Um ataque agudo de “cretinismo parlamentar”
- quefazerquefazer
- há 14 horas
- 12 min de leitura

Negociatas de vário calibre e eleições
Há muito poucas semanas rebentou o escândalo quando se descobriu que o primeiro ministro usufruiu, enquanto governante, de rendimentos que não são claros através de uma empresa “familiar”, recebendo uma avença mensal de 4 000 euros do grupo Violas, proprietário de casinos e atividades correlativas. Este escândalo foi antecedido pela vinda a público de que um deputado do Chega roubava malas nos aeroportos e as vendia num sítio especializado na internet. A este sucedeu-se um outro, de um eleito do mesmo partido com processos na polícia por pedofilia e ainda do caso da vice-presidente do Conselho de Jurisdição do partido Chega que está indiciada por burla qualificada e falsificação de documentos.
Anteriormente o Primeiro-ministro António Costa demitira-se por causa do processo “Influencer” que envolvia o ministro João Galamba e um adjunto do ministro que levou para casa um computador com informação classificada. Envolvia ainda o chefe de gabinete do mesmo Primeiro-ministro que tinha grossa maquia de notas no meio de pastas de arquivo do gabinete do próprio Primeiro-ministro. Neste interim, houve cenas de pancada e cabelos arrancados no ministério na disputa pelo computador, cena muito mais saborosa de imaginar do que qualquer rixa no Bolhão ou na Ribeira se ainda existisse.
Já em pleno governo da AD foi demitido o diretor do INEM que se conseguia dividir entre a região norte, a presidência do Instituto e o Algarve onde prestava serviços de médico tarefeiro a ganhar à hora e, no mesmo governo, demitiu-se ainda um secretário de Estado que constituíra uma empresa do ramo imobiliário depois de aprovada a nova lei dos solos. É só para resumir.
Rebenta uma girândola de moções de censura e confiança no Parlamento e o Presidente da República convoca eleições. Vai daí, inimigos e adversários políticos começaram a puxar o fio à meada que, em vez de se desfazer, se tornou uma enorme bola de neve.
E eis que alguém se lembra de propor uma moção de censura ao governo, com intenções inexplicadas, a que outras se seguirão e, como a cereja no topo do bolo, o próprio PSD apresenta uma moção de confiança que sabia à partida estar condenada.
Resultado: eleições antecipadas. Chame-se o povo de novo às urnas para... quê? Não se sabe para que servirão estas eleições. Mais do que certo servem para salvar a pele de Montenegro que prefere que o seu partido perca as eleições do que abrir mão dos seus interesses particulares.
A substância política dos factos da vida dos trabalhadores
Quanto aos factos que têm substância política. A UE lança-se na louca corrida armamentista, sendo que nunca poderá combater russos ou chineses e não terá ajudas dos EUA. No fundo, a Europa é uma chávena de chá dos tempos vitorianos toda escaqueirada, que acha que ainda tem importância e finge não ver que está em declínio completo.
Neste contexto subsistem e agravam-se as dificuldades dos trabalhadores, dos pensionistas e dos jovens - estudantes e trabalhadores – ; as rendas das casas lançam os trabalhadores para debaixo das pontes; assiste-se à sangria e destruição calculada passo a passo, do SNS, à crise da habitação, à venda da TAP, às grandes negociatas com o PRR e os grandes negócios que se mantêm na sombra, como o projeto do lítio cuja toxicidade o Sr. Galamba bem tentou esconder dos portugueses através de uma das maiores iniciativas de greenwashing neste país, assim como o facto de as minas pretendidas se situarem em território agrícola nacional causando grave dano à água e aos lençóis freáticos, destruindo o ecossistema e o modo de vida dos habitantes. Mas há resistência nas terras barrosãs.
Há ainda o projeto do hidrogénio líquido e a construção da central de dados que brotou como um cogumelo em Sines sem que alguém tivesse dado por isso; a Autoeuropa que prolonga a sua permanência no país à custa de não sabemos que benesses; o prolongamento da concessão dos aeroportos à Vinci por mais 50 anos; a linha de alta velocidade para servir os interesses do comércio; os negócios da “revolução energética” que são tudo menos verdes, das barragens aos campos fotovoltaicos a perder de vista no Alentejo destruindo a biodiversidade e muitos outros, quiçá mais importantes, mas de que não se fala na comunicação social e são tratados nos gabinetes ministeriais ou à mesa de restaurantes com estrelas Michelin dentro e fora do País.
A partir daqui duas grandes ordens de questões se levantam.
A moral do capital
A primeira tem que ver com a tão invocada ética e moral a propósito da obrigatoriedade de transparência dos detentores de cargos públicos. Há que chamar de novo à colação a obra de Lenine, de 1916, O Imperialismo fase suprema do capitalismo. Aí ele afirma que, na fase imperialista do capitalismo, existem portas giratórias entre os cargos governamentais e as administrações de empresas.
Sobre ética e moral não se pode calar a hipocrisia burguesa: o capital, a sua acumulação, é o roubo da propriedade de outros. Sem dar muitos exemplos, basta dizer a acumulação primitiva do capital se constituiu através do genocídio dos povos nativos americanos e do roubo do ouro, da escravatura dos africanos, dos roubos aos povos asiáticos. Toda a concorrência capitalista é uma luta de morte entre os capitais maiores e os capitais mais pequenos. Uns aumentam a dimensão os outros entram em falência: uns matam, outros morrem. O lucro capitalista é o roubo do sobretrabalho dos proletários. Dizia Marx que o capitalismo chega ao mundo escorrendo sangue de todos os poros. O capitalismo é um sistema imoral por natureza.
Não se pode sequer imaginar que a política da burguesia tem ética ou moral, quando apenas os lucros contam. Há só que desmascarar as ilusões que ela semeia a seu próprio respeito. Os governos são as administrações burguesas sobre a sociedade e os aparelhos de Estado servem para defender os seus interesses e reprimir os explorados.
É interessante para o efeito a seguinte passagem do Manifesto do Partido Comunista, naturalmente anterior à fase imperialista do capitalismo, no tempo da livre concorrência:
[A burguesia] não deixou outro laço entre homem e homem que não o do interesse nu, o do insensível "pagamento a pronto". Afogou o frémito sagrado da exaltação pia, do entusiasmo cavalheiresco, da melancolia pequeno-burguesa, na água gelada do cálculo egoísta. Resolveu a dignidade pessoal no valor de troca, e no lugar das inúmeras liberdades bem adquiridas e certificadas pôs a liberdade única, sem escrúpulos, de comércio. Numa palavra, no lugar da exploração encoberta com ilusões políticas e religiosas, pôs a exploração seca, directa, despudorada, aberta.

Os políticos burgueses ou representam os seus próprios interesses ou os de outrem, serviços pelos quais recebem algo em troca. Alguém se esqueceu que um qualquer partido da burguesia propôs na Assembleia da República a regulamentação da atividade de lobista? O que fazem os lobistas? Será que trabalham de borla? Suprema hipocrisia a daqueles senhoritos de Bruxelas que acusaram um lobista de receber subornos dos seus clientes! Um lobista ainda por cima “legalizado”! E quantos outros lobistas existem a “trabalhar” no Parlamento europeu e em todos os gabinetes do poder por esse mundo fora?
Agora, em plena campanha eleitoral Pedro Nuno e Luís Montenegro cujos partidos são atingidos por diversos escândalos de interesses económicos, alheios ou pessoais, para não falar do Chega - até o deputado que roubava malas está a cair no esquecimento – disputam o tamanho da ética de cada um, do tipo a minha é maior que a tua.
Trata-se de desmascarar a hipocrisia burguesa e de afirmar que existe verdadeira ética, ou que tem um superior sentido ético, a luta contra a sociedade de classes e a exploração do homem pelo homem abrindo caminho para que um homem novo venha a surgir. E talvez seja esse o mais difícil objetivo do socialismo e do caminho para o comunismo.
O parlamentarismo
A segunda ordem de questões tem a ver com a tática dos revolucionários quanto à participação em parlamentos burgueses. Marx, e sobretudo Lenine que teve de lidar mais miudamente com as questões táticas da luta pelo socialismo, têm um numeroso conjunto de obras e teses sobre esta matéria. E, sobre esta questão, essas teses têm duas componentes. A primeira é que o proletariado deve lutar dentro dos parlamentos burgueses, a segunda tem a ver com o objetivo da intervenção parlamentar proletária, isto é, como se liga com a estratégia – o derrube do capitalismo e a tomada do poder pela classe operária ou, mais simplesmente, o que devem fazer os deputados comunistas nos parlamentos das instituições políticas burguesas.
Defendem Marx e Lenine que, na luta de classes, qualquer objetivo tático do proletariado se deve rigorosamente subordinar à estratégia, isto é, nenhum objetivo tático deve esconder ou prejudicar a luta pelo socialismo contra o capitalismo.
A atividade parlamentar deve, pois ser, um instrumento da luta pelo socialismo. A partir dos parlamentos burgueses devem os comunistas denunciar a exploração capitalista aproveitando todos os pretextos e demonstrar a superioridade do socialismo. A atividade parlamentar deve contribuir para a educação política revolucionária do proletariado; deve tratar as questões políticas de que o proletariado deva fazer bandeira, deve ser a voz e projetar na atividade parlamentar as grandes reivindicações económicas e políticas dos proletariado. A atividade parlamentar não pode de modo nenhum ter o conteúdo burguês do que se entende vulgarmente por “política”, nem ter a sua forma.
A que propósito surge esta questão ligada à atividade empresarial do Primeiro-ministro e à convocação de eleições antecipadas?
É que, de repente, ela colocou no plano parlamentar – nas eleições, na pouco provável alteração sensível das forças dos partidos - o centro da atividade política nacional, a esperança da resolução dos chamados “problemas nacionais”.
Depois de apresentadas as moções de censura e ainda não tinha sido votada a moção de confiança do governo, já o secretário-geral do PCP afirmava:[...] a rejeição assegurada pelo PCP à moção de confiança é, sobretudo, «um sinal de esperança e de mobilização», em torno daquilo que, fora das «novelas», realmente importa na vida das pessoas: lutar pelo aumento geral dos salários e das pensões 1[...], etc. e, no mesmo número do jornal “Avante!”, se podia ler o seguinte título: “Queda do Governo abre espaço à afirmação de um novo rumo”.
“Cretinismo parlamentar” foi a expressão usada por Marx2, Engels e Lenine, em várias ocasiões para criticar o parlamentarismo.
Algumas pequenas citações do 18 do brumário de Luís Napoleão Bonaparte: «… o regime parlamentar, este regime vive da luta e pela luta. O regime parlamentar vive da discussão . A luta dos oradores na tribuna provoca a luta dos plumitivos na imprensa, o clube de debates do parlamento é necessariamente complementado com os clubes de debates dos salões e das tabernas. O regime parlamentar entrega tudo à decisão das maiorias. Se os que estão nos cumes do Estado tocam violino, que coisa há de mais natural do que os que estão em baixo dancem? … um bando de deputados tinha desertado do seu campo... por medo da luta por cansaço, por considerações de família, pelos vencimentos de Estado de parentes seus, por especulação com os postos de ministros deixados vagos.... por esse mesquinho egoísmo com que o burguês comum se inclina sempre a sacrificar o interesse geral da sua classe a este ou àquele motivo privado [1852!]».
E a seguinte citação da mesma obra, talvez excessiva para o caso, mas tem a sua graça: «...a Assembleia Nacional mostrou-se tão improdutiva que... os debates sobre o caminho de ferro Paris-Avignon, iniciados no inverno de 1850, ainda não estavam prontos … em 2 de dezembro de 1851»
Em pleno século XXI, em Portugal , todos os partidos chafurdam no mesmíssimo parlamentarismo burguês. O proletariado como classe independente, está sem voz no parlamento quando aqueles que dizem representá-lo esgotam a sua tática e a sua estratégia no democratismo burguês, espalhando a ilusão de que os problemas dos trabalhadores se resolvem nos parlamentos com propostas e discursos. Os problemas dos trabalhadores só se resolvem na luta de classes.
Na guerra ideológica da burguesia, esta não descansou um único dia para afirmar que o parlamentarismo é o cerne da democracia, para confundir democracia burguesa com democracia em geral, para classificar a democracia burguesa como o melhor sistema político do mundo e justificar as suas agressões imperialistas como imperativo da “democracia” e a defesa dos direitos humanos.
A democracia proletária
Há outras formas bem superiores de democracia representativa. A verdadeira democracia, isto é, o poder da maioria, é a ditadura do proletariado. A representatividade mais perfeita é a soviética (soviete significa comissão, comité) com base em eleições de representantes dos trabalhadores a partir dos locais de trabalho até ao supremo órgão representativo de toda a nação com mandatos revogáveis a qualquer momento.
O parlamento burguês é uma ilusão de democracia - o real poder reside nas mãos da burguesia, do capital de que os parlamentos, os governos,etc., que os usa como seus instrumentos.
A democracia burguesa está a desmoronar-se. Toda a gente, a burguesia tem medo e tem a consciência de que o sistema burguês de partidos alternantes está desacreditado. A abstenção nas eleições é cada vez maior. Os trabalhadores e os jovens desinteressam-se da “política”, o proletariado não vê saída para a sua situação cada vez pior. O desespero das massas leva-as ao voto nos partidos de extrema-direita, como manifestação de protesto e de afirmação de que é necessário romper com o sistema. As camadas jovens pequeno-burguesas organizam-se em torno das chamadas “causas identitárias” que não expõem a real causa dos problemas, como as alterações climáticas, o racismo, a discriminação das mulheres e de género em geral, etc. estando arredadas, como é atualmente o caso, da compreensão da real causa dos problemas – o capitalismo apodrecido - e, portanto não engrossam como poderiam e deveriam o caudal da luta anticapitalista.
O instinto das massas vai apontando para que a saída de tudo isto tem de ser radical. Esse sentimento de necessidade de uma saída radical tem de ser canalizado para a inevitabilidade do derrubamento do capitalismo. A alternativa é o aumento da força da extrema-direita. Pergunta-se: o que acontecerá quando a militarização da economia alemã atacar mais violentamente a vida dos trabalhadores e se apresentar diante dos seus olhos a aliança da social-democracia, dos Verdes e da reacionária CDU para a alteração constitucional que permitiu o aumento dos gastos orçamentais com o armamento, tal como a social-democracia votou a favor dos créditos de guerra em 1914?
O que vai acontecer depois das próximas eleições legislativas em Portugal quando um novo parlamento surgir e tudo continuar como antes, se a luta não se agudizar dentro das empresas e não vier para a rua saindo do marco parlamentar e colocando as necessárias palavras de ordem políticas que não podem ser a “alternativa de esquerda” ou a “democracia avançada” tão utópicas quanto incompreensíveis para as massas?
O mito da superioridade da democracia burguesa tem de ser derrubado. A luta pelo derrubamento do capitalismo e o poder do proletariado tem de ser colocada no pensamento e na ação das massas.
Reforçar o movimento comunista nacional e internacional, livre do oportunismo que o corrói há muitas décadas, é uma tarefa urgente. É urgente agudizar a luta de classes e fortalecer muito o movimento sindical libertando-o das peias pequeno-burguesas de que está a padecer.
Os últimos desenvolvimentos da situação política
Nos últimos dias a guerra das tarifas dos EUA vieram desestabilizar os interesses do capital e aquilo que davam como certo há muitas décadas. Em poucos meses a geopolítica virou-se do avesso.
Ainda que mais tarde tenhamos obrigatoriamente voltar ao assunto, não podemos deixar de fazer já algumas observações sintéticas.
As taxas norteamericanas vão trazer um inaudito aumento dos preços dos bens de que os trabalhadores precisam para viver e dar de comer aos filhos.
O desemprego vai aumentar, não se sabe quanto ainda, devido à acumulação de vários fatores.
O Primeiro-ministro anuncia um pacote de 10 mil milhões de euros de apoio às empresas e zero para os trabalhadores.
As confederações patronais estão contentíssimas com as medidas do governo. Algumas começam já a reivindicar uma nova legislação do lay-off à semelhança do que aconteceu no tempo da pandemia.
A política de “imigração regulada” já deu luz verde à entrada de mais de 100 000 novos imigrantes para fazer face à carência de mão-de-obra em alguns setores, medida esta que foi acordada com as confederações patronais. Isto vai dar azo ao embaratecimento do preço da força de trabalho. O patronato vai tentar pôr os trabalhadores portugueses contra os imigrantes e os salários terão tendência para baixar.
A loucura da guerra, além das consequências económicas que terá, vai servir para tentar cercear pelo medo o espírito de luta dos trabalhadores e como justificação das medidas anti-laborais.
Perante tal situação, as campanhas eleitorais e as eleições burguesas tornam-se num importante fator de desvio de atenções da realidade. De resto, o PS já disse que acompanharia o PSD em matéria de segurança e imigração, isto é, o PS vai fazer coro com o PSD em matéria do delírio armamentista e da intensificação da exploração. Os trabalhadores têm de se preparar imediatamente para o que aí vem, cerrar fileiras e multiplicar as suas justas reivindicações e não se deixar enredar nas manobras do patronato e do governo. Se há 10 000 milhões para os patrões, eles que aumentem os salários. Se os bancos têm lucros de milhares de milhões, vá aí buscar-se dinheiro para as pensões e para o SNS. A comunicação social só fala de eleições e deixa em branco estes problemas.
Os trabalhadores imigrantes, os que já cá estão e os que hão-de chegar, têm de ser considerados no quadro geral do fortalecimento da unidade dos trabalhadores e não podem servir de arma de arremesso nas mãos do Chega e de instrumento de divisão do patronato. Os resultados positivos da luta serão bons para todos, nacionais e estrangeiros.
Comments