1. Fundamentos da disciplina revolucionária. Unidade do centralismo democrático e de uma linha política revolucionária
O Partido comunista, cujos princípios fundamentais foram definidos por Lenine, é o partido político do proletariado, instrumento para o cumprimento da sua missão histórica: liquidar o modo de produção capitalista e o seu Estado, criar o Estado proletário, avançar para o socialismo.
Os partidos comunistas, de resto como qualquer outro partido, orientam-se por um programa a cumprir e por regras próprias de funcionamento. Os partidos comunistas têm no seu programa a luta revolucionária pelo socialismo e nos seus estatutos o princípio fundamental do centralismo democrático.
Programa e estatutos de um partido da classe operária não são separáveis. Só o centralismo democrático como método de funcionamento do partido serve o cumprimento do seu objetivo programático, o socialismo. Os desvios que afetem um destes dois pilares – a luta pelo socialismo e o princípio do centralismo democrático – afetam inevitavelmente o outro.
O centralismo democrático realiza a unidade entre democracia e centralismo e assegura a capacidade de o partido do proletariado cumprir a sua missão histórica. Também quando algum destes princípios é violado, seja no sentido do democratismo, seja no sentido do centralismo, a linha do Partido sofre revezes. Na história do PCP ocorreram estes dois tipos de violação dos princípios do centralismo democrático posteriormente corrigidos, mas que, sem dúvida, afetaram o cumprimento dos objetivos programáticos enquanto duraram. O democratismo afetou a proteção do Partido contra a polícia fascista entre outras consequências, o centralismo afetou a ligação do Partido às massas, provocou sectarismo. É quase escusado dizer que o princípio do centralismo foi mais acentuado durante o fascismo pelas necessidades conspirativas de defesa; não é isto que consideramos desvio centralista, pelo contrário, tratou-se da adaptação do centralismo democrático às condições do fascismo. Todos sabemos que sempre se aproveitaram as possibilidades de um funcionamento interno democrático, nomeadamente com a realização de Congressos clandestinos.
2. A praxis do PCP antes do presente desvio de direita
Álvaro Cunhal assinalou em O Partido com paredes de vidro - cuja releitura se recomenda para estabelecer comparações com a atualidade da vida partidária e verificar como o centralismo democrático se transformou em centralismo antidemocrático e indisciplina – que o centralismo democrático não se deve limitar à aplicação formal dos princípios de funcionamento, mas ser um estilo de trabalho que seja permanentemente coletivo.
O centralismo democrático vigorou no Partido, depois do 25 de Abril, enquanto existiu uma linha política, eventualmente mais na prática do que no papel, revolucionária, comunista, e houve uma direção absolutamente coerente com todos estes princípios, direção que desse modo educou, grosso modo, a geração de comunistas que se lhe seguiu. O Partido, através dos seus militantes, mergulhava profundamente as suas raízes nas massas, aprendia com elas. Os militantes transmitiam à direção o sentir dos trabalhadores e do povo e assim se aferia continuamente a justeza da linha seguida. Nas reuniões, ouvia-se a opinião de todos, cada um contribuía para a definição da linha política com a certeza de que a sua opinião era escutada e tida em conta. Não havia chefes, havia dirigentes que respeitavam os estatutos e os faziam cumprir como uma forma natural de agir. Os quadros eram selecionados tendo em conta a sua firmeza ideológica, a sua modéstia, o seu comportamento na família e no local de trabalho, a sua capacidade de direção que se manifestava principalmente no exemplo que davam aos outros militantes, pela capacidade de convencimento. A sua autoridade advinha de todas essas características, não era imposta.
A unidade de ação forjava-se na prática, com discussão aberta e fraterna. As diferentes opiniões serviam o propósito de procurar o caminho mais adequado. As conclusões assim obtidas eram, depois, por todos levadas à prática.
Existia fraternidade e camaradagem, a franqueza, a lealdade e o espírito crítico eram estimulados.
A crítica e a autocrítica constituíam um modo necessário de funcionamento. Permitiam a aferição da justeza das orientações tomadas e a sua correção e a educação dos quadros.
(Esta era a linha geral, obviamente existiam exceções, cometiam-se erros, nada que o trabalho e a discussão coletivos não pudessem corrigir).
3. O que queriam os “renovadores”
Os grupos fracionistas que apareceram em três momentos diferentes, embora o terceiro momento tenha sido mais propriamente o prolongamento e alargamento do segundo, apresentavam as suas reivindicações políticas intimamente ligadas à contestação do centralismo democrático.
Para sintetizar, defendiam entendimentos com o PS para uma “alternativa à esquerda”, queriam que o PCP se comprometesse numa solução governativa com o PS, em suma, que o PCP abandonasse a sua natureza revolucionária de vanguarda da classe operária e se tornasse um partido do sistema e da ordem capitalista, ou, como se diz, especialmente depois da “nova fase da vida política nacional, se tornasse um partido do “arco do poder”. Abandonavam o objetivo de luta pelo socialismo, renegavam o marxismo-leninismo, não reconheciam e combatiam o papel dirigente da classe operária, apagavam o internacionalismo proletário, execravam as experiências da construção do socialismo.
Concomitantemente contestavam o centralismo democrático e os métodos de funcionamento democrático do Partido. Com efeito, nenhuma política reformista precisa do centralismo democrático, pelo contrário, precisa de ter chefes, precisa da anarquia interna divisionista que liquide o partido do proletariado para se pôr ao serviço da pequena-burguesia e da burguesia.
Para eles não deveria haver limites precisos entre partido e “sociedade”, poderia haver plataformas políticas internas diferentes em competição, listas várias de candidatos a cargos de direção, podia-se discutir os assuntos internos do partido na praça pública, podiam escolher-se “coordenadores” das organizações eleitos pelas “bases”, aniquilando o papel dos organismos superiores.
Não por acaso, os mesmos que isto defendiam não podiam ser mais arrogantes, mais “chefes de fila”, mais desrespeitadores da opinião dos outros militantes, mais desrespeitadores dos estatutos e das decisões dos Congressos.
Sublinhe-se que todo o arsenal de ideias dessa gente era usado em nome da defesa da democracia interna, em nome do combate à “ortodoxia” e da “modernização” do Partido. Esta “democracia” arruinaria por completo a unidade de ação a todos os níveis, subverteria o papel de organismos e organizações, transformaria o Partido num partido de chefes e subordinados, num partido igual a qualquer partido da burguesia em que os militantes são meros artigos de decoração para encher salas.
Este suposto democratismo, na realidade antidemocrático, só podia levar à destruição do partido de classe, incapaz de levar a classe operária ao poder, impossibilitado de cumprir a sua missão histórica. Por aqui se compreende que o abandono do socialismo e do marxismo-leninismo implica o abandono do centralismo democrático.
4. Os antigos renovadores apresentam-se hoje de novo
Os renovadores foram derrotados no XX Congresso. Porém, o vírus replicou-se. O Partido professa hoje uma linha política reformista, socialdemocratizada. A defesa do socialismo fica apenas no papel, a independência política do proletariado perdeu-se na “geringonça” – e não só - , o Partido arrasta-se na cauda da pequena-burguesia, na cauda do PS, o papel de vanguarda transformou-se em papel de retaguarda, o eleitoralismo tomou conta de toda a tática.
E também não por acaso, o funcionamento do partido alterou-se para pior, a democracia interna caiu, ficou apenas o centralismo. Hoje, até mais do que compreender a linha socialdemocratizada do Partido, os militantes sentem que não são convocados para reuniões, que não lhes é pedida a opinião, que aqueles que se atrevem pôr dúvidas ou manifestar opiniões diferentes das da direção são implacavelmente afastados e servem de exemplo para quem faça o mesmo, a militância, onde existe, serve apenas para cumprir tarefas que muitos “chefes” não fazem.
Não há discussão da situação política, não se discute o fundamento das tarefas que é preciso realizar, o estudo político e ideológico é desvalorizado, o tarefismo e o praticismo são constantes, imperam as “metas” para cumprir, as orientações são impostas e não discutidas.
A seleção de quadros abandonou os parâmetros comunistas e revolucionários, os militantes são promovidos se concordam com o que vem de cima, o trabalho de organização é menosprezado, as tarefas institucionais assumem todas as prioridades, as tarefas ligadas ao exercício do poder local têm a primazia e submergem a atividade nos locais de trabalho e no movimento sindical. Os eleitos autárquicos a maior parte das vezes não prestam contas do seu trabalho e sobrepõem-se aos organismos e organizações, começam a instalar-se interesses , etc., etc. Temos muitas vezes denunciado estes factos.
5. A prática atual do PCP e as declarações do seu Secretário Geral à CNN
A cereja no topo do bolo colocou-a o atual secretário-geral numa entrevista à CNN. E não é por se tratar da CNN, até podia ser ao Observador ou qualquer outro órgão de comunicação social do sistema.
Pois disse o secretário-geral do PCP, em matéria de substituição do ocupante do cargo, que não se podia fazer referência apenas a um dos possíveis substitutos, que se deveria considerar outros nomes, e explicitamente disse quem entendia ele ter condições para o dito cargo!!!
Não é impossível dar-se a substituição de secretário-geral fora do âmbito de um congresso, pois o Comité Central tem a faculdade de eleger o Secretário Geral, como se sabe. Poderia até não existir nenhum secretário-geral como aconteceu durante muitos anos até Álvaro Cunhal ter sido eleito para o cargo, mas não tem sido essa a prática depois do 25 de abril. Estamos à distância de três anos do próximo congresso e inicia-se um processo de discussão sobre o nome do futuro secretário-geral ... na praça pública!
Como se disse, cabe apenas ao Comité Central decidir sobre o secretário-geral. Os membros do CC deveriam interrogar-se se foram ouvidos em relação a tais nomes, mas a discussão já se faz fora do CC e fora do PCP na praça pública por amigos e inimigos, lançada pelo seu próprio secretário-geral!
No tempo em que o PCP era o PCP, o processo de escolha do secretário-geral era extremamente exigente tendo em conta a responsabilidade do cargo. Depois de apuradas as opiniões do secretariado do Comité Central e da Comissão Política, cada membro do CC era ouvido pessoalmente, as opiniões respetivas eram anotadas e seguiam de novo para os organismos executivos. Em caso da existência de mais do que um nome, as preferências maioritárias eram também tidas em conta. Quando qualquer militante era chamado a maiores responsabilidades, eram ouvidas as opiniões daqueles com quem trabalhava diretamente. No caso do secretário-geral, se este trabalhava também diretamente com outros organismos exteriores ao CC, esses eram também ouvidos.
Portanto, quem tinha de ser ouvido sobre o problema contribuía para o apuramento final da decisão e assim se assegurava a unidade e responsabilidade coletiva no Partido. Assim foi para o atual secretário-geral, mas, pelo visto, o Partido errou rotundamente. Existem porém mais duas hipóteses para explicar o sucedido com as recentes declarações do secretário-geral em relação à sua sucessão: ou a pessoa se transformou, e/ou os critérios de avaliação do militante mais responsável do Partido e os métodos de trabalho mudaram radicalmente. Ambas as condições são verdadeiras.
A aplicação dos Estatutos e dos princípios do centralismo democrático exigiria uma crítica pesada ao mais responsável militante do Partido e a sua autocrítica.
O mais triste é que isto demonstra que o PCP se socialdemocratizou e se está a transformar num partido cada vez mais igual aos outros, que a disciplina revolucionária deixou de fazer sentido, que o centralismo-democrático desapareceu porque o PCP deixou de lutar pelo socialismo e pelo comunismo.
Então, metaforicamente, podemos dizer que não pode atirar pedras quem tem telhados de vidro, ou mesmo que quem semeia ventos colhe tempestades. O povo tem a sua sabedoria.
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