramente do Programa em vigor adotado no XXI Congresso, como se o trabalho político-ideológico tivesse por método pedagógico a repetição enfadonha das mesmas ideias vazias, utópicas e carentes de uma abordagem de classe marxista-leninista. 

 

Transcrevemos o 1º parágrafo do referido capítulo, a partir do qual é possível refutar tudo o que está expresso nesse capítulo. 

 

«O XXII Congresso inscreve como objetivos políticos do PCP, no momento atual, a rutura com a política de direita, a defesa do regime democrático, a afirmação da política patriótica e de esquerda e a construção da alternativa política, indissociáveis da Constituição da República Portuguesa e os direitos e projetos que consagra.» 

 

A democracia, o Estado e a Constituição 

 

Mais uma vez aparecem os conceitos  abstratos de “democracia” e “regime democrático” despidos de todo e qualquer conteúdo de classe. Não há dúvida de que as teses vivem na ilusão de que  em Portugal se vive num regime democrático diretamente saído da revolução de abril. O marxismo-leninismo veio a introduzir a definição científica da democracia como a ditadura da classe no poder. Desaparecidas as classes, a democracia desaparecerá também enquanto Estado. Não tendo o poder passado das mãos da burguesia para as do proletariado, não sendo o Estado uma ditadura do proletariado, a democracia, como regime vigente em Portugal, é a democracia burguesa, a ditadura da classe burguesa. Assim, PCP e as suas Teses para o XXII Congresso continuam a defender a democracia burguesa, com a desculpa de que a democracia é a mesma que saiu da revolução de abril. Porém, temos de ter em conta que a democracia de abril nunca foi uma democracia proletária. 

 

Brada aos céus que seja afirmado que «Os interesses do capital e do trabalho são antagónicos» e, portanto, «o Estado deve tomar partido pelos trabalhadores». Esta afirmação demonstra a mais pura negação da teoria marxista-leninista do Estado. E a teoria marxista-leninista de “Estado” corresponde à realidade objetiva de que um Estado burguês jamais tomará partido pelos trabalhadores, precisamente porque, como dizem as Teses «os interesses do capital e do trabalho são antagónicos». A natureza abstrata que a ideologia burguesa confere às noções de democracia e Estado é aquilo que o socialismo científico veio pôr a nu e a arrasar. Essa abstração só serve os interesses da burguesia para esconder o caráter abominável da sua ditadura. 

 

E hoje, até mais que no século XIX e nos inícios do século XX, com o monstruoso aparelho ideológico do capital a crescer, a democracia burguesa é vendida às massas como o melhor dos regimes do mundo, eterna e imutável, e em seu nome se lançam as mais horrendas guerras imperialistas. Esta democracia não pode ser defendida, o proletariado tem de encaminhar a sua luta contra ela, pela democracia proletária, a mais democrática de todas as ditaduras de classe. 

 

Às massas, a ideologia burguesa apresenta o socialismo e as suas grandes conquistas como a mais feroz ditadura. As grandes conquistas do socialismo, a contribuição do socialismo na derrota do nazi-fascismo, a contribuição do sistema socialista, só pela sua existência, para travar as investidas do capitalismo e do imperialismo, sim, isso era necessário usar, pelo proletariado, na guerra ideológica de classes para armar a classe trabalhadora com a ideologia marxista-leninista e perspetivar o futuro em que os principais problemas dos trabalhadores serão resolvidos pelo fim da exploração capitalista. Mas não é essa a direção apontada pelas Teses. Por muito que custe dizer e ouvir, as teses defendem a ditadura do capital travestida de democracia em abstrato. 

 

Além disso, como já afirmámos e o PCP reconhece, o regime democrático saído do 25 de abril não é a “democracia” de hoje. Onde está o direito ao trabalho? O direito a um salário digno? O direito à contratação coletiva? O direito à greve? O direito à liberdade sindical? O controlo operário sobre a vida das empresas? Os direitos à saúde, à educação, à habitação, à cultura? Onde está o direito à livre expressão de opinião com uma comunicação social ao serviço da burguesia? 

 

Todos estes males são atribuídos pelo PCP  e as Teses à “política de direita”, mas eles devem ser atribuídos ao capitalismo com políticas de direita ou de esquerda que desembocam naquilo  que todos sabem: a continuação da exploração dos trabalhadores e o aumento do poderio do capital e das suas máquinas de dominação. 

 

No entender das Teses, a política patriótica e de esquerda deve «inscrever a soberania e independência nacionais como objetivo central» e «Garantir o controlo público dos setores estratégicos da economia libertando-a da ação dos monopólios e dos oligopólios». Pergunta: como é que os oligopólios e os monopólios se vão deixar controlar? Como é que o país pode recuperar a soberania quando está na base da pirâmide imperialista isto é, quando as mais poderosas potências, no topo, esmagam e exploram as nações mais fracas, como Portugal, que estão em baixo? 

 

Isto é pura demagogia. 

 

Vale a pena registarmos aqui as palavras de um banqueiro, numa cimeira de banqueiros realizada em 05.11.2024 e transmitidas pela RTP: «Para um país da dimensão de Portugal, só podemos ser grandes ou termos empresas grandes se nos inserirmos num quadro global, num contexto de economia mundial globalizada». Ora aqui está a “soberania nacional”! 

 

A política patriótica e de esquerda 

 

Como é que se rompe com a política de direita e os interesses do grande capital? Com os governos do PS ou do BE não será, a menos que se pretenda apenas «a promoção da justiça e do progresso social» ou «a prevenção e o combate à pobreza» como ditam a doutrina social da Igreja e as Teses do PCP.  Talvez ele, sem o dizer abertamente, veja a solução da quadratura deste círculo se vier a integrar uma maioria de esquerda parlamentar ou governativa para praticar a tal “política de esquerda”. Enfim, a lição da “geringonça” esclareceu as massas a esse respeito, ainda que não, lamentavelmente, o PCP que não desiste do seu sonho de estar um dia no poder a governar o capitalismo. 

 

Todos os objetivos que definem a “política patriótica e de esquerda” não passam de desejos – de voluntarismo – como o PCP gosta de dizer quando critica os outros. 

 

«Os valores e conquistas de abril», assim como o cumprimento da Constituição, dizem as teses, são a principal referência da política patriótica e de esquerda. Recordemos que o 25 de abril foi uma revolução e foi ela que impôs  as suas conquistas. Os “valores” não sabemos o que são. As grandes conquistas de abril, como não nos cansamos de dizer, estão reduzidas às possibilidades consentidas pela democracia do capital, moderadas apenas quando a luta de massas limita a sua margem de manobra. Atente-se, por exemplo, nas intenções já manifestadas pelo governo de alterar o direito à greve dos trabalhadores da Administração Pública tal como aconteceu com um governo PS ao criar os serviços mínimos para todos os setores. 

 

Propõe o PCP uma nova revolução? Essa seria a única possibilidade material de essas conquistas serem retomadas e alargadas. E para que as conquistas não voltassem para trás com um 25 de novembro qualquer, só um Estado proletário, a ditadura do proletariado as poderia defender como não aconteceu com o 25 de abril. Todos os outros modos são utópicos e enganadores. Mas não, o PCP propõe a “política patriótica e de esquerda” e, no seu seguimento, a “democracia avançada”. 

 

 

Para “Valorizar (que significa isto?) o trabalho e os trabalhadores” (não para lutar contra a exploração capitalista), para “Assegurar o bem-estar e uma Administração pública e serviço públicos ao serviço do Povo”, para “Promover o desenvolvimento económico geral”, para 

“Assegurar um País coeso e equilibrado e a preservação da natureza”, para “Reforçar a democracia para recuperar instrumentos de soberania e afirmar a independência nacional”, para “Promover a cooperação internacional e a Paz”, segundo as teses, têm de se conjugar dois fatores: a luta de massas e a convergência de democratas e patriotas. 

 

A luta de massas está enfraquecida desde que ela se remete a objetivos apenas económicos e desde que o movimento sindical, na esteira do que aconteceu com o PCP, perdeu todo o seu conteúdo ideológico e pouco ou nada contribui para a consciencialização da classe (a isto há a acrescentar as ilusões criadas nos trabalhadores pela aliança do PCP com o PS). As Teses consideram mesmo que as organizações de massas dos trabalhadores servem para «elevar a democracia participativa»(!), não para desenvolver a luta de classes. A “democracia participativa” não precisa de confrontar o proletariado com a inevitável conclusão de que a resolução dos problemas de fundo só será encontrada no derrubamento do capitalismo. Além disso, para uma mudança radical da situação vigente, não basta a “luta de massas” simplesmente. É necessária uma luta de massas política, revolucionária, disposta a tomar o poder através um Estado proletário e  conquistar o socialismo. 

 

Para fazer reformas no capitalismo, para a ”democracia participativa”, aquilo a que o PCP se limita a aspirar, talvez bastem «lutas de massas» por objetivos económicos. 

 

A «convergência de democratas e patriotas» levará à formação de um «governo patriótico e de esquerda» para romper com a política de direita e «cumprir a Constituição» A Constituição é uma Constituição burguesa! É isto o que quer o PCP:   o horizonte da luta de massas nos limites dessa lei. 

 

E quem são e onde estão “os patriotas” e quem são as pessoas ou organizações de esquerda, não é explícito. O que o pensamento vulgar, burguês, arruma sob o chapéu de chuva da “esquerda” são o PS, o BE, o Livre, e o PCP, não há outras formações político-partidárias. Com esta teorização o PCP insiste na solução suicida de participar num governo burguês, num governo com o PS. Dizem mesmo as Teses que «sendo indispensável à construção da alternativa, o PCP é indispensável a um governo que lhe dê expressão». Ao invés de se preparar para cumprir o seu papel de  dirigente da libertação dos trabalhadores da exploração capitalista, o PCP promove a conciliação de classes com alianças com a burguesia e distrai os trabalhadores com fantasias bolorentas de algumas mentes pouco sãs que acham que o 25 de abril, vigente entre 1974  e o 25 de novembro de 1975, ainda está vivo e se recomenda. 

  

O percurso seguinte é direto, via autoestrada: “Democracia avançada”, socialismo, comunismo. Por este caminho quimérico já estamos quase lá. Esquecemos o poder dos monopólios, o imperialismo, a fome, a guerra interimperialista, a exploração capitalista, a NATO, o neocolonialismo, o domínio avassalador da ideologia burguesa e esperamos que doucement, sem resistência, o capital entregue numa bandeja o socialismo à classe operária. Ou, menos benevolentemente, dizer que o PCP abandonou a revolução socialista e a perspetiva do socialismo para Portugal e defende apenas um capitalismo “humanizado”. 

 

O PCP e as teses que apresenta ao seu XXII Congresso, na continuação de toda a sua linha política, 

estão assombrados por dois fetiches: o Estado e a Constituição. 

 

A Constituição é apresentada como o El Dorado, um lugar mítico em que se realizam e concretizam todas as cândidas benfeitorias da “democracia” tal como o PCP a entende (democracia burguesa, sublinhe-se), o máximo objetivo a que os trabalhadores podem aspirar num mundo de fantasia onde a barbaridade da luta de classes desapareceu por magia. 

 

Já dissemos muitas vezes que a CRP em vigor não é de modo nenhum aquela saída do 25 de abril. É uma Constituição burguesa. E, como qualquer outra lei, com a burguesia no poder, cumpre-se aquilo que não afeta o capital e não se cumpre o que não lhe interessa, dependendo sempre da relação das forças de classe. A CRP de 1976 emergiu de uma dada correlação de forças favorável aos trabalhadores, correlação essa que de modo nenhum existe neste momento histórico. Isto não impede que os trabalhadores deixem de exigir o cumprimento da Constituição quando os interesses do capital a violem contra si. E com a correlação de forças a evoluir em desfavor dos trabalhadores, a burguesia insistirá na sua revisão. Até agora, a CRP ainda não impediu a exploração capitalista, e nunca as palavras num papel a podem impedir. 

 

Os trabalhadores têm de lutar contra a exploração capitalista com ou sem Constituição. E o partido que se diz da classe operária não pode apresentar aos trabalhadores um horizonte para a sua luta que não vá além dos princípios burgueses da Constituição. A CRP não pode ser o programa de um partido comunista. Mesmo assim, o socialismo estava plasmado na CRP de 76 e nem por isso o país caminhou para o socialismo ou conseguiu sequer travar a contrarrevolução. 

 

(Lamentamos que os comunistas portugueses não estejam muito habituados ao uso do termo “burguesia” e até, vejam nisso uma certa marca de “esquerdismo” mas, como diz o nosso povo, é preciso tratarmos os bois pelos nomes, e está na hora de o fazermos.) 

 

E como se perspetiva um aprofundamento da ofensiva capitalista, o socialismo não vai voltar para a CRP nos dias mais próximos, de que se deduz que o PCP aponta como perspetiva de futuro o cumprimento de uma constituição burguesa expurgada do que tinha de progressista a CRP de 76. Não se pode perspetivar o futuro a olhar para o passado. 

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