Não ao rearmamento da Europa. Não a mais despesas militares. Pela saída de Portugal da UE e da NATO
- quefazerquefazer
- há 5 dias
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Estamos a viver uma situação política particularmente complicada em termos nacionais e internacionais.
No plano internacional assistimos a mudanças que não se esperaria ver. Os EUA retiram o apoio aos seus aliados europeus e tomam-nos por seus concorrentes, ditam sanções ao Canadá e ao México, seus vizinhos, impondo-lhes sanções comerciais, tal como à Europa e à China, dizem querer transformar o Canadá o 51º Estado americano, declaram-se dispostos a anexar a Gronelândia, despudoradamente dizem querer transformar a Palestina na Riviera do Médio Oriente, negociam com Putin a “paz” na Ucrânia, definem a China como o inimigo principal e todas essas questões de que tomamos conhecimento diariamente pela comunicação social.
Pergunta-se por que é que tudo isto está a acontecer no mundo e temos de recuar umas décadas na história até à II Guerra Mundial. Da II Guerra emerge uma correlação de forças mundial cujos traços mais marcantes são a vitória da URSS; a constituição do sistema socialista mundial; a supremacia dos EUA relativamente aos demais países capitalistas ocidentais ocupando o papel que a Inglaterra tinha tido anteriormente como potência colonial; o investimento de imensos capitais americanos na Europa para a sua reconstrução, o chamado Plano Marshall, entre 1948 e 1951, na ordem dos 100 000 milhões de dólares a preços de hoje; a constituição da ONU em 1945, da NATO em 1949, e mais tarde do Pacto de Varsóvia, em 1955. O COMECON constituiu-se em 1949, a Comunidade Europeia, mais tarde CEE, em 1957 .
Teve início o movimento de libertação nacional das colónias da Inglaterra, da França, da Alemanha, da Bélgica, da Holanda. O Japão desenvolveu-se rapidamente e tornou-se uma grande potência industrial e tecnológica e a Alemanha tornou-se a principal potência europeia. Esta foi praticamente a arrumação das forças económicas e militares em que assentou a ordem mundial até há pouco tempo.
O sistema colonial, tal como existiu até às décadas de 50/60/70 com a constituição de dezenas de novos países, por força da relação de forças decorrente da presença do sistema socialista e o apoio que prestou aos movimentos de libertação nacional, foi desfeito, mas logo foi sendo substituído pelo neocolonialismo.
Em 1991 a URSS caiu, desapareceu o sistema socialista mundial e as suas organizações, o COMECON e o Pacto de Varsóvia. Este foi o fator fundamental para o desequilíbrio de forças. O capitalismo sofreu uma série de crises, a China emergiu como grande potência, a UE perdeu a sua importância. Neste momento, a nível mundial, existem três polos imperialistas fundamentais: os EUA, a China e a Rússia.
Como o mundo se encontrava dividido entre as potências dominantes anteriores, assistimos hoje a uma luta pela sua redivisão em função da força económica e militar de que cada uma das potências dispõe no momento presente e que pretende vir a ter no futuro. É essa a raiz da guerra na Ucrânia, na Síria, no Iémen, no Sudão, e também na Palestina, na medida em que também estão em disputa os recursos naturais dessa região, além de muitas outras em países africanos.
Trump chega ao poder e declara que não vai continuar a sustentar a NATO, a Europa que se defenda sozinha. Parecia que o mundo tinha desabado sobre a cabeça dos euro-atlantistas e da pequena-burguesia assustada e crédula que acreditava no papel da NATO para defender os “valores ocidentais”, a “democracia” e uma “ordem mundial baseada em regras”.
Claro que o capital não pode acreditar nas suas próprias narrativas, ou terá um curto futuro. Eis que chega Trump e com o maior cinismo diz ao que vem e como funcionam as coisas no mundo dos negócios: quem tem força, manda, na proporção dos seus capitais. Os oligarcas (que agora já não são só russos, o vocábulo já entrou na linguagem de muito pequeno-burguês que tinha andado a acreditar na retórica burguesa e dela tinha sido e é serventuário) falam entre si a linguagem do “realismo” e atuam de acordo com ele, disputam a partilha do bolo entre si, enviando tropas, provocando guerras, enfim, atuam em conformidade com o que Lenine tinha denunciado no seu Imperialismo fase suprema do capitalismo: que a partilha das riquezas e das colónias se faz de acordo com a força, e que a guerra é a continuação da política por outros meios, concordando com Clawsevitz.
O militarismo e a guerra decorrem das leis do desenvolvimento do sistema capitalista na sua fase imperialista e não haverá paz enquanto houver capitalismo na maior parte do mundo.
Dado o estado calamitoso das contas dos EUA, com uma dívida de cerca de 36,5 biliões de dólares (1), dos quais 1 109 biliões ao Japão, 680 mil milhões (2), ao UK, 870 mil milhões à China (3). Obviamente que os EUA não têm dinheiro para continuar a financiar a NATO pelo menos no que à Europa diz respeito.
A União Europeia, despeitada pela perda do seu aliado de tantos anos, vendo-se ultrapassada por velhas e novas potências, lamentando-se disso qual pequeno Kalimero, lança-se na corrida aos armamentos para se defender da Rússia e diz que passa a sustentar quase sozinha as despesas e o prolongamento da guerra na Ucrânia. Para isso, pretende aplicar 800 mil milhões de euros e obrigar os países-membro a gastar pelo menos 2% do seu PIB em despesas militares, seguindo o plano de Mario Draghi que foi presidente do BCE e vice-presidente da Goldman Sachs, um dos maiores impérios do capital financeiro do mundo com origens judaicas. Este colosso financeiro mundial contribuiu com 7,3 mil milhões de dólares para as despesas do genocídio na Palestina (4) tendo tido também um papel significativo na emissão de títulos soberanos de Israel, conhecidos como "war bonds", que têm sido usados para financiar as operações militares sionistas.
As cabeças iluminadas dos funcionários do capital financeiro nos órgãos da UE lembraram-se agora de criar um fundo cuja constituição será constituído pelas poupanças dos cidadãos europeus. Reina uma grande dose de desespero naquelas hostes. Constrói-se a narrativa da “ameaça russa”, tenta-se convencer os povos da necessidade de desenvolver rapidamente a indústria da guerra.
Não sabemos se a UE e os respetivos interesses imperialistas acreditam eles mesmos na possibilidade da guerra com a Rússia. Trata-se, na verdade, de reconstruir a indústria europeia que ao longo dos anos foi sendo deslocalizada para a China e outros países com mão-de-obra mais barata.
Os lucros vão descer como maná para a alemã Rheinmetall, a BAE Systems inglesa, uma das maiores do mundo, a transeuropeia Airbus, a Thales e a Dassault Aviation francesas, a Leonardos italiana, a Saab sueca, e as empresas da indústria militar da Polónia, República Checa e da Noruega (5) vão ficar com os lucros. O complexo militar-industrial dos EUA vai continuar a vender mais armas à UE e a Israel. Tudo estará bem encaminhado, entretanto, para que Portugal possa acolher indústrias militares de capital alemão ou francês que virão beneficiar de mão-de-obra mais barata e salvar a indústria alemã ou francesa, aflitas com a quebra da venda de automóveis num mercado altamente concorrencial com a China.

As empresas produtoras de armas e de prestação de serviços militares aumentaram os lucros em todo o mundo em 4,2%, atingindo lucros de 598 mil milhões de euros em 2023 (6). No final, os lucros da indústria da morte, seja nos EUA, seja na Europa, vão parar aos impérios mundiais do capital financeiro que não têm fronteiras.
O relatório Draghi sugere que os fundos sejam angariados através de uma combinação de investimentos públicos e privados e enfatiza a importância de parcerias público-privadas para financiar projetos estratégicos. Defende ainda a criação de incentivos para atrair capital privado, desempenhando os governos um papel crucial no financiamento inicial e na mitigação de riscos, isto é, se houver azar, os Estados (os povos) ficam com os prejuízos e os bancos com os lucros.
O mesmo relatório sugere ainda aos Estados que cortem nas despesas sociais como a saúde, a educação ou a segurança social para terem dinheiro para comprar armas. Os trabalhadores e os povos europeus vão de novo atravessar um período de intensificação da exploração. Os direitos serão ainda mais retalhados e o custo de vida vai aumentar em função desta loucura armamentista e das taxas americanas sobre os produtos europeus. Os gravíssimos problemas ambientais ficam esquecidos.
Entretanto, o ainda Primeiro ministro e o ainda ministro da Defesa de Portugal já mostraram a disponibilidade do país para aumentar a percentagem do PIB gasta para comprar armas e disponibilizou as vidas de homens e mulheres portugueses para combaterem pela Ucrânia. Última hora: Portugal comprou um novo simulador de voo onde vão passar a ser treinados os pilotos que vão “combater a Rússia”.
“A construção de uma paz justa duradoura, exige ter em conta as causas do conflito [na Ucrânia], e impõe que os EUA, a NATO e a UE ponham fim à estratégia de instigação e prolongamento da guerra” diz um comunicado do gabinete de imprensa do grupo parlamentar do PCP na Parlamento europeu (7). Mas, qual Diácono Remédios, esconde na vagueza da expressão as causas do conflito, a saber, a disputa das zonas de interesse económico e geoestratégico dos polos imperialistas, precisamente os EUA e a UE, UE essa que anda a esmolar uma fatia do saque da Ucrânia. Se o imperialismo é a concorrência entre grupos capitalistas através da força das armas, a única ação consequente possível é o apelo à luta para derrubar o capitalismo.
Se “Portugal não deve alinhar com a política belicista da UE que é contrária aos interesses do povo português e dos povos na Europa”; se a guerra, a escalada armamentista, as sanções, apenas servem as grandes potências e os seus grupos económicos e financeiros, desde logo os ligados aos armamentos, por que não se exige a saída de Portugal da NATO? Porque é que o Secretário-geral do PCP não é capaz de dizer, preto no branco, que se opõe ao envio de armas para a Ucrânia?
É necessário “assegurar uma paz justa e duradoura e a segurança coletiva na Europa”, diz o mesmo comunicado. O que é a segurança coletiva da Europa? O inimigo de Portugal passa também a ser a Rússia? Ou, como disse um jornalista, “a Rússia vai tomar Vila Real de St. António”? Portugal precisa mais de se defender da Rússia ou da França e da Alemanha que vêm sugando as riquezas do país e o suor dos seus trabalhadores desde a entrada de Portugal na CEE? Será que a Rússia quer assenhorear-se da TAP? Ou beneficiar de condições seguramente muito vantajosas, fiscais ou outras, a sair dos impostos dos trabalhadores, do Orçamento do Estado, e que são publicamente desconhecidas, para continuar a produzir carros em Portugal como faz a alemã Volkswagen? Será que foi a Rússia que deitou a mão à exploração dos aeroportos nacionais e vai ganhar incalculáveis milhões com o novo aeroporto? Não, foi a francesa Vinci. Será que foi a Rússia a quem entregámos a EDP? Não, foi à chinesa Three Gorges… Os monopólios russos têm preferido outras paragens.
Os únicos inimigos dos trabalhadores e dos povos de todas as nações europeias é o capital e a burguesia de todas as nações. Os proletários da Europa só podem confiar na unidade internacionalista do proletariado europeu.
«A paz e a segurança alcançam-se com mais diplomacia, mais diálogo e solução política dos conflitos, com mais respeito pelos princípios do direito internacional.», diz ainda o já referido comunicado. Que a ONU ou o Papa digam isto, enfim, admite-se, fazem o seu papel. Mas pode um partido que se diz comunista abraçar o pacifismo pequeno-burguês sabendo que a burguesia se ri na nossa cara desse pacifismo? Que, ao menos Trump desmascare sem vergonha toda a hipocrisia reinante e chame os bois pelo nome: o capital, os negócios, ditam as condições.
A ONU, todo o “direito internacional”, todos os países do mundo foram impotentes para travar o ataque sionista contra Gaza. Ficou patente que só os EUA detinham a força necessária para impedir o massacre e obrigar Israel a parar a chacina.
Desde quando foram respeitadas a Carta das Nações Unidas ou a ata final de Helsínquia, de 1975, quando ainda existia a URSS? Foi sempre a força económica, militar e política que determinou as resoluções do conselho de segurança da ONU em que os EUA, a Rússia, a França, a China e o Reino Unido, as potências vencedoras da II Guerra, têm direito de veto.
Os Estados Unidos, como membro permanente do Conselho de Segurança, usaram o seu poder de veto para bloquear resoluções relacionadas com a Palestina. Desde 1970, os EUA vetaram mais de 40 resoluções que criticavam Israel ou apoiavam os direitos dos palestinianos, incluindo resoluções que pediam o fim da ocupação e a criação de um Estado.
Por que não desmascaramos o imperialismo como a raiz desta situação que o mundo está a viver? Não é “na política belicista da UE, da NATO e dos EUA que assenta a verdadeira e a mais perigosa ameaça para os povos da Europa e do mundo”. Na sua fase imperialista, o capitalismo não pode por natureza evitar as guerras, não pode deixar de ter uma “política belicista” e passar fazer uma política de paz. Está-se a atirar ao lado. A “verdadeira e mais perigosa ameaça para os povos da Europa[...]” é o capitalismo mundial, é o imperialismo como um todo, é a concorrência entre os EUA e a UE com os outros polos imperialistas, a China e a Rússia.
Por que não dizemos que o socialismo e a existência da URSS eram o contrapeso ao bloco capitalista? Por que não perguntamos o que está o nosso país a fazer na UE e na NATO e não exigimos a sua saída destas organizações imperialistas? Se as coisas continuarem a correr de acordo com a nova condução dos interesses geoestratégicos de Trump e de Putin, o objeto da NATO e a UE perderão sentido. O capital europeu está a agarrar-se ao desenvolvimento da indústria militar como um náufrago agarrado a uma tábua.
A burguesia nacional e o seu governo tudo fazem para manter o país na UE, porque fora dessa aliança a burguesia será atirada para a valeta dada a falta de dimensão dos seus capitais. Ela só pode prosperar no quadro de alianças com outros grandes grupos internacionais dos quais depende.
É por isso que a luta pela saída de Portugal da UE deve inserir-se na luta anti-imperialista e anticapitalista mais vasta.
Por que não se denuncia que foi inventado um inimigo, a Rússia, para justificar a loucura dos interesses do capital que se escondem por detrás do rearmamento da Europa, tal como Bush criou o “terrorismo” para justificar a guerra contra o Iraque em defesa dos interesses americanos no Médio Oriente? Por que não se pergunta o destino que terá o equipamento militar que se vai produzir? Os povos europeus vão comer tanques e mísseis? Alguém pensa ser possível que a UE sozinha se possa defender da Rússia respaldada pela China? Depois de produzir os respetivos lucros todo esse equipamento militar vai ficar em depósito à espera de um “ataque do leste” e os trabalhadores europeus vão pagar uma muito pesada fatura.
O que vivemos nada mais é do que um capitalismo podre, atolado nas suas contradições que não pode jamais resolver. Não tardará que os porta-vozes do capital venham anunciar uma nova crise e pedir mais sacrifícios aos trabalhadores, desta vez em nome da “segurança europeia”.
A única saída para os trabalhadores é a luta contra a ofensiva que se vai seguir, pelo derrube do capitalismo. Não é uma utopia, é a única solução possível.
NOTAS:
U.S. National Debt Clock : Real TimeWho Owns the U.S. National Debt?
Las empresas de armamento más importantes de Europa - Mapas de El Orden Mundial - EOM
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